A psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva fala sobre casos de transtorno obsessivo compulsivo (TOC) com a naturalidade de quem fala com amigos. Autora do livro Mentes e Manias, ela trata do tema com casos reais e explica que é possível vencer o TOC. Diz que os pacientes demoram, em média, dez anos para procurar ajuda - o que piora o transtorno e dificulta o tratamento mais difícil.
Existe um TOC considerado normal, que se cure sozinho, e outro que seja considerado doença e exija tratamento?
Não. TOC é um transtorno comportamental, seja leve, moderado ou grave. Sempre requer tratamento. Não há como melhorar espontaneamente.
Ter pensamentos obsessivos é sinal de TOC?
Não. A diferença da doença para pequenas coisas do dia a dia está na intensidade e na capacidade de limitar a vida. Por exemplo: em todos os verões são lançadas músicas que "grudam" nas nossas cabeças por um período. Isso gera um pensamento obsessivo normal. No TOC, o pensamento obsessivo não é circunstancial, é rotina. Se não for tratado, gera pensamentos cada vez mais negativos. A diferença é quantitativa.
É possível diferenciar obsessão de superstição?
A diferença é muito simples. A superstição tem um componente cultural muito forte e faz certo sentido. Por exemplo: as pessoas não gostam de passar por baixo da escada. Se você passar e ficar pensando naquilo durante as próximas três horas, é normal, porque se trata de uma superstição e logo passa. É diferente de mania, obsessão.
E o que é uma mania?
A mania é a compulsão, a ação que a pessoa vai desenvolver por conta de uma obsessão - no caso, pensamentos ruins em excesso. Por exemplo: pessoa que fica horas no banho, achando que está contaminada, e só sai depois de desinfetar o banheiro inteiro. O TOC é a junção do pensamento com a ação. E 99% das pessoas com TOC têm a noção exata de que essa lógica é absurda. Mas o fato é: se ela não fizer os rituais e algo acontecer, ela vai morrer de culpa.
Quanto tempo demora para as pessoas procurarem ajuda?
Em média, cerca de dez anos. E se você não tiver uma família atenta, demora mais. Em geral, as famílias se envolvem com o problema e, como não há informação suficiente, acham que estão ajudando. Mas a única ajuda que funciona é quebrar o ciclo de rituais da pessoa com TOC. Ajudar um TOC é não fazer por ele. E o passar do tempo contribui para que a resposta ao tratamento seja menos favorável.
Existem formas diferentes de manifestação de TOC?
Existe o espectro TOC. São outros transtornos como anorexia, bulimia, tricotilomania (mania de arrancar os cabelos). Todos guardam alguma semelhança com o TOC e costumam se manifestar com quadros de ansiedade. No caso do TOC, há quadros leves, moderados e graves. Essa gradação ocorre pela falta de tratamento precoce e não porque são formas diferentes da doença. Não existe TOC que melhore sem medicação e terapia comportamental.
Existe alguma causa conhecida? Ou algum fator genético?
O componente genético é indiscutível. Na família com alguém com TOC, sempre vai ter alguma pessoa de outra geração que teve transtorno parecido. Sabe-se que o TOC não acontece por causa de um único gene, mas por causa de vários.
O paciente precisa fazer tratamento para o resto da vida?
Em geral, sim. A gente mantém um tratamento de base, o que muda é a intensidade. O TOC está ligado aos mais baixos níveis de serotonina que existem. Um deprimido tem mais serotonina que uma pessoa com TOC. E a medicação é necessária para manter esses níveis adequados.
Há muita negação da doença?
Totalmente. Por parte do paciente, dos pais, dos parentes. Como a pessoa com TOC tem consciência do que faz, ela tem vergonha de procurar ajuda. Quando chega ao consultório, normalmente é porque alguém da família não aguentava mais.
Em seu livro, a senhora cita o termo COT (cognição, organização e transformação), o inverso de TOC. O que significa isso?
É um termo que criei. A doença é tão grave que não existe ex-TOC. O objetivo do tratamento é transformar o paciente TOC em COT, fazer com que ele alcance a cognição, a organização e sofra uma transformação.
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