O pedido do caro leitor chega singelo à caixa de entrada de e-mails: "Bipolar que sou, sou vítima do desconhecimento das pessoas. Gostaria que falasse sobre a bipolaridade."
Pois não, meu amigo Lucio (fiquemos só no primeiro nome, ok?), bem-vindo ao clube!
Um dos grandes paradoxos contemporâneos é a resistência quase pétrea da sociedade em relação aos que ela considera desiguais, diferentes, esquisitos. Como se a sociedade em si não fosse diferente, esquisita, desigual e, a cada dia que passa, muito mais que isso.
Mas parece que o leitmotiv da contemporaneidade extemporânea é mesmo se alimentar da intolerância, enxergando no outro aquilo que não vê (e não suportaria...) em si próprio.
Bipolaridade é um transtorno de comportamento que, como o próprio nome diz, tem duas pontas: ou o sujeito está deprimido ou está eufórico (maníaco na linguagem médica), com momentos maiores ou menores de algum equilíbrio, durante os quais a vida pode até parecer normal.
No mais das vezes, ou o mundo, as pessoas, a existência são uma grande tragédia ou um grande limbo, pegajoso e escuro, nos quais o transtornado se enreda num sofrimento sem fim, paralisado; ou então tudo é uma grande festa, na qual o protagonista (ainda o transtornado...) tem o poder, a força, tudo quer, tudo alcança, e se expõe e se compromete e se arrisca, sem medo nem noção de que pode estar jogando fora a própria vida, quando não a de familiares também.
Antigamente, esse comportamento-gangorra, em que a existência se assemelha a uma montanha russa de emoções conflitantes, era diagnosticado sob a sigla PMD, psicose maníaco depressiva. Tratada com estabilizadores de humor como ácido valpróico ou antidepressivos e lítio, podia e cada vez mais pode ter algum controle.
Com o passar do tempo e com o entendimento pelos bem-pensantes de que a loucura é muito, muito relativa, de psicose (distúrbio mental grave, segundo o Houaiss) passou-se a denominar transtorno, ainda maníaco e ainda depressivo, para se chegar à atual formulação digamos mais amena de transtorno bipolar ou bipolaridade.
Assim é, voltando ao caro leitor, que evolui o nome, evolui o tratamento, evolui a capacidade de os portadores deste mal interagirem cada vez mais normalmente com o mundo que os cerca, mas ainda há muito o que evoluir no entendimento coletivo do que se passa na cabeça das pessoas e deixar de se incomodar tanto com isso.
Quem nunca ouviu ou até mesmo disse algo como 'Nossa, fulano está tomando remédio de tarja preta!', como se isso fosse uma sentença de morte e não eventualmente a procura de um caminho mais curto de tornar a vida menos insuportável?
E quantos por aí não consideram a vida absolutamente insuportável, porque no mais das vezes ela pode mesmo ser, e acha que está tudo bem com sua cachola?
Loucos são os outros, certo?
Então vamos nessa, bipolares, depressivos, compulsivos e maníacos, que este bonde aqui está lotado de iguais.
Duvida?
Então dê uma lida no jornal de hoje, veja o noticiários sobre as coisas que estão rolando agora mesmo pelo mundo e diga para você mesmo:
- Eu sou normal!
Luiz Caversan, 55 anos, é jornalista, produtor cultural e consultor na área de comunicação corporativa. Foi repórter especial, diretor da sucursal do Rio da Folha, editor dos cadernos Cotidiano, Ilustrada e Dinheiro, entre outros.
Fonte Folhaonline
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