Despertar para a luz Pesquisadores e cirurgiões pediátricos mostram como é possível resgatar a visão de recém-nascidos com catarata congênita. País tem poucos centros especializados, mas bons profissionais na área
Quando se fala em catarata, o senso comum remete imediatamente a uma doença ocular de idosos. A doença, contudo, é a principal causa de cegueira prevenível em crianças — no Brasil e no mundo. Poderia ser detectada desde os primeiros dias de vida com o teste do olhinho — uma lei federal estabelecendo a necessidade dos exames foi aprovada em 2007, mas apenas 10 dos 27 estados brasileiros cumprem a determinação com rigor, entre os quais o Distrito Federal, com legislações locais que tornam o exame obrigatório. Além do mais, no Brasil, existem poucos centros de referência na rede pública de saúde com especialistas em oftalmologia pediátrica capazes de identificar e fazer a correção da catarata congênita em recém-nascidos.
“Essa área é muito delicada. A lei existe para todos os médicos, mas é difícil para um clínico fazer o diagnóstico correto”, observa o oftalmopediatra Wilson Takashi Hida, que coordena pesquisas sobre a doença no Serviço de Oftalmologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) — unidade de atendimento responsável por fazer cerca 80 cirurgias de catarata congênita (veja infografia) por mês e dona de um índice de recuperação de 88% a 94%.
A catarata se caracteriza por um processo de opacificação — parcial ou total — do cristalino, a principal “lente” do olho humano, responsável por capturar e acomodar as imagens lançadas na retina. Com a anomalia, o cristalino se turva, assume tons de branco, amarelo, marrom e até preto. “As causas são várias, como fatores hereditários, toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus (ou herpes-vírus, o mais frequentemente transmitido para um feto em desenvolvimento), radiações etc., que a criança pega da mãe”, aponta Takashi Hida. “O teste do olhinho é importante não apenas por identificar a catarata congênita, mas também outras patologias, como a microftalmia (olho pequeno), megalocórnea, microcórnea, glaucoma, leucoma (quando a córnea fica transparente)”, destaca o médico.
Excelência
Um desses centros, criado há quatro anos na Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), consegue atingir uma média de recuperação de visão dos bebês operados de catarata de cerca de 90%, segundo o oftalmopediatra e professor da FMB Antonio Carlos Lottelli, que coordena o Programa de Pesquisas para a Melhoria de Atendimento do Sistema Único de Saúde, em São Paulo.
Um desses centros, criado há quatro anos na Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), consegue atingir uma média de recuperação de visão dos bebês operados de catarata de cerca de 90%, segundo o oftalmopediatra e professor da FMB Antonio Carlos Lottelli, que coordena o Programa de Pesquisas para a Melhoria de Atendimento do Sistema Único de Saúde, em São Paulo.
“O grande problema no Brasil é que a cirurgia de catarata congênita é feita quase sempre por um cirurgião de adulto, mas há detalhes na cirurgia de criança que somente o oftalmologista especializado é capaz de resolver, principalmente quando o procedimento exige implante de lentes. Na criança, o olho está crescendo, o grau (da lente) vai mudar, há mais facilidade de inflamações e rejeição do material”, explica Antonio Carlos. Ele acrescenta que a cirurgia deve ser feita até os 3 meses, para garantir um pós-operatório sem sequelas —mas há como corrigir falhas depois dessa idade, dependendo do grau de perda da visão.
O número de casos de catarata congênita no Brasil é modesto, com uma prevalência de cinco a 15 casos por 10 mil habitantes, mas esse número pode ser subestimado, devido às dificuldades para um diagnóstico precoce.
Recomendações
Para a oftalmopediatra Virgínia Cury, do Hospital de Olhos de Brasília, certas orientações devem ser observadas para evitar problemas que podem ser superados. “Primeiro, quando a catarata no bebê ocorre nos dois olhos e caso não haja complicações, não é aconselhável colocar lentes intraoculares até os 6 anos. Se existir problemas, deve-se esperar até os 12.”
Para a oftalmopediatra Virgínia Cury, do Hospital de Olhos de Brasília, certas orientações devem ser observadas para evitar problemas que podem ser superados. “Primeiro, quando a catarata no bebê ocorre nos dois olhos e caso não haja complicações, não é aconselhável colocar lentes intraoculares até os 6 anos. Se existir problemas, deve-se esperar até os 12.”
Quando a catarata é unilateral, há necessidade de colocar lente intraocular no ato da cirurgia e usar um suporte como estímulo visual (tampão ou óculos) para corrigir a visão. Virgínia explica que a área do cérebro que capta a imagem pelo senso visual opera esse fenômeno até os 3 meses. “Por isso, essa é a idade ideal. Depois disso, o cérebro já escolheu o olho favorito para desenvolver o senso visual e fica mais difícil a correção.” Em síntese, quando a doença atinge os dois olhos, as chances de correção sem sequelas são muito maiores. “Os prognósticos são melhores nesse caso, porque os dois olhos desenvolvem a visão igualmente”, diz Takashi Hida.
Para Virgínia Cury, o Brasil tem bons cirurgiões na área de oftalmologia pediátrica; o problema é a falta de estrutura para acompanhar a criança. “O cirurgião resolve o problema naquele instante, mas quem acompanha é o oftalmopediatra.” O drama se torna mais intenso quando se fala em rede pública de saúde, mas, na medicina corporativa, as cirurgias de catarata infantil têm sido praticadas já há um bom tempo com sucesso, resume Wilson Takashi Hida. “Isso é lamentável. Todos deveriam ter acesso à saúde.”
Simples e certeiro
O teste do olhinho (ou o teste do reflexo vermelho) é um exame que deve ser realizado rotineiramente em bebês na primeira semana de vida, preferencialmente antes da alta da maternidade, e que pode detectar e prevenir diversas patologias oculares, assim como o agravamento dessas alterações, como uma cegueira irreversível.
O teste do olhinho (ou o teste do reflexo vermelho) é um exame que deve ser realizado rotineiramente em bebês na primeira semana de vida, preferencialmente antes da alta da maternidade, e que pode detectar e prevenir diversas patologias oculares, assim como o agravamento dessas alterações, como uma cegueira irreversível.
Acompanhamento contante
Em certo momento da vida do casal Gracielly Furquim e Ricardo Perinel, a descoberta de um problema visual na filha de 5 meses, Gabrielly, mudou a rotina da casa e levou os pais da garota a adotar providências para superar as dificuldades — mesmo que essas tenham ocorrido após os 90 dias de vida da bebê, a idade ideal para a cirurgia. Os primeiros sinais de que algo não ia bem apareceram em 2007 —basicamente, rejeição à luz e alterações na maneira de tatear e de pegar objetos.
“Procuramos ajuda e iniciamos o tratamento. Hoje, ela está bem, mas precisa continuar o acompanhamento. A visão baixa interfere nas condições motoras dela, que andou tarde, mas atualmente brinca, melhorou bastante e leva uma vida normal”, diz a mãe de Gabrielly, hoje com 4 anos e 9 meses.
O caso da menina é típico de hereditariedade, um dos fatores de risco da catarata congênita mais frequentes. Pessoas da família do casal viveram situações semelhantes, porém com mais dificuldades, porque antes não havia os recursos tecnológicos de hoje para tratar a doença. “O que aconteceu nessa área nos últimos 15 anos, em termos de avanços, é impressionante. E isso nos anima a acreditar que muito mais poderá ser feito”, avalia Virgínia Cury, que acompanha Gabrielly.
Há 20 anos, a cirurgia de catarata era costumeiramente feita com uma abertura de 10mm a 15mm no olho, número que hoje não passa de 3mm. Segundo os pais, terem colocado a filha no Centro Integrado de Estímulo Educacional e Visual (Cieev), mantido pelo Governo do Distrito Federal, foi fundamental para sua recuperação. Quando Gabrielly fez a cirurgia, aos 8 meses, chegou a usar um óculos com 4,5 graus e uma lente com 12. “Hoje, ela está com menos de um de miopia”, comemora a médica da menina. Virgínia afirma que unidades de acompanhamento como o Cieev são raras, mas promovem um trabalho de apoio “especial” para o paciente e a família.(CT)
Fonte Correio Braziliense
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