Maioria dos pacientes com doença em estágio 4 parece acreditar, incorretamente, que os remédios poderiam livrá-los do câncer
Quando meu marido descobriu que tinha um câncer avançado de pulmão, ele nem mesmo quis conversar com um oncologista sobre quimioterapia. Ele não via sentido num tratamento que não o curaria e ainda poderia deixá-lo pior.
Isso não ocorre, porém, para a maioria dos pacientes que têm diagnosticado um câncer no pulmão ou cólon que se espalhou bem além de sua localização inicial e hoje não é curável por nenhum medicamento do arsenal médico. A maioria dos pacientes com o chamado câncer em estágio 4 que escolher se submeter à quimioterapia parece acreditar, incorretamente, que os remédios poderiam livrá-los do câncer.
Essa é a descoberta de um recente estudo nacional com quase 1.200 pacientes com câncer avançado nos pulmões ou no cólon. No total, 69% dos que têm câncer de pulmão em estágio 4, e 81% dos que têm câncer no cólon em estágio 4 não entendem que "a quimioterapia tem muito poucas chances de curar sua doença", segundo relataram no The New England Journal of Medicine a Dra. Jane C. Weeks, pesquisadora de oncologia do Instituto Oncológico Dana-Farber, em Boston, e colegas.
Quando o paciente não compreende as limitações desses tratamentos, seu consentimento de se submeter a eles não é realmente informado, os autores concluíram.
Outras drogas
Isso não significa dizer que a quimioterapia é inútil quando o câncer está avançado demais. Diversas drogas, algumas com toxicidade limitada, podem ser usadas como paliativos, talvez encolhendo tumores temporariamente para aliviar sintomas, desacelerando o crescimento do câncer e prolongando as vidas de alguns pacientes.
Uma quimioterapia agressiva quando a morte está algumas semanas ou meses à frente, no entanto, pode comprometer gravemente a qualidade do tempo que resta aos pacientes e atrasar seus preparativos para o fim da vida, em detrimento dos pacientes e de suas famílias. Weeks afirmou:
— Se você acha que a quimioterapia pode curá-lo, você está menos aberto à discussão sobre o fim da vida.
Quando os pacientes buscam a quimioterapia sob a falsa crença de que ainda têm uma chance de cura, o tratamento costuma adiar sua transição às clínicas de assistência paliativa. Quando os pacientes passam apenas alguns dias por semana numa dessas clínicas, os funcionários não têm tempo suficiente para conhecê-los e oferecer os benefícios físicos, emocionais e práticos que essas instituições podem proporcionar.
Segundo Weeks, a quimioterapia contínua envolve mais idas ao hospital, coletas de sangue e raios-X, enquanto a clínica cuida dos sintomas e preocupações do paciente, e estimula-os a deixar legados significativos. O tratamento em clínicas também reduz os custos médicos. Quando meu marido entrou numa clínica, após duas semanas de sofrimento no hospital submetendo-se a radiação paliativa, ele experimentou tal alívio que disse alegremente, embora em tom de brincadeira: "E se eu decidir que quero viver?" Em seguida, aproveitou uma valiosa última visita com seus dois netos.
'Inclinação otimista'
A comunicação é uma via de mão dupla; tanto médicos quanto pacientes contribuem ao fato de os pacientes não conseguirem entender a limitada habilidade da medicina em tratar de um câncer avançado.
Num editorial acompanhando o relato publicado, o Dr. Thomas J. Smith e o Dr. Dan L. Longo apontaram que "as pessoas têm uma inclinação otimista". Apesar de um prognóstico sombrio, essa inclinação faz os pacientes acreditarem que o tratamento pode trazer a cura, explicou Smith, oncologista e diretor de cuidados paliativos do Centro Oncológico Abrangente Johns Hopkins Sidney Kimmel, numa entrevista:
— Mesmo com repetidos debates, cerca de um terço dos pacientes não consegue dizer que têm uma doença da qual morrerão em pouco mais de um ano. Nosso trabalho não é forçá-los à aceitação, mas incentivá-los a se preparar para o pior enquanto esperam o melhor. Esses pacientes obtêm resultados melhores – menos depressão e menos estresse, e mostram maior probabilidade de morrer confortavelmente em casa.
Cultura
Fatores culturais e raciais, e provavelmente crenças religiosas, influenciam a aceitação da futilidade do tratamento contínuo, disse Weeks.
Em seu estudo, pacientes não-brancos e hispânicos foram mais inclinados a acreditar que a quimioterapia poderia salvá-los. Surpreendentemente, porém, o nível de escolaridade dos pacientes, seu grau de invalidez e a participação na tomada de decisões não estavam associados às crenças imprecisas sobre a quimioterapia.
O que pode fazer uma enorme diferença, afirmou Smith, é como e com que frequência os médicos discutem opções com os pacientes e descrevem o potencial do tratamento continuado. Ele e Longo sugeriram que os médicos dominem "a conversa conhecida como 'perguntar, dizer, perguntar', que consiste em perguntar ao paciente o que ele deseja saber sobre seu prognóstico, dizer a ele o que ele quer saber, e então perguntar: 'O que você compreende sobre sua situação hoje?'".
Entre as perguntas que devem ser feitas, segundo Smith, estão: "O quanto você deseja saber sobre seu câncer? Quem você gostaria de incluir nas discussões sobre seu tratamento? Você gostaria que eu anotasse os pontos importantes? Quais são suas esperanças? Quem são seus outros médicos, para que eu possa me comunicar com eles?".
Discussão contínua
Finalmente, disse ele, em vez de perguntar ao paciente "você tem alguma pergunta?", o médico deveria perguntar: "Agora que discutimos isso, qual é seu entendimento de sua situação?" E em vez de ter essa conversa apenas uma vez, prosseguiu Smith, "ela deveria ser repetida em cada ponto de transição".
Ele e Longo também recomendam que os oncologistas declarem o prognóstico do paciente na primeira visita, indiquem alguém no consultório para conversar sobre diretivas avançadas, agendem uma visita de informações numa clínica de tratamento, e se ofereçam para discutir o prognóstico e ajudar em cada transição.
Usando essa abordagem, os médicos da US Oncology Network, um grupo de oncologistas comunitários, dobraram o tempo que os pacientes passavam nas clínicas, reduziram os custos, aliviaram sintomas, reduziram o estresse sobre as equipes de atendimento e muitas vezes prolongaram a sobrevivência, afirmou Smith. Diversos estudos mostraram que os pacientes de câncer em clínicas vivem semanas ou meses mais do que pacientes comparáveis fora do atendimento paliativo.
Quando os médicos não oferecem informações claras e diretas, Smith sugere que o paciente pergunte: "Qual é meu verdadeiro prognóstico? Quais são minhas opções? Eu posso conversar com as equipes de atendimento paliativo e das clínicas?"
E concluiu: "Essa é a conversa mais difícil para os médicos. Muitos deles esperam que alguém introduza o assunto". Se o paciente não o fizer, um membro da família pode iniciar essa tão necessária discussão.
Fonte The New York Times
Por R7
Nenhum comentário:
Postar um comentário