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quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Cientistas rastreiam bactérias nas carnes vendidas em supermercados

Matt Roth/The New York Times
O microbiologista Lance Price está tentando comparar as bactérias
encontradas em carnes com as bactérias de  infecções urinárias
Pesquisadores buscam entender se a propagação de germes resistentes a antibióticos tem relação com a carne dos animais criados em fazendas industriais
 
Duas vezes por mês durante um ano, Lance Price, microbiólogo da Universidade George Washington, pediu que seus pesquisadores comprassem todas as marcas de frango, peru e carne de porco à venda em cada um dos principais supermercados de Flagstaff, Arizona. Enquanto os cientistas empurravam carrinhos de compras pelos corredores com pedaços de carne amontoados, os clientes, curiosos, por vezes perguntavam se eles estavam fazendo a dieta Atkins .
 
Na verdade, Price e sua equipe estão tentando responder a questões preocupantes sobre a propagação dos germes resistentes a antibióticos em pessoas a partir de animais criados em fazendas industriais.
 
Mais especificamente, eles estão tentando descobrir a quantidade de pessoas que têm contraído  infecção urinária ao ingerirem carne comprada em supermercado em uma cidade norte-americana.
 
Price descreve a si próprio como uma espécie de colecionador. Seu próprio congelador está repleto de uma mistura de amostras dos seios paranasais e ouvidos internos, tendo armazenado até mesmo a água de um narguilé.
 
Entretanto, as milhares de embalagens de caldo de carne coletadas em Flagstaff, onde seu instituto de pesquisa sem fins lucrativos está situado, estão todas embaladas ordenadamente em congeladores localizados lá, marcados com códigos de barras para fins de identificação.
 
Ele agora está investindo o poder do sequenciamento genético em uma tentativa ambiciosa de encontrar correspondências precisas entre os germes da carne e os de mulheres que sofrem de infecção urinária.
 
Recentemente, apoiado nas mãos e nos joelhos em sua sala na Universidade de Washington, ele estudava a árvore genealógica de germes de algumas das amostras de carne, uma brochura de mais de 25 páginas que desfraldava como um rolo de papel toalha. As linhas e números nelas impressos mostravam os primeiros indícios que poderiam ajudar a responder a questão central investigada por Price: quantas mulheres de Flagstaff contraíram infecção urinária ao ingerirem carne comprada em um supermercado? Ele espera obter respostas preliminares neste trimestre.
 
Pesquisadores têm nos alertado há anos a respeito dos antibióticos – remédios milagrosos que mudaram o curso da saúde humana no século XX – estarem perdendo poder. Alguns advertem que se essa tendência não for interrompida, podemos voltar às condições que vivíamos antes dos antibióticos, quando as pessoas morriam de infecções comuns e as crianças não sobreviviam a infecções na garganta.           

Atualmente, as bactérias resistentes aos medicamentos causam cerca de 100 mil mortes por ano, mas principalmente entre pacientes com sistema imunitário enfraquecido, crianças e idosos.
 
Há um amplo consenso quanto ao uso excessivo de antibióticos ter causado uma crescente resistência aos medicamentos. Muitos cientistas dizem existir evidências de que o uso intensivo de antibióticos para promover o crescimento mais rápido em animais criados em fazenda é um dos grandes culpados por isso, criando um reservatório de bacilos resistentes aos medicamentos que estão chegando até as comunidades. Mais de 70 por cento de todos os antibióticos usados nos Estados Unidos são dados para animais.
 
Grupos do agronegócio discordam e dizem que o principal problema é o uso excessivo de tratamentos com antibióticos em pessoas. Os bacilos raramente migram dos animais para as pessoas, e mesmo quando o fazem, o risco que representam para a saúde humana é desprezível, argumenta a indústria.
 
Os cientistas dizem que o sequenciamento genético trará maior segurança para esse debate. Eles terão como rastrear os germes presentes nas pessoas até as suas origens, esteja ela em um animal de fazenda ou em outros pacientes hospitalizados. A deputada democrata Louise Slaughter, de Nova York, que defendeu uma legislação para controlar o uso de antibióticos em fazendas, disse que tal prova seria a "prova cabal" que resolveria o problema.
           
Price tem buscado quantificar até que ponto os bacilos resistentes aos medicamentos presentes nos animais estão infectando as pessoas. Ele tem tentando fazer isso por meio da análise da composição genética completa de germes coletados na carne vendida em supermercados e em moradores de Flagstaff no ano passado. A queda nos custos do sequenciamento genômico tornou a sua pesquisa possível.
 
Ele está comparando as sequências genéticas de bactérias E. coli resistentes a múltiplos antibióticos encontradas nas amostras de carne com as que têm causado infecções do trato urinário em pessoas (principalmente mulheres).
 
A infecção urinária foi escolhida por ser bastante comum. Há mais de oito milhões de casos da doença entre as mulheres americanas por ano. Em casos raros, as infecções entram na corrente sanguínea e são fatais.
 
Acredita-se que as bactérias resistentes presentes na carne causam apenas uma parte de tais infecções, mas mesmo essa fração seria responsável por infectar várias centenas de milhares de pessoas anualmente. O germe da E. coli que Price escolheu pode ser fatal, e se torna ainda mais perigoso por sua tendência a resistir a antibióticos.
 
A infecção ocorre quando a carne que contém o germe é comida, vindo a crescer no intestino e, em seguida, sendo introduzida no interior da uretra.
 
Price disse o germe pode causar infecções de outras maneiras, como, por exemplo, através de um machucado, enquanto a pessoa corta a carne crua. Os bacilos são promíscuos, de modo que quando entram nas pessoas, podem sofrer mutações e viajar mais facilmente entre elas.
 
A nova estirpe do bacilo resistente a antibióticos MRSA, por exemplo, foi detectada pela primeira vez em pessoas na Holanda em 2003, e hoje representa 40 por cento das infecções por MRSA em humanos no país, de acordo com o pesquisador holandês Jan Kluytmans. Essa mesma cepa era comum em porcos criados em fazendas antes de ter sido encontrada em pessoas, dizem cientistas.
           
Price, de 44 anos, começou sua carreira fazendo testes de resistência do antraz ao antibiótico Cipro para fins de pesquisa em biodefesa na década de 1990. Seu interesse pela saúde pública o levou a trabalhar com a resistência aos antibióticos no início de 2000. Ela parecia uma ameaça menos teórica.
 
Antibióticos de primeira linha já não estavam mais curando infecções básicas, e os médicos estavam preocupados. "Pensei, 'Nossa, é claro que isso é uma loucura, eu tenho que fazer alguma coisa a respeito'", disse ele. Ele desenvolveu sua pesquisa sobre antibióticos em uma organização sem fins lucrativos fundada em 2002, o Instituto de Pesquisa de Genômica Translacional de Phoenix. Seu laboratório em Flagstaff, uma filial, é financiado principalmente por fontes federais, incluindo os Institutos Nacionais de Saúde e a Secretaria de Defesa.
 
Price, especializado em epidemiologia e microbiologia, tem divulgado alertas sobre a resistência aos antibióticos há alguns anos. Ele declarou recentemente a uma comissão do Congresso que as evidências dos efeitos nocivos de antibióticos na agricultura são impressionantes.
 
Ele acredita que os esforços da Administração de Alimentos e Medicamentos (FDA) para limitar o uso de antibióticos nas fazendas têm sido fracos. Em 1977, a FDA disse que iria começar a proibir alguns dos usos agrícolas de antibióticos. Porém, comitês de dotações da Câmara e do Senado – dominados por interesses agrícolas – aprovaram resoluções contra a proibição, e a agência recuou.           

Mais recentemente, o organismo limitou a utilização de duas classes importantes de antibióticos em animais. Todavia, os defensores dizem que ela precisa ir mais longe e proibir o uso de todos os antibióticos de aceleração do crescimento. Isso já foi feito na Suécia e na Dinamarca.
 
Slaughter disse que o lobby agressivo dos interesses do agronegócio tem desempenhado um papel importante no que diz respeito a impedir a aprovação de leis. De acordo com a sua equipe, dos 225 relatórios de lobby arquivados durante o último Congresso um projeto de lei que ela redigiu sobre o uso de antibióticos, aproximadamente 9 em cada 10 foram apresentados por organizações que se opõem à legislação.
 
No entanto, a economia dos alimentos representa talvez o maior obstáculo. Em grandes fazendas industriais, os animais são criados bem perto uns dos outros, com grandes concentrações de fezes carregadas de bactérias e urina. Os antibióticos freiam as infecções, mas também criam resistência aos medicamentos. Essas mesmas fazendas produzem grandes volumes de carne barata que os americanos se acostumaram a consumir.
 
Os governos começaram a reconhecer esses perigos. Os Estados Unidos prometeram recentemente destinar 40 milhões de dólares a uma grande empresa farmacêutica, a GlaxoSmithKline, para que ajudasse a desenvolver medicamentos para combater a resistência aos antibióticos. Porém, Price diz que a elaboração de novas drogas é apenas uma solução parcial.
 
"Muitas pessoas dizem: 'vamos inovar para sair dessa'", disse ele. "Mas se não modificarmos a forma como abusamos dos antibióticos, estaremos apenas adiando o inevitável".
 
Fonte iG

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