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segunda-feira, 23 de julho de 2018

A “insônia subjetiva” que está afetando a qualidade de vida de milhares de brasileiros

Estima-se que o problema (quando o paciente relata que não dorme bem) afete entre 20% e 40% das pessoas no mundo

Dormir, uma das mais elementares necessidades do organismo, pode estar associado a prazer e tormento – quem dorme bem talvez não consiga compreender a real dimensão do impacto de uma noite em claro ou de um período de repouso não reparador. O sono foi um dos destaques da programação do 15º Congresso sobre Cérebro, Comportamento e Emoções, realizado em Gramado, na Serra, entre os dias 20 e 23 de junho, como tema de três mesas-redondas. Profissionais das áreas de neurologia, geriatria e medicina do sono discutiram a importância de dormir bem, as características típicas do sono da infância à velhice e os problemas mais comuns que perturbam as noites de descanso.

“O sono é a atividade mais importante das nossas vidas, ocupando um terço delas. Quem tem 90 anos dormiu 30, só que a qualidade desse um terço tem se perdido ao longo dos anos”, constata a professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Monica Levy Andersen, diretora de Ensino e Pesquisa do Instituto do Sono, também na capital paulista, em uma entrevista coletiva para a imprensa. Magda Lahorgue Nunes, neurologista infantil, professora da Escola de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e vice-diretora do Instituto do Cérebro (InsCer), apresenta dados preocupantes: dependendo do país, o número de pessoas que se queixa de noites maldormidas pode chegar quase à metade da população.

A insônia subjetiva
Estima-se que a chamada insônia subjetiva (quando o paciente relata que não dorme bem) afete entre 20% e 40% das pessoas. A partir do momento em que se procura ajuda médica e se obtém o diagnóstico de insônia, baseado no Manual Diagnóstico e Estatístico dos Distúrbios Mentais (DSM, na sigla em inglês), o percentual cai, passando a oscilar entre 14% e 20%, o que, aponta a médica, ainda é uma quantidade muito significativa.

“As pessoas em geral, na nossa sociedade, dormem mal. Estamos frente a duas epidemias, depressão/ansiedade e insônia, e elas andam muito juntas”, comenta Magda.

Sinais que podem demonstrar que o sono não é reparador: Queixas de noites, maldormidas, Sonolência diurna excessiva, Mau humor, Sensação de exaustão, Problemas de memória, Dificuldades de aprendizado, Queda no desempenho escolar, acadêmico ou profissional, Deitar-se na cama e não conseguir dormir. Crianças devem adormecer em até 15 minutos. Adolescentes e adultos, em 30 minutos.

Despertar de madrugada e não conseguir dormir mais ou acordar várias vezes: pessoas com reclamações desse tipo podem ser encaminhadas para uma polissonografia, exame que avalia a qualidade do sono e identifica possíveis distúrbios, como a apneia obstrutiva do sono ou a síndrome das pernas inquietas.

Da infância à velhice
Para alcançar e manter um sono de qualidade, é preciso entender que cada fase da vida tem suas peculiaridades. Conhecendo-as, é possível saber o que é esperado que aconteça e o que deve ser interpretado como sinal de que algo não vai bem.

Nas crianças maiores, nos adultos e nos idosos, o sono é um ciclo bem dividido de luz e escuro, vigília e sono. Ficamos acordados de dia e dormimos à noite, regidos pelo ciclo circadiano (período de 24 horas em que se completam as atividades biológicas do corpo humano).

Para os bebês, esse processo é diferente – eles obedecem ao ciclo ultradiano (vários ciclos se repetem em um mesmo dia), ou seja, eles dormem, acordam, mamam, dormem, acordam, mamam. No primeiro mês após o nascimento, essas fases duram de três a quatro horas.

Com o avançar do tempo, o sono vai evoluindo e se consolidando em blocos cada vez mais longos à noite, até que, ao completar um ano ou um ano e pouco, a criança deve conseguir manter um bloco contínuo de sono de cerca de seis horas.

Dormir bem é hábito
A criação de um excelente hábito pode começar a partir dos seis meses, ponto em que a criança, se ainda não deixou o quarto dos pais, pode ser transferida para o berço em seu próprio quarto. É importante que ela entre no cômodo enquanto ainda estiver acordada e adormeça na cama, para evitar um susto provocado por uma troca de lugares que não tenha percebido.

Ao longo da infância, os adultos servem de exemplo também em seus hábitos de repouso. Se na casa ninguém tem hora fixa para nada, indo para a cama a cada dia em um horário diferente, os pequenos podem acabar entrando no mesmo ritmo desregrado: hoje, se deitam às 21h, amanhã, ficam jogando videogame até as 23h, depois, chegam a ultrapassar a meia-noite por conta da presença de visitas para jantar em um dia de semana, quando devem estar cedo no colégio na manhã seguinte.

É fundamental pôr em prática a higiene do sono, uma série de hábitos que auxiliam a obter um repouso de qualidade e que servem para crianças e adultos. Ao anoitecer, é indicado diminuir os ruídos e as luzes dos ambientes, reduzir a intensidade das atividades e das brincadeiras, evitar brigas, não fazer refeições pesadas e próximas do horário de ir para a cama. Eletrônicos devem ser desligados entre uma hora e uma hora e meia antes. Levar celular para a cama, nem pensar.

Na adolescência, ocorre uma leve desregulação de origem hormonal no ciclo circadiano que provoca um retardamento, fazendo com que a vontade de dormir apareça mais tarde. Mais uma vez, destaca-se aqui a importância do estabelecimento de uma rotina, especialmente em relação ao uso frenético do celular.

E o bullying, que pode começar ainda na infância, é outro gatilho para noites em claro ou maldormidas, cujas consequências podem se refletir no humor, na memória, na cognição e no desempenho escolar, além de provocar sonolência em excesso durante o dia.

Para o grupo dos adultos, são esperadas entre sete e nove horas de sono por noite. Ao deitar, o adormecimento precisa se dar em até 30 minutos. Questões emocionais e problemas não resolvidos, quando “levados” para a cama, são grandes obstáculos para dormir, e o ideal é tentar não pensar nas pendências nessa hora. Dificuldades para manter o sono exigem a orientação de um especialista, que investigará possíveis problemas, como apneias obstrutivas do sono (breves interrupções na respiração) e a síndrome das pernas inquietas (caracterizada por movimento periódico das pernas, sensação dolorosa – tipo cãibra – em membros inferiores ao se deitar, fragmentação do sono e sonolência diurna excessiva).

Na velhice, o idoso experimenta o contrário do que acomete o adolescente: há um avanço de fase no ciclo circadiano, e a sonolência vem mais cedo, além de ele ter tendência a dormir menos. Segundo Magda, não há ainda uma explicação muito clara para isso. Uma das hipóteses é de que a glândula pineal, que secreta melatonina (hormônio que regula o sono), calcifique-se. Com vontade antecipada de se recolher e dormindo menos horas, está criado um problema: caso se deite às 19h30min ou 20h, o idoso acordará de madrugada, muito antes do amanhecer. Para evitar esse transtorno, o sugerido é tentar protelar ao máximo a ida para a cama, entretendo-se de alguma forma.

Matutinos, vespertinos e intermediários: o tipo que você se encaixa interfere nas horas de sono Dois conceitos fundamentais em medicina do sono foram apresentados, no congresso, pelo geriatra e médico do sono Ronaldo Delmonte Piovezan, pesquisador da Unifesp. O primeiro deles, o cronotipo, formado por características genéticas e outras relacionadas ao comportamento, refere-se às preferências de cada um quanto ao hábito de dormir. Existem as pessoas matutinas, que dormem cedo e acordam cedo; as vespertinas, que retardam o horário de ir para a cama e dormem até mais tarde; e as intermediárias, um grupo adaptável e sem preferências marcantes que fica entre os dois extremos e corresponde à maior parte da população (de 60% a 70%).

De acordo com Piovezan, pesquisas têm mostrado que o padrão vespertino é o mais prejudicial ao organismo. Um estudo realizado com mais de 433 mil pessoas no Reino Unido e publicado no periódico científico Chronobiology International revelou que quem dorme e acorda tarde está sob um risco maior de sofrer de doenças clínicas, como diabetes e hipertensão, e psiquiátricas, como depressão e ansiedade. O risco de morte também aumentou nos indivíduos de cronotipo vespertino, independentemente da duração do sono. Os participantes idosos da pesquisa se mostraram mais vulneráveis a esses desfechos.

Nosso padrão social, destaca o médico, favorece os matutinos, que sofrem com eventuais mudanças e têm dificuldade para se adaptar a dormir até mais tarde. Quanto aos vespertinos, costumam enfrentar um “jet lag social” – acabam dormindo pouco para cumprir compromissos pela manhã e precisam compensar nos finais de semana.

“O vespertino tende a se alimentar mal e a comer mais durante a noite, o que é maléfico para a saúde”, acrescenta Piovezan.

Quanto tempo você dorme?
Outro conceito importante é o tempo de sono. O sono curto (abaixo de seis horas) ou o sono longo demais (acima de oito ou nove horas), quando se transformam em rotina, no primeiro caso, ou necessidade, no segundo, são ruins de maneira geral. Quem dorme pouco está mais sujeito a enfrentar quadros psiquiátricos e a morte por infarto e acidente vascular cerebral (o risco de óbito e de enfermidades mentais também cresce para as pessoas de sono longo).

“Dormir mais de oito ou nove horas não é necessário. É mais provável que padrões de sono mais longos sejam sinal de um sono de má qualidade”, avalia Piovezan.

Para os dois casos, indica-se a consulta com um especialista. Na maior parte das vezes, mudanças comportamentais são suficientes para sanar o problema. Ocorrências eventuais de sono curto ou longo não devem preocupar.

Idosos dormem menos
O sono na velhice merece atenção especial. Segundo Dalva Poyares, neurologista, especialista em sono e professora da Unifesp, o sono tende a se fragmentar durante o processo de envelhecimento, e o idoso está mais sujeito a ter insônia. Uma variedade de motivos pode contribuir para as noites em claro ou com repouso de má qualidade, como o medo da morte ou de doenças e a presença de sintomas depressivos.

As pessoas de idade mais avançada também sofrem mais de apneia obstrutiva do sono (breves interrupções na respiração). Uma apneia leve não é preocupante, e talvez nem precise ser tratada. A realização de exames e a avaliação do médico determinarão a intervenção a ser feita. Além de não permitir um sono reparador, a apneia aumenta o risco para doenças cardiovasculares.

Outro problema que pode aparecer é o movimento periódico das pernas (um dos componentes da síndrome das pernas inquietas) – depois de adormecer, a pessoa movimenta as pernas, o que também contribui para um período de descanso ruim. Ter um ou mais distúrbios de sono tende a piorar a saúde de maneira geral, avisa a médica.

“E existe também o contrário: quanto mais doente você é, pior você dorme. O idoso tem que ter a saúde bem cuidada para poder dormir bem”, ressalta Dalva.

Na hora da definição do tratamento, não se deve exagerar nas doses de remédios, principalmente de hipnóticos. Se o idoso ficar muito sedado, pode cair ao se levantar à noite e sofrer fraturas.

Dalva salienta ainda a importância da socialização na velhice. O idoso necessita de contato com familiares e amigos para não ficar isolado. Dispor de um ambiente iluminado ao longo do dia e realizar atividades físicas e mentais, quando for possível, também são elementos importantes do cotidiano que influenciam no sono.

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