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Foto: David Júnior
Maria Madalena é voluntária em uma pesquisa sobre câncer |
Em quatro hospitais, voluntários ajudam no teste de drogas mais potentes e até vacinas para proteger da doença
Se a cura do câncer ainda não é uma certeza, hoje ele já não é mais uma sentença de morte. Os testes que diagnosticam a doença estão mais precisos, os tratamentos mais efetivos e as cirurgias menos mutiladoras.
Por trás dos passos já dados em todas estas conquistas – e os ainda necessários para que os tumores deixem de ocupar o posto de segunda causa de morte dos brasileiros – existe uma legião de pacientes voluntários.
São eles que emprestam seus corpos, suas biópsias e seus efeitos colaterais para que as pesquisas avancem em direção ao controle da doença.
Levantamento feito em quatro centros de pesquisas em oncologia mostra que os voluntários de pesquisas oncológicas somam ao menos 2,5 mil pessoas. Gente que, mesmo sem nunca ter estudado medicina, contribui para o desenvolvimento de medicamentos mais potentes, terapêuticas mais personalizadas para amenizar os danos da quimioterapia e até de vacinas contra câncer de próstata, pulmão e rim.
Todas estas novidades previstas para os próximos anos estão nas mãos de quem se dispõe a contribuir com a ciência, sem receber contribuição financeira em troca.
“Sem estes pacientes, nós não conseguiríamos avançar um milímetro”, define Carlos Gil, coordenador de pesquisa clínica e inovação tecnológica do Instituto Nacional do Câncer (Inca), entidade que, anualmente, recruta 400 novas pessoas que convivem com a doença, participantes de 700 estudos já em andamento (cada paciente pode participar de mais de uma pesquisa).
“Os caminhos mais efetivos para o tratamento do câncer são os personalizados, ou seja, definidos após testes genéticos que avaliam, individualmente, o perfil de cada tumor”, complementa Gil.
“Precisamos, por isso, contar com o maior número de características mapeadas. É o que vai garantir maiores índices de sucesso de tratamento de uma população tão miscigenada como a brasileira.”
Olhos claros, ruiva, paulistana
Um dos perfis de tumor que já faz parte do banco de dados das pesquisas em câncer do País é o que acometeu uma mulher paulistana, 52 anos, cabelos ruivos e de olhos claros. Maria Madalena da Silva teve um tumor maligno nas mamas diagnosticado no mês de junho e em uma fase muito precoce, com menos de três meses de existência. Logo após fazer a cirurgia para a retirada do tumor, já começou a fazer parte de um dos 800 ensaios clínicos em andamento no Hospital AC Camargo, em São Paulo, que englobam 1.500 voluntários.
“Fico muito satisfeita em contribuir até porque sei que sou uma paciente diferenciada”, diz Maria Madalena. Ela não fuma (nunca fumou) e também não bebe, dois hábitos de riscos presentes em quase 60% dos diagnosticados com câncer, chegando a 90% em alguns tipos de tumores como os de cabeça e pescoço (como foi o caso do ex-presidente Lula).
Outro diferencial desta paciente é que ela fazia mamografias anuais desde os 40 anos e, por isso, não está no grupo de 52% das mulheres que recebem a notícia do câncer de mama já em estágio extremamente avançado, conforme mapeou a Federação Brasileira de Saúde das Mamas (Femama).
“Estou fazendo quimioterapia (o cabelo caiu, mas quem olha nem suspeita que é peruca) e ainda não dá para falar que estou 100% curada. Mas com certeza já dá para dizer que eu contribuo para o tratamento de pessoas que ainda nem sequer receberam a notícia da doença”, define ela.
As novidades
São muitas as linhas de pesquisas para novos tratamentos e detecção do câncer. Entre as novidades mais próximas, pontua Célia Tosello de Oliveira, coordenadora de pesquisas do Instituto Brasileiro de Controle do Câncer (IBCC), estão as drogas que diminuem os efeitos colaterais acarretados pela quimioterapia e pela radioterapia, como náuseas, vômitos e também queda de cabelo.
“Temos ainda projetos para o tratamento do câncer de próstata sem quimioterapia (o que pode ser um antídoto para sequelas importantes na potência sexual masculina)”, exemplifica Célia.
No IBCC são 20 novos projetos de pesquisa iniciados por ano, que envolvem – em média – 8 pacientes em cada (160 voluntários no total).
Luiz Fernando Lima Reis, diretor do Instituo de Pesquisa do Hospital Sírio Libanês, afirma que lá são 50 pessoas com diagnóstico de câncer que auxiliam no desenvolvimento de novas drogas. Também são pesquisados aparelhos cirúrgicos com uma melhor “pontaria”, para que retirem o tumor de forma que o entorno do órgão não seja tão afetado.
No AC Camargo – que concentra quase 60% de todos os ensaios clínicos brasileiros – além de drogas mais eficazes, também estão em testes vacinas terapêuticas para o câncer de pulmão.
“Elas têm como objetivo principal evitar a reincidência do tumor, situação que ocorre em 30% dos casos pulmonares”, afirma o diretor do Hospital, Jeferson Luiz Gross. No Inca, além de doses terapêuticas, também são testadas – ainda de forma embrionária – imunização preventiva para câncer de rim.
Futuro
Os ensaios clínicos, os especialistas reforçam, têm anos de duração e demoram em média uma década para chegar à população. Nem sempre os resultados são os esperados. “Temos muitos dados promissores, como a possibilidade de a longo prazo, detectar alguns cânceres por meio de exames de sangue”, pontua Gross.
“Mas nem sempre a ciência atende às expectativas médicas. Precisamos ter os pés no chão. O que já está consagrado é a importância da prevenção primária. Em todas as pesquisas não há dúvida de que uma dieta saudável, a prática de exercícios físicos, não fumar e não beber estão relacionados a uma incidência muito menor de tumores.”
Fonte IG