Defensores do projeto de lei, a ser votado pelo Estado americano em referendo, falam de mutilação; judeus e muçulmanos seriam os mais afetados
Apesar da oposição de entidades judaicas, islâmicas e médicas, a circuncisão de recém-nascidos pode ser proibida em San Francisco e outras cidades da Califórnia a partir de novembro, quando os eleitores votam em referendo se concordam ou não com o banimento da prática milenar.
"A mutilação infantil de meninas foi banida há décadas. Como podemos aceitar então que meninos sejam mutilados logo depois de nascer?", questiona Georganne Chapin, uma das líderes do movimento a favor da proibição.
Na visão dos defensores do fim da circuncisão, a prática é uma agressão às crianças. Em seu site, a organização Intact America delineia argumentos a favor da proibição. Dizem que o prepúcio protege o pênis e fornece elasticidade suficiente em caso de ereção. Também cita possíveis sequelas da circuncisão.
O texto da lei a ser submetida ao referendo defende que seja "ilegal circuncidar, cortar ou mutilar parte ou toda a pele do prepúcio, testículos ou do pênis de qualquer pessoa menor de 18 anos". Isso inclui cirurgia em hospitais. Adultos poderiam fazê-la por questões de saúde. Se a lei for aprovada, quem desrespeitá-la pagará multa de cerca de US$ 1 mil e poderá ser preso.
A medida será votada em um momento em que pesquisas indicam menor incidência de transmissão de HIV caso o portador do vírus seja circuncidado. Outras pesquisas citam vantagens em realizar a cirurgia, incluindo a redução no câncer peniano. A Organização Mundial da Saúde (OMS) também recomenda a circuncisão, que tem crescido em regiões como a África.
Nos EUA, a prática está em queda acentuada na última década. Apesar de 80% dos americanos serem circuncidados atualmente, apenas 32,5% dos bebês foram submetidos à cirurgia em 2010. Três anos antes, eram 56%.
Nenhuma pesquisa sobre o apoio à proposta de banimento foi realizada. Em levantamentos na internet sem rigor científico, a maior parte da população de San Francisco se opõe à proibição, pois a decisão deve ser de pais e médicos, além de violar a liberdade religiosa.
Mas esse argumento não convence os defensores da lei. Matthew Hess, fundador do Movimento contra a Mutilação Genital Masculina, diz que "a liberdade religiosa se encerra quando atentamos contra o corpo de outra pessoa". Nesta semana, ele foi acusado de antissemitismo ao fazer um cartum ironizando a circuncisão no judaísmo.
Os mais afetados pela proibição seriam judeus e muçulmanos. A circuncisão é obrigatória nessas religiões. Integrantes de entidades islâmicas e judaicas se juntaram na oposição à proposta. "É uma ação que vai contra nossas tradições", disse o Conselho das Relações Islâmicas e Americanas. Em artigo, o rabino Fred Kogen, responsável por milhares de circuncisões em cerimônias judaicas, diz que não há como comparar a circuncisão genital feminina com a masculina. "Nas meninas há uma completa desfiguração, reduzindo o prazer sexual a zero."
PARA ENTENDER
Judeus fazem cerimônia
Segundo a tradição, os judeus devem circuncidar os bebês em uma cerimônia denominada brit. O processo é comandado por um rabino, e o ideal é que ocorra em uma sinagoga. Muitos judeus optam por realizar a cirurgia em hospitais para evitar o risco de infecção.
Os muçulmanos teriam herdado do judaísmo a tradição, mas não há uma cerimônia e o procedimento não é obrigatório. Não há no Alcorão nenhuma menção à circuncisão, mas a recomendação se estende às meninas.