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sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Responsabilidades na gestão do corpo clínico: nem tanto, nem tão pouco

Em post, especialista desmistifica alguns conceitos relacionados aos cargos de gestão e mostra que é possível fazer uma boa administração seguindo os cuidados específicos

São bem poucas as ocasiões em que discussões acerca das responsabilidades dos gestores clínicos das organizações da saúde, principalmente os Diretores Técnico e Clínico, são trazidas à tona. Aliadas à extensa lista de complicações de cunho legal e ético decorrentes do desconhecimento e/ou da interpretação equivocada dos pressupostos legais contidos nas diversas orientações, formam uma rede de informações de alto teor de significância que a maioria dessas organizações, principalmente os hospitais, insistem em negligenciar.

Médicos não costumam ter grande atração por preocupações que possam de alguma forma contaminar os atributos de independência e liberalidade intrinsecamente associada à sua prática, noção essa incutida de forma direta ou subliminar até hoje nos currículos das diversas escolas médicas. Assim é que para a grande parcela do corpo clínico de um hospital, as funções dos colegas que ocupam essas posições de liderança são absolutamente desconhecidas em sua extensão e abrangência.

Além disso, historicamente os profissionais contemplados com a nomeação para a Direção Técnica e/ou Direção Clínica, tanto através do sufrágio de seus pares em assembléia do Corpo Clínico (naquelas organizações mais amadurecidas) como quando simplesmente indicados pela alta administração (por e para conveniência desta, ou pela relevância do profissional em questão, naquelas de menor porte ou não tão preocupadas assim com essas reflexões – a maioria) são indivíduos sem um mínimo de preparo institucional para o exercício de uma função tão importante e com tão sérias consequências, inclusive de ordem pecuniária, para a organização que ele passa a representar. Quando muito, elaboram os documentos obrigatórios de forma asséptica e protocolar, sem envolvimento dos demais integrantes daquele conjunto de médicos, ou pelo menos de alguns de seus representantes; e os remetem (quando remetem) ao respectivo Conselho Regional para que conste que naquela organização estão criados os mecanismos formais de organização do Corpo Clínico.

Mais recentemente tenho observado alguns profissionais externando a preocupação de alertar gestores acerca dessas peculiaridades e suas possíveis conseqüências acerca do seu não cumprimento da forma adequada. As Resoluções de que tratam o assunto estão à disposição de todos que tiverem o mínimo de trabalho de acessa-las no site do Conselho Federal de Medicina. Mas que não se enganem os simplistas: o famoso recurso do “control-c e control-v” não se aplica nesse caso. A aplicação das recomendações deve seguir as peculiaridades de cada organização, como uma roupa que precisa ser ajustada para cair melhor.

Não há mais espaço para amadorismos ou manifestações de ingenuidade. Nossa justiça, a respeito dessa questão, tem recebido ainda um número muito reduzido de demandas. A mística do jaleco branco, aliada à relação de poder que médicos exercem sobre a população em geral, e os pacientes e demais profissionais em particular, aliada à eterna relação corporativista que sempre existiu e existirá no nosso meio, impedem que denúncias e ações no campo da justiça comum ou nos tribunais éticos atinjam proporções preocupantes. Por enquanto.

Chega-se a especular que os seguros contra erros médicos deverão em breve se tornar popular, o que poderia ser interpretado como uma das possíveis conseqüências da má atuação dos profissionais, por sua vez exercida por falta de normatização da prática clínica e de uma liderança esclarecida nas organizações de saúde. Isso não vai ocorrer. Mas não por falta de oportunidades e sim pela falta de um ingrediente cultural básico e já sacramentado em culturas mais evoluídas: a cidadania (não que eu seja um defensor dessa prática a meu ver deplorável da indústria do erro médico). Os absurdos que são denunciados diariamente, expondo pacientes, familiares e profissionais a situações de risco moral ou físico teriam um outro destino se essa noção fizesse parte integrante de nossa cultura. Como ainda não faz, vamos levando.

O profissional que se colocar à disposição de assumir essa função de Diretor Técnico e/ou Diretor Clínico (uma vez que ambas podem ser desempenhadas pela mesma pessoa), seja por indicação ou por imposição, deve estar atento a essas questões e sempre que possível buscar ajuda junto ao seu Conselho ou junto àqueles que tenham experiência nessa questão. Se a competência for um atributo deste profissional (o que infelizmente nem sempre ocorre), ele não encontrará nenhuma dificuldade de fazer a leitura adequada destes documentos e a sua aplicação no meio em que ele passará a comandar. Afinal, em qualquer lugar, funções de grande importância normalmente envolvem grandes responsabilidades.

Portanto, nem tanto, nem tão pouco. O bicho não é tão feio assim quando visto de perto, desde que os cuidados específicos sejam tomados.

Por Sandro Scárdua

Fonte SaudeWeb

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