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sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Inflamação do hipotálamo é um dos fatores relacionados à obesidade

Até algum tempo atrás, não se pensava em cérebro quando o assunto era obesidade. Antes, a doença era considerada um problema muito mais relacionado ao estoque de gordura. Nos últimos anos, porém, cientistas têm sugerido que o sistema nervoso central possui um papel fundamental nos caminhos que levam ao desenvolvimento da patologia. Para reforçar essa ideia, um estudo realizado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) comprovou, pela primeira vez na medicina, que o cérebro de obesos funciona de forma diferente, comparando-se ao de pessoas magras. Os resultados abrem novas perspectivas terapêuticas, como o desenvolvimento de tratamentos mais eficazes.

Considerada a epidemia do século 21 — segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), um terço da população mundial está acima do peso —, a obesidade não tem uma causa principal definida. O que se sabe é que é provocada por diversos fatores; entre eles, genéticos, ambientais e sociais. Mas ninguém, ainda, consegue explicar exatamente o porquê do início da doença, de onde e como ela é despertada.

Para tentar preencher essa lacuna, uma linha de pesquisa médica demonstra que a obesidade pode ser causada por algum distúrbio provocado no cérebro. “O nosso conhecimento a esse respeito cresceu de tal forma que hoje nós acreditamos que a obesidade decorra, principalmente, de algum erro no processamento de informações que chegam ao sistema nervoso central”, explica Lício Velloso, professor do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp e orientador do estudo.

Um dos hormônios centrais nesse processo é a leptina, produzida no tecido adiposo e responsável por levar ao cérebro a informação sobre a quantidade de energia que está sendo estocada. Quando essa comunicação fica comprometida, torna-se cada vez mais difícil controlar a ingestão de alimentos e o gasto de energia. “Foi exatamente a falha nessa comunicação que conseguimos demonstrar no cérebro de humanos”, conta Simone van de Sande-Lee, endocrinologista e autora da pesquisa.

Para chegar a essa conclusão, porém, o caminho foi longo. O primeiro indício de que havia algum problema no cérebro de obesos foi descrito em 1994, quando uma equipe norte-americana revelou a leptina e sua função. Em 2005, o grupo da Unicamp entendeu o motivo pelo qual o cérebro passa a responder inadequadamente à leptina, tornando-se resistente a ela.

Após experimentos com camundongos, também pela primeira vez os cientistas identificaram o erro de processamento da leptina no sistema nervoso central: o problema estava no hipotálamo, que, inflamado, não conseguia fazer a leitura correta do hormônio. Em 2009, a causa dessa inflamação foi descrita pelo mesmo grupo de Campinas. “Ácidos graxos encontrados sobretudo em gordura animal provocavam a inflamação do hipotálamo”, esclarece Velloso. Após essas constatações, faltava provar que todo o processo poderia ocorrer no cérebro humano. “Como o hipotálamo fica em uma região no interior do órgão, procuramos alternativas que não fossem invasivas”, conta o orientador do estudo.

Para avaliar as possíveis alterações no funcionamento cerebral, os pesquisadores optaram por estudar imagens de ressonância magnética funcional (RMf). Elas foram obtidas antes e depois de os pacientes passarem pela cirurgia bariátrica (veja arte). “A RMf é como um filme do órgão. Ela permite avaliar a atividade dos neurônios, se eles estão muito ou pouco ativos em determinado momento”, explica Simone.

Inflamação
Com as RMfs em mãos, os pesquisadores observaram que o hipotálamo dos obesos funciona de forma diferente. “Os obesos têm uma disfunção aparentemente provocada por uma inflamação”, diz a autora do estudo. Além das imagens, os cientistas recolheram o líquidocefalorraquidiano (que envolve o cérebro) para avaliar se houve realmente uma inflamação. “Observamos que, após a cirurgia, existe um aumento de substâncias anti-inflamatórias. Isso nos leva a crer que havia uma inflamação ali”, explica Simone.

A análise do líquidocefalorraquidiano e das RMfs dos indivíduos obesos que passaram pela cirurgia bariátrica demonstrou que a inflamação causa um dano irreversível no hitpotálamo. Segundo Velloso, os obesos que perdem muito peso — como os que passaram pela cirurgia — têm a recuperação da função do hipotálamo, mas apenas parcial. “Pode ser que, com o passar do tempo, isso melhore. Mas temos outra ideia: apesar de perder bastante peso, essas pessoas não conseguem chegar ao peso do magro. Acreditamos que o hipotálamo esteja danificado e, aparentemente, esse dano é irreversível.”

Com essas informações, os cientistas acreditam que uma das razões que possam provocar tal dano ao hipotálamo seja a ingestão a longo prazo de alimentos ricos em gordura saturada. “Quanto mais longo o tempo de alimentação com gordura saturada, maior o dano”, aponta Velloso. Outro fator que pode estar relacionado ao problema irreversível no hipotálamo dos obesos é a morte dos neurônios. “Isso explica o porquê de o hipotálamo não voltar a funcionar corretamente, como comprovamos em animais”, conta o professor da Unicamp.

O resultado da pesquisa representa mais uma peça no quebra-cabeça para entender o que acarreta a obesidade. “É essencial que sejam descobertos os fatores diretamente envolvidos com a doença”, destaca Velloso. Somente no Brasil, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, há 38,8 milhões de pessoas com sobrepeso ou obesidade, o que representa aproximadamente 22% da população.

Fonte Correio Braziliense

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