Em 2009, 20% das 42,6 mil crianças com menos de 1 ano que morreram tinham mães de 10 a 19 anos; para governo, questão moral prejudica atendimento, pois há médicos que não aceitam que meninas possam ter relações sexuais e não indicam contraceptivo
Todos os dias, nove crianças filhas de mães adolescentes morrem antes de completar 1 ano de idade, e 60% dessas mortes são evitáveis. Os dados fazem parte de um levantamento divulgado ontem pela ONG Visão Mundial, no Recife. De acordo com o estudo, os bebês filhos de adolescentes (de 10 a 19 anos) representam 20% do total de 42.684 mortes infantis em todo o País.
Jonne Roriz/AE-3/4/2009
Famílias empobrecidas. Metade das mães adolescentes do País está no Norte e Nordeste
"São crianças que morrem desnecessariamente, como expressão das desigualdades sociais", afirma a assistente social Neilza Costa, coordenadora técnica do estudo. As principais causas das mortes são prematuridade e baixo peso na nascer, consequências da falta de pré-natal ou de um acompanhamento ineficaz.
Neilza destaca que o foco da questão é o direito à sobrevivência e ao desenvolvimento da criança e do jovem. "Há uma dupla violação. Trata-se de uma morte infantil que não deveria acontecer e da violação aos direitos da adolescente, que não têm política pública focada na sua particularidade - que é a de uma mulher em desenvolvimento."
Para elaborar o levantamento Estudo sobre as Políticas Públicas de Proteção à Saúde Infantil e Materna no Brasil: Um Olhar Especial para os Filhos de Mães Adolescentes, os pesquisadores se debruçaram sobre dados do SUS e de outras fontes, como o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Foi possível observar, por exemplo, que, embora a gravidez na adolescência venha diminuindo nos últimos anos - 20% entre 2003 e 2009 -, esse fenômeno se concentrou na faixa etária de 15 a 19 anos. "A gravidez continua crescendo entre as adolescentes de 10 a 14 anos, como também está aumentando a quase 1% ao ano o número de óbitos de bebês filhos dessas jovens."
O estudo cita um dado de 2007, quando meninas de até 14 anos foram mães de 28 mil crianças. "Desses, cerca de 625 morrem antes de completar 1 ano. Não é um número descartável."
O levantamento mostra ainda que nem todos esses bebês representam a primeira gestação - para 233 meninas, aquela era a segunda gravidez.
O estudo traça também o perfil da grávida adolescente - são de famílias empobrecidas, mais da metade delas é negra ou parda e 49% estão no Norte e Nordeste. O Sudeste possui o menor registro de mães adolescentes (16,56%), seguido pelos Estados da Região Sul (19,85). A média no Brasil é de 19,92%.
O estudo faz parte dos esforços da campanha Saúde para as Crianças Primeiro, da ONG. "É preciso que o Ministério da Saúde tenha programas específicos para captar mais cedo essa menina, para que ela faça o pré-natal e tenha um pré-natal diferenciado, multidisciplinar", diz Neilza.
Programas específicos. Ana Luiza Lemos Serra, coordenadora substituta de atenção à saúde do adolescente do Ministério da Saúde, afirma que a pasta tem iniciativas voltadas para esse público, como o Programa de Saúde na Escola e distribuição de 5 milhões de cadernetas de saúde do adolescente, com instruções para o autocuidado. Mas a grande dificuldade tem sido sensibilizar o profissional de saúde.
"Enfrentamos uma barreira que é a questão ética e moral. Alguns profissionais não concebem que uma adolescente de 11 anos possa ter relações sexuais e impedem o acesso ao contraceptivo, à informação. A gente lida com uma questão de valores. Estamos atuando para sensibilizar esse profissional para que tenha um olhar diferenciado."
Fonte Estadão
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