Pesquisa orientada pelo Caism da Unicamp envolveu 20 hospitais no Brasil. Mães contam experiência em partos prematuros e seus bebês em Campinas
A hipertensão nas gestantes é a causa de mais de 90% dos partos prematuros não espontâneos no Brasil, ou seja, aqueles que precisaram ser programados após indicação médica. A constatação foi feita por um estudo comandado pelo Hospital da Mulher (Caism) da Unicamp em Campinas (SP), que envolveu outros 19 hospitais de referência no país.
O G1 conversou com mães que passaram pela experiência de ter bebês nascidos desta forma e contaram como superaram os problemas.
"A gente sabia que a hipertensão teria um papel central como motivadora, mas a expressividade como ela apareceu foi uma supresa. Estar presente em mais de 90% das indicações foi uma grande surpresa. Está entre as principais causas de mortalidade materna no Brasil. A outra causa é a hemorragia no parto", afirma o obstetra e pesquisador da Unicamp Renato Teixeira de Souza.
O estudo com foco nos partos terapêuticos, como também são chamados, foi concluído após quatro anos desde o início da pesquisa. Esses partos são intervenções muitas vezes salvadoras, tanto para a mãe como para o bebê. O Caism idealizou e organizou os trabalhos, que receberam o nome de Emip – Estudo Multicêntrico de Investigação em Prematuridade.
Entre abril de 2011 e julho de 2012, todos os partos nas 20 maternidades selecionadas no país, maioria públicas e especializadas em gestação de alto risco, foram avaliados pelos pesquisadores; ao todo foram 33.740 ocorrências.
Destes, 4.150 partos foram prematuros, sendo 1.468 terapêuticos. O número significa 35,4% de nascimentos de bebês por indicações médicas. O Brasil está, portanto, no meio termo entre países desenvolvidos - com 50% de partos terapêuticos, o que indica evolução nas técnicas de salvamento - e os menos desenvolvidos - que possuem taxa de 10% a 20% de partos indicados e menor assistência adequada -, segundo o pesquisador.
"Foi a primeira vez que esse estudo, com essa proporção, foi realizado no Brasil. É um estudo fundamental para que os próximos passos sejam dados. Todas as políticas públicas podem ser discutidas a partir desse estudo. Como, onde atuar e de que forma", diz o pesquisador, que concluiu o mestrado com esse trabalho e faz doutorado na Unicamp também explorando o tema.
Para o orientador de Souza na pesquisa, o obstetra e ginecologista do Caism Guilherme Cecatti, é preciso ter assistência adequada para que os bebês possam se desenvolver por mais tempo durante a gestação.
"Não descarto que uma parcela não desprezível desses partos terapêuticos possam ter acontecido sem que uma necessidade absoluta possa ter se caracterizado", afirma o orientador.
Hábitos e sequelas
A pesquisa foi feita com um formulário com mais de 300 tópicos de informação sobre o contexto do acontecimento do parto prematuro. O resultado do estudo chama a atenção dos pesquisadores para os hábitos das mulheres que engravidam e as sequelas nos bebês.
"Os números são expressivos e alarmantes. As mulheres estão engravidando com mais problemas de saúde, mais obesidade, pressão alta, diabetes, idade avançada e todas as características aumentam as complicações durante a gravidez. E, aumentando, a gente vai observar fatalmente uma maior quantidade de partos prematuros terapêuticos", explica Souza.
No entanto, essa condição de nascimento do bebê tende a ter mais complicações e a interrupção da gestação traz consequências diferentes para crianças nascidas por indicação e para as nascidas espontaneamente, por rompimento da bolsa, por exemplo. Mesmo que, nos dois casos, eles tenham a mesma idade gestacional.
"Os prematuros terapêuticos complicam mais e morrem mais do que os bebês prematuros espontâneos. O fato da mãe ter complicações não agrava só o quadro dela, mas também dos recém nascidos. O bebê terapêutico tem um desfecho mais complicado", conta o pesquisador.
Os recém-nascidos prematuros ficam mais suscetíveis a complicações respiratórias, neurológicas, intestinais e infeccionas, além do risco de mortalidade ser maior. Uma forma de ajudar na prevenção é melhorar as condições em que a gestante engravida. Há, por exemplo, um melhor momento para a mulher que é hipertensa ou tem diabetes engravidar, e os obstetras são essenciais nesse planejamento, segundo Souza.
Mãe hipertensa quase perdeu bebê
A pressão alta, ou pré-eclâmpsia - que teve destaque na pesquisa conduzida pela Unicamp - foi decisiva na gestação da assistente administrativa de Indaiatuba (SP) Jamile Fernanda Tomasetto Soster, de 30 anos. O filho Lorenzo nasceu de 29 semanas, aos 6 meses de gestação, com 935 gramas.
Jamile teve o bebê no Caism, onde havia estrutura para uma criança tão prematura. Mas quase perdeu o filho antes para a hipertensão. A pressão, que começou a subir no quarto mês de gravidez, chegou a 22 por 18, e não baixava com remédios. No primeiro local que recebeu atendimento, em Indaiatuba, o médico queria fazer a cesárea, e o bebê morreria. Jamile entrou em desespero.
"Eu só chorava porque não queria que nascesse. Eles não falavam o que estava acontecendo, o que poderia acontecer. O médico só disse que eu estava com uma doença grave, mas não falou o que era", lembra.
Ela acabou sendo transferida para outro hospital ainda em Indaiatuba, onde a pressão foi estabilizada e o parto pode ser adiado. Mas, as complicações continuaram e Jamile foi diagnosticada com síndrome de Hellp - quando a mãe tem anemia, baixa de plaquetas e aumento das enzimas do fígado, quadro que pode causar a morte dela.
Jamile conseguiu vaga no Caism, onde a situação pode ser controlada pelo máximo de tempo possível, sem prejudicar a mãe e o bebê. Ela chegou a ir para casa, mas dias depois as contrações começaram e o parto foi feito. Lorenzo nasceu muito bem para a pouca idade.
"Eu não o vi, ele nasceu dormindo. (...) Ouvi as enfermeiras falando dele e elas disseram que era um nenê bravo, fica chutando, nasceu com apgar 9 e 10 [nota para a condição física do bebê]. Não tem nem tamanho pra nascer com essa nota", lembra emocionada.
Lorenzo foi para a UTI neonatal e colocado no oxigênio, mas nem precisava. Ele mesmo tirou o aparelho e o monitoramento mostrou que ele respirava bem.
"Foi essencial, fundamental o tempo. Acho que eu teria morrido se tivesse ficado no outro hospital. Tudo aconteceu na hora que tinha que acontecer. A gente passa a acreditar em milagre, a dar valor a cada minuto. Cada ml que aumentava no leite era sinal de evolução", relata.
O bebê já tinha força para mamar no peito quando completou 1,235 kg e teve alta com 1,740 kg, após 46 dias de internação. Atualmente ele está com 9 meses e com saúde de sobra. "Com 7 meses já nasceram os dentinhos e ele já ficava em pé", lembra a mãe.
Má formação e perda
Uma má formação no coração acelerou o parto da Sofia, filha que a nutricionista de Valinhos (SP) Maria Júlia Miele teve há 14 anos. Com 36 semanas e cinco dias de gestação, e a decisão de que a menina precisava nascer na tentativa de preservar a vida, Sofia nasceu.
"Fui para o hospital com contrações e a equipe que examinou achou que o bebê estava demonstrando alteração cardíaca. Acharam que era melhor nascer pra 'resolver'. A gente fica pensando às vezes quando tá grávida 'tudo bem nascer com 37 ou 38', mas o normal é depois das 39 semanas. Faz muita diferença. Um dia dentro do ventre faz uma diferença de cinco dias fora do útero. O que ele pode ganhar de peso, imunidade, formação pulmonar e cardíaca é muito diferente dentro e fora do útero", lembra.
Sofia chegou a passar por uma cirurgia cardíaca com 10 dias de vida, e depois por outra aos 5 meses de idade. Segundo a mãe, se na primeira ela estivesse mais forte, a segunda operação poderia esperar para fazer com 2 anos de idade. A bebê precisou ficar internada na Unidade de Tratamento Intensivo e, em 16 meses, ela só pode ficar em casa por três meses.
"A imunidade dela era menor, teve uma série de infecções, não tinha o sistema imune pra superar, o pulmão não estava tão maduro para receber ventilação por uma máquina. Foram várias consequências de respiração", conta Maria Júlia.
Sofia não resistiu a tantos procedimentos e faleceu com 1 ano e 4 meses. Ainda quando a filha estava viva, Maria Julia se engajou em estudos e pesquisas que pudessem esclarecer dúvidas e ajudar a lidar com o momento de perder um filho desta forma. O sofrimento não é só da mãe e do bebê, mas de toda uma família.
"O casal continua? A mulher consegue voltar ao mercado de trabalho? A criança conseguirá ser educada [se sobreviver]? E os filhos terão traumas? É uma cascata violenta em volta e tudo por causa de um bebê prematuro demais", alerta.
Um diário que Maria Júlia escrevia durante o tratamento da filha onde ela contava os detalhes dessa experiência se transformou no livro "Mãe de UTI - Amor Incondicional", e ela perseguiu o caminho de orientar mais mães sobre a necessidade de um bom pré-natal através da criação da ONG "Instituto Abrace".
Foto: Nauro Junior
G1