Foto: Ronald Mendes / Agencia RBS |
Especialistas reconhecem propriedades medicinais no consumo da bebida, mas também alertam para outros riscos que a ingestão em excesso pode provocar
Ele é o companheiro de muitos gaúchos desde o começo do dia. Para outros, é indispensável no finalzinho da tarde. Na aula ou no trabalho, em casa ou no parque, sozinho ou entre amigos, o chimarrão está presente na rotina de muitas pessoas. O mate, que é originário dos povos indígenas, foi adotado como a bebida mais tradicional dos gaúchos e também de nossos vizinhos além fronteiras.
Gilberto Nascimento, 46 anos, não consegue ficar um dia sem tomar chimarrão. Para ele, que trabalha como capataz na fazenda Centenário, no interior de São Sepé, esquentar a água para o chimarrão logo depois de acordar é uma das primeiras tarefas do dia:
– Eu levanto lá pelas 5h. A primeira coisa que faço é a limpeza do galpão. Logo, já coloco a água na chaleira para aquecer no fogo de chão. Quase sempre, pela manhã, eu tomo chimarrão sozinho. Só nos dias que tem mais movimento na fazenda é que a gente faz a roda. A minha mulher me acompanha no mate apenas de tardinha – explica.
Pelas contas dele, já são mais de 30 anos tomando o amargo diariamente. E quando precisou ficar apenas um dia sem beber seu chimarrão – em função de uma viagem a Aceguá, há 13 anos –, o capataz conta que sofreu uma espécie de abstinência: a cabeça começou a doer. Para Nascimento, o mate é sagrado, é como se fosse um remédio.
Assim como ele, muitas pessoas não vivem sem o chimarrão. Mas será que o consumo realmente faz bem? A resposta divide especialistas, que reconhecem propriedades medicinais no consumo do chá, mas também alertam para outros riscos que a ingestão em excesso pode provocar. Por isso, é sempre importante ter cuidado e pensar na saúde. Para quem não vive sem, é preciso seguir alguns conselhos para evitar ter de largar de mão o companheiro de todos os dias.
Matear faz bem
A Ilex paraguariensis, o ingrediente da erva-mate usada para o chimarrão, é um estimulante, tanto mental quanto muscular. Por isso, muitas pessoas trocam o café pelo amargo. A nutricionista Maristela Resch Lopes explica que o chimarrão possui alcaloides, sendo o principal deles a cafeína:
– Essas substâncias são responsáveis por eliminar o cansaço físico e mental, a fadiga.
Pedro José Schwengber, diretor da ONG Escola do Chimarrão, de Venâncio Aires, defende que a bebida tem inúmeros benefícios e acrescenta que a erva-mate contém quase todas as vitaminas necessárias ao organismo: B1, B2, B6, C, E e D, além de sais minerais como ferro, fósforo, potássio e manganês.
– Ela é altamente digestiva. Não existe nada mais digestivo do que a erva-mate, que também é diurética – destaca Schwengber, lembrando que o mate ainda contém flavonoides, mesma substância encontrada no vinho e que auxilia no combate aos radicais livres.
A bebida típica dos gaúchos ainda tem outros benefícios cientificamente comprovados, conforme revela o endocrinologista Mateus Dornelles Severo, médico do Hospital Universitário de Santa Maria (Husm). Um deles é a ação vasodilatadora e hipolipemiante, ou seja, com potencial para redução dos níveis de colesterol, que, por consequência, colabora na prevenção de doenças cardíacas e vasculares.
Também são benéficos a ação antioxidante, anti-inflamatória e antimutagênica, que ajudam na prevenção do envelhecimento celular. Segundo o médico, há estudos que sugerem efeito positivo enquanto auxiliar na redução do peso.
A erva-mate ainda é rica em estimulantes e funciona tão bem quanto o café ou o chá verde. Schwengber, que é um defensor dos benefícios do chimarrão, lembra que no Rio Grande do Sul o gaúcho costuma consumir mais carne na dieta, e que o chimarrão é um aliado na eliminação do excesso de gorduras presentes nesse alimento.
– O chá verde é o chá mais consumido do mundo e foi descoberto pelos chineses há mais de 4 mil anos. E as propriedades encontradas no chá verde, como os flavonoides, estão presentes no chimarrão também – compara.
Benefícios não são para todos
Apesar da grande lista de benefícios, há quem precise evitar ou limitar o consumo do chimarrão, que também tem contraindicações. Os especialistas ainda alertam: o chimarrão não hidrata e não substitui a água. De acordo com a nutricionista Maristela Resch Lopes, o consumo ideal é de seis a, no máximo, 10 cuias por dia.
– Beber em excesso pode causar queda da taxa de glicose. A bebida deve ser evitada por hipertensos e por pessoas que são sensíveis a algum dos componentes da erva-mate também devem evitá-la – aconselha a especialista. O endocrinologista Mateus Dornelles Severo lembra que, por ser uma bebida cafeinada, algumas pessoas com sintomas de ansiedade, enxaqueca ou de refluxo gastroesofágico podem não se sentir bem com o consumo.
Para o médico, não há uma quantidade ideal indicada, mas ele lembra que estudos que observaram o consumo de um a dois litros por dia não evidenciaram problemas. Outro cuidado importante é com relação à temperatura da água. A nutricionista lembra que a água muito quente pode provocar lesões na parte interna da boca e da garganta, o que contribui para o aparecimento de tumores no esôfago. A temperatura ideal é de no máximo 70ºC. A alta temperatura da água ainda pode lesionar as papilas gustativas da língua, causando perda parcial do paladar, acrescenta a nutricionista.
Apesar de o Rio Grande do Sul liderar os casos de câncer de esôfago no país, os especialistas têm dúvidas se os índices estão diretamente ligados com o consumo da bebida.
– Alguns estudos evidenciaram aumento no risco de câncer com o consumo do chimarrão. Contudo, fatores confundidores e não a erva-mate parecem ser os reais culpados. A temperatura muito alta, consumo do chimarrão associado ao tabagismo e a secagem da erva na indústria através de defumação, processo cada vez menos utilizado, são os prováveis culpados – explica Severo.
Zero Hora