Diante do cenário externo de crise, empresas continuam investindo. Uma delas é o Fleury, que pretende seguir expandindo organicamente e via aquisições
Na onda das profecias chegou 2012, muito mais alarmado pela zona do euro, do que por previsões apocalípticas de fim do mundo. Considerando o cenário nebuloso no velho continente europeu, ainda é difícil traçar um panorama do que acontecerá na economia brasileira em 2012. Primeiro, porque é difícil prever. A situação está muito atrelada às notícias daquela região. Até o fechamento desta edição, por exemplo, a Standard & Poor’s havia rebaixado a nota do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira, o triplo A da França e as notas das dívidas de um grupo de países incluindo Itália, Áustria e Espanha.
Segundo, porque, como diz o ditado, “alegria de uns é a tristeza de outros”. Se por um lado, a economia parece estar indo de mal a pior, os emergentes se mostram mais atrativos do que nunca. A boa notícia também está presente na recuperação da economia norte-americana que, segundo economistas, colabora para que a situação no continente europeu não esteja ainda pior. Enquanto isso, no Brasil, a crise ao que parece não tem abalado, ao menos de forma significativa, o mercado interno.
Houve alguns ajustes em relação à previsão de crescimento como a redução de 5%, no começo do ano, para algo próximo a 3% de crescimento do PIB 2011, sobretudo, após a estagnação do indicador entre segundo e terceiro trimestre. Mesmo assim, as expectativas para 2012 são boas, e, para o setor de saúde, enquanto não houver grandes abalos nas taxas de emprego e queda no consumo das famílias, o segmento ainda tem muito a conquistar e a desenvolver. Se o câmbio continuar valorizado, as más notícias são para a indústria, que perde sua competitividade, mas, de maneira geral, as fontes ouvidas para esta reportagem continuarão investindo e manterão o orçamento previsto para 2012, e acreditam que o cenário econômico externo requer atenção, mas está longe de enviar sinais para pisar no freio.
Cenário
Para o economista-chefe da Austin Raiting, Alex Agostini, com a projeção de avanço de cerca de 3% do PIB para este ano, o Brasil não tem condições de crescer fortemente por mais de dois anos consecutivos, tendo em vista capacidade instalada pequena. “No início do ano passado, as previsões eram mais otimistas, mas era necessário desacelerar a economia para segurar um pouco a inflação”, explica Agostini.
A estagnação do indicador entre o segundo e o terceiro trimestre rendeu avaliação do Instituto de Pesquisa e Economia Aplicada (IPEA), que justificou a desaceleração econômica com os seguintes fatores, occorridos em 2011: “prosseguimento da apreciação da taxa de câmbio ; aperto monetário; características da política fiscal em relação a 2010; acúmulo de estoques; e a crise econômica na Europa”, aponta o estudo.
Agostini explica que a falta de capacidade instalada também influencia a taxa cambial. “O câmbio médio do ano passado se valorizou na comparação do ano anterior. Não é só em 2011 que a indústria vem sendo prejudicada, em 2010, esse câmbio desvalorizado tirou a competitividade”, avalia.
Analisando o mercado de saúde, mesmo com este cenário desfavorável, o mercado de equipamentos e produtos médico-hospitalares e de diagnósticos fechará 2011 com um crescimento estimado de 19% – atingindo um faturamento R$ 13,5 bilhões – superior à média da economia brasileira, segundo dados da Associação Brasileira da Indústria de Alta Tecnologia de Equipamentos, Produtos e Suprimentos Médico Hospitalares (Abimed).
Tal crescimento é apontado pela entidade como fruto do pleno emprego e migração nas classes sociais. “A ascensão das classes C e D traz diferentes perfis de usuários, mas os investimentos próprios da saúde seguem – e automaticamente – essas novas tendências também”, explica Reynaldo Goto, diretor da entidade.
O executivo analisa o momento com dois cenários. Em um deles enxerga uma demanda interna forte e até um “otimismo exagerado”. “As instituições brasileiras estão captando dinheiro e isso mostra que existe demanda e otimismo nacional”, pontua. Do outro lado, um dos impactos ocorreria no câmbio e na disponibilidade de crédito. “Isso afeta diretamente o mercado nacional, 48% da demanda nacional é atendida com equipamentos importados e com a volatilidade do câmbio. Como em 2010, pode se atrasar investimentos ou mudar prioridades. O câmbio do jeito que está desfavorece.”
Para as exportações, o mercado é animador. A previsão da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex- Brasil), que atua em parceria com a Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos, Odontológicos, Hospitalares e de Laboratórios (Abimo), é de que as exportações da área de saúde cheguem a US$ 696 milhões em 2011, crescimento de 11% contra 2010.
De acordo a gerente de projetos internacionais da Abimo, Paula Portugal, os negócios da Abimo/Apex não sofrem impactos com a situação internacional. “Na crise, as empresas europeias olham mais para o Brasil. As importações no Brasil têm aumentado e as empresas querem vender para o País como alternativa desse mercado estagnado”, explica.
O cenário contrário, das exportações, não tem enfrentado grandes mudanças, pois a Europa, segundo a executiva, não é um mercado prioritário. “O Brasil, tradicionalmente, não vende para a Europa e a crise entra como uma oportunidade, pois o produto entra com o custo mais baixo”, calcula, e acrescenta que a relação entre Brasil e Europa tem se dado nesse mercado na oportunidade de parcerias, seja de transferência de tecnologia e conhecimento.
Reflexos
Quem também vê oportunidades nos desdobramentos da crise internacional é a Hapvida, operadora que atua no norte e nordeste do Brasil. Presente em 11 estados brasileiros, em 2011, a companhia reforçou sua atuação em Salvador, construindo o primeiro hospital na capital baiana, o Tereza de Lisieux, com 80 leitos e investimento de R$ 60 milhões. Apesar da aposta recente, a companhia já tem planos de aumentar o empreendimento com uma nova torre, totalizando 320 leitos. A empresa que se beneficiou da migração de classes sociais no Brasil e atende, sobretudo, a classe C, não vê a situação externa como ameaçadora.
“Na minha visão, a crise do euro pode ser positiva para o Brasil. São duas questões que considero interessantes: o formato no Brasil hoje, tanto na idade da população quanto na classe de consumo é um losango. Se analisarmos, a maioria dos brasileiros está entre 28 e 55 de idade, uma população mais produtiva. Além disso, temos as classes B e C, considerando o formato losango, que hoje são as que mais consomem e que, cada vez mais, são responsáveis pelo aumento da migração de D e C para B e C. Então, vejo um momento muito positivo”, explica o superintendente comercial da Hapvida, André Rosas.
Se depender de novos usuários, o cenário parece positivo mais para a Hapvida e outras grandes operadoras do segmento do que para o mercado
de saúde privada no geral. Isso ocorre devido à concentração do segmento. De acordo com a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), os usuários aumentaram. Ainda sem dados totais do mercado em 2011, atualmente, a saúde suplementar representa aproximadamente 47 milhões de usuários, sem contar com os planos odontológicos, que somam 16 milhões. Em crescimento, isso representa 2,9% comparando setembro de 2011 com dezembro de 2010. De 2009 para 2010, o crescimento foi de 8, 6%.
A má notícia é que as falências, em 2011, somaram 78 empresas até novembro. “A consolidação da saúde suplementar tem ocorrido desde que apareceu a ANS e com algumas empresas maiores e mais bem administradas comprando menores”, comenta a coordenadora do GV Saúde, Ana Maria Malik.
A situação europeia também não parece afetar a Beneficência Portuguesa de São Paulo. O hospital continua executando as obras do plano diretor 2009/2013. O planejamento prevê investimento de R$ 160 milhões só na parte física da instituição. O balanço de 2011 ainda não está fechado, mas o superintende geral do hospital, Luiz Koiti, afirma que o ano de 2011 foi bom e 2012 tende a continuar promissor.
“Estamos bastante otimistas e prevendo crescimento do faturamento. Não haverá modificação no plano diretor de obras, não temos motivos para reduzir o ritmo”, garante. Entre os aportes está o investimento de R$ 7,2 milhões para reforma e ampliação da Unidade de Terapia Intensiva Neurológica, que agora oferece 33 leitos da especialidade.
No segmento de medicina diagnóstica, a história parece se repetir. Mesmo com o capital aberto, o Fleury não percebeu mudanças nos investimentos, ao menos por enquanto. “Não diminuímos nosso ritmo de crescimento em 2011. Mas, de qualquer maneira, o reflexo da instabilidade lá fora, tanto nos Estados Unidos como no mercado europeu, desperta a nossa atenção e isso vale para toda a macroeconomia brasileira. Mas, até agora, não fomos impactados e isso é muito explicado por conta da estabilidade econômica e controle inflacionário mais sólido, além da indicação de empregos formais que é um indicador importante para o nosso setor. O indicador diminuiu um pouco no segundo semestre, mas, ainda assim, houve uma geração de empregos formais, o que é relevante”, analisa o presidente da empresa, Omar Hauache.
Previsões
Para 2012, Agostini projeta um PIB de 4,2% e um cenário econômico mais tranquilo. “Esperamos o cenário internacional mais equilibrado ou não tão negativo. Não enxergamos uma deterioração forte, as notícias negativas devem ser mais brandas, atingindo menos os ouvidos dos consumidores”, explica.
A expansão será puxada pelo mercado interno, pelo consumo das famílias e aumento do crédito. “O setor de saúde tende a ser beneficiado com o aumento de clientes de saúde suplementar e com investimentos, como é um setor que importa muitos equipamentos e máquinas, isso contribui para a movimentação de investimentos”, analisa Agostini.
Se depender de más notícias, os ruídos serão menores. Pelo menos é o que aponta o Índice de Expectativas das Famílias de dezembro, do IPEA. O indicador subiu para 67,2 pontos em dezembro de 2011. Em 2010, o número fechou em 64,6 pontos. Tal índice, de acordo com o instituto, reflete os seguintes fatores: melhor expectativa no mercado de trabalho, ampliação da renda associado ao aumento do salário mínimo e previsões de redução das taxas de juros e diminuição do grau de endividamento, ou seja, os entrevistados acreditam que estão com dívidas menores.
Fenômeno ocorrido no início da crise global, em 2008 e 2009, quando os ruídos começaram a impactar o emprego, o usuário passou a utilizar mais os serviços de saúde temendo o desemprego. Segundo Ana Maria da GV Saúde, tal acontecimento não tem sido percebido no atual cenário econômico. “Esse foi um fenômeno ocorrido na crise anterior, podendo acontecer agora, caso ocorra redução da economia – e isso demora um pouco para surtir efeito -, e mudança cambial, refletindo na incorporação de tecnologia”.
Paula, da Apex, planeja atingir US$ 766 milhões em exportações até o final de 2012. O objetivo é seguir a crescente até alcançar US$ 1 bilhão em 2015. “Vamos fazer um trabalho do setor 2012-2013 com foco nos mercados México, Angola, Arábia Saudita, Peru, Índia, Rússia, Estados Unidos e Chile. Definimos que estes são os mercados alvos, a Europa é para a troca de tecnologia, até porque eles têm fabricantes lá.”
Para o Grupo Fleury será um ano de desafios. Após a total aquisição da Labs D´OR, 2012 será o ano de integração dos 57 centros de atendimento, 21 hospitais , 3 mil colaboradores e 500 médicos no Rio de Janeiro. Somando essa nova rede com os hospitais que já contam com os serviços da marca, o modelo de serviço dentro de instituições passa a ser representativo no faturamento da marca, o equivalente a 11% em 2011 e a expectativa é que o modelo de negócio represente entre 15% a 16% em 2012.
“Temos um know-how acumulado de vários anos com atuação em hospitais conhecidos. Esse é um negócio que traz rentabilidade”, acredita Hauache. Mas esse ganho sempre vai depender do modelo de contrato com o hospital. Por exemplo, há hospitais onde o acordo engloba imagem e análises clínicas, em outros, é composto por um determinado mix de exames, podendo ser, ainda, composto por exames que atendam só a alta complexidade.
“É uma situação ganha – ganha , o core business do hospital, no geral, não é a atividade diagnóstica, e o nosso, é. Então, somos grandes provedores de serviços e, para nós, isso é um volume crescente, pois os hospitais têm expandindo muito e pegamos uma carona nesse crescimento. Dependendo do caso é comparável a uma unidade de rua”, analisa Hauache.
Quanto ao crescimento, o executivo garante que a expansão orgânica ainda é responsável por dois terços do negócio. Em 2011, foram 14 mil metros quadrados novos e 30, 8 mil metros quadrados vindos de aquisições, no caso, o Labs D´Or.
As incorporações não ficam de fora dos planos da companhia. “O mercado é pulverizado e temos negociações em curso. Miramos novas aquisições, mas de forma muito seletiva”, diz.
Por enquanto, André Rosas, da Hapvida, não fez revisão dos investimentos para 2012. No momento, a empresa trabalha com diferentes consultorias de mercado, estruturando um processo de governança corporativa e mirando, até o final de 2012, em um possível IPO ou na entrada de um fundo.
“Entendemos que o mercado é de concentração, existem grandes operadoras de saúde e precisamos ser grandes. Crescemos 22% em 2011, se comparado ao ano anterior, e nosso objetivo para 2012 é avançar entre 20% a 25%. Todo o planejamento estratégico e investimentos estão voltados para isso, de maneira orgânica e até por aquisição.” Rosas não revela o nome das empresas que estão na mira da companhia, mas garante que existem seis em avaliação.
Lições
Apesar das boas expectativas, o início da crise mundial em 2008 e todas suas consequências nos anos seguintes, inclusive os abalos na zona do euro, ainda estão frescos na memória dos executivos. Hauache, do Fleury, diz que seria imprudente não dar atenção ao cenário externo. “Lembro de 2008, foi preocupante e chegamos a revisar tanto orçamento quanto investimento. Mas, ao longo de 2009, percebemos o contrário, investimos mais do que o previsto. Isso é muito dinâmico, temos que estar atentos para ter uma reação imediata.”
Para Agostini, da Austin Rating, o início da crise em 2008 e 2009 deixa a experiência de não apostar todas as fichas no mercado externo. “A primeira coisa é a diversificação, com os olhos mais focados no Brasil, que tem uma economia em constante mudança.” Segundo o economista, o Brasil estando bem cria-se oportunidades aos países da América Latina, principalmente, aos mais estáveis em termos políticos como, por exemplo, a Colômbia.
Fonte SaudeWeb