O corpo humano funciona como uma complexa máquina, onde sistemas e órgãos se relacionam com profunda interdependência. O mau funcionamento de uma pequena engrenagem pode ter reflexos em várias outras partes do sistema. Uma alternativa ainda pouco conhecida no Brasil para fazer o corpo voltar para os eixos e funcionar é a osteopatia, terapia que utiliza a manipulação com as mãos do sistema musculoesquelético para ajudar no tratamento de doenças.
Embora seja pouco popular no país, a técnica, criada no fim do século 19, é bastante comum nos Estados Unidos e na Europa.
A osteopata Sandrea Moura, formada pela Escola Superior de Osteopatia da França, um dos polos mundiais da terapia, conta que uma das características da osteopatia é procurar, na relação entre músculos, ossos e tecidos do corpo, a causa do problema, que nem sempre está na região afetada. “Já aconteceu de pacientes chegarem ao consultório com dor no braço e, depois de uma análise, descobrirmos que o problema não estava no membro, e sim nos seios”, conta a especialista. “Nesse caso, por exemplo, a prótese de silicone tinha sofrido um pequeno deslocamento e estava pressionando um nervo. Os exames no braço não identificavam nada exatamente por o problema não estar lá.”
A dor é a principal queixa de quem procura um osteopata. “Em geral, as pessoas procuram uma alternativa para amenizar o problema quando só a terapia tradicional não está resolvendo, principalmente em casos de fibriomialgia, problemas na coluna, deslocamentos ósseos ou enxaquecas”, conta Sandrea. Não é apenas esse tipo de incômodo, entretanto, que pode ser tratado com a osteopatia. “Quase todos os tipos de doenças podem se beneficiar do tratamento. Desde problemas intestinais e cólicas em bebês até insônia e labirintite.”
Segundo a especialista, o tratamento, de maneira geral, não é longo. "Nos casos mais leves, uma sessão apenas é suficiente. Em média, contudo, são necessárias seis sessões para fazer um tratamento completo”, conta, referindo-se aos casos em que algum músculo ou osso está fora do lugar ou funcionando incorretamente. “Já em casos em que não é possível curar, como dores crônicas e desvios na coluna, por exemplo, uma sessão ameniza o problema por três semanas, quando é aconselhado que o paciente repita o procedimento”, completa Sandrea.
A psicóloga Cleusa Louzada, 56 anos, está entre as que decidiram buscar o tratamento alternativo como uma complementação da medicina tradicional. Há cerca de quatro meses, ela sofreu uma fratura na patela, um pequeno osso do joelho. Depois de três meses com a perna engessada e sendo acompanhada por um ortopedista, a brasiliense recebeu alta. “Parte dos meus movimentos, no entanto, ficou prejudicada pelo tempo que fiquei com a perna imobilizada e passei a sentir dores no joelho por causa do enfraquecimento da região”, conta.
Ela sentiu os efeitos desde o início do tratamento. “Descobri a osteopatia por indicação de uma amiga e resolvi tentar. Não imaginava que a melhora seria tão rápida. Desde a primeira sessão, notei uma melhora da dor e dos movimentos”, conta Cleusa, que, mesmo depois de ter terminado o tratamento, ainda recorre à osteopata. “Uso muito salto alto e isso às vezes causa dores. Sempre que sinto qualquer coisa, marco uma sessão e saio renovada.”
Formação
Ao contrário da Europa, onde existem cursos de formação específica para o osteopata, no Brasil, a terapia é uma atribuição dos fisioterapeutas. “Para poder atuar na área, depois de formado o profissional precisa passar por um curso específico, que dura de quatro a cinco anos. Trata-se de uma formação cara e demorada, isso porque é preciso conhecer muito bem o funcionamento dos músculos, dos ossos e dos demais órgãos do corpo”, conta o osteopata Alexandre Furlani. “Como a osteopatia trabalha com a capacidade do corpo de se curar, é preciso conhecê-lo muito bem, para encontrar a causa exata do problema.”
Para os especialistas, entre as vantagens do tratamento está a solução muitas vezes mais rápida do problema, além da diminuição da necessidade de consumo de medicamentos, que invariavelmente causam algum tipo de reação adversa, mesmo que quase imperceptível. Além disso, por atacar a causa do problema, e não apenas os sintomas, o tratamento osteopático é muitas vezes eficaz. “Ele não substitui um tratamento tradicional em todos os casos, mas em quase todos os problemas pode ser um auxiliar para potencializar os resultados”, alerta Furlani.
Embora seja indicada para praticamente toda a população, independentemente da idade, a osteopatia possui duas contraindicações, que devem ser observadas com cuidado. Pacientes que estejam com câncer não podem submeter-se às sessões. “Como o tratamento ajuda a melhorar o fluxo de sangue e de fluidos corporais, nesses pacientes pode haver um aumento na chance de ocorrer metástase”, conta o osteopata. Além disso, pacientes com inflamações, infecções e viroses devem esperar uma melhora antes de procurar o tratamento. “A razão é a mesma, pois, ao estimular a circulação, pode-se facilitar o transporte dos vírus e das bactérias”, completa.
Do último carnaval, a servidora pública Renata Karen Araújo, 40 anos, guarda mais que boas lembranças das festas em Salvador, na Bahia. Da folia na capital baiana, trouxe uma dor na coluna que a deixou 40 dias afastada do trabalho. “Um nervo estava sendo pressionado pela coluna, daí a dor muito forte”, conta. A solução encontrada por ela foi o auxílio de um osteopata, que desde março cuida da coluna e de outras dores que porventura possam surgir. “Fui por indicação de uma amiga, e tem me ajudado muito desde então.”
No início do tratamento, as sessões eram semanais, e a melhora, instantânea. “O alívio é na hora. Bastava ele começar a manipular a coluna que a dor diminuía”, conta Renata. Aos poucos, uma melhora mais definitiva foi ocorrendo e as sessões passaram a ser mais espaçadas. “Agora, vou uma vez a cada 15 dias. Depois, ele vai me liberar para apenas uma sessão por mês, até que eu fique totalmente curada e receba alta.”
Diferenças da quiropraxia
Apesar de serem bastante semelhantes em suas técnicas, alguns princípios básicos separam a quiropraxia da osteopatia. A primeira visa a manutenção do fluxo dos nervos da coluna vertebral, usando a manipulação da região para isso. A osteopatia, por sua vez, trata da livre circulação também dos fluxos sanguíneos, por isso a manipulação pode ocorrer em qualquer região do corpo (inclusive órgãos como fígado e útero), e não somente na coluna.
Técnica surgiu durante guerra
A osteopatia começou a ser desenvolvida pelo médico norte-americano Andrew Taylor Still, na época da Guerra de Secessão, nos Estados Unidos. Durante o período, o médico percebeu que era necessário criar uma forma de amenizar a dor dos feridos. Em 1864, ao tratar uma criança que estava com disenteria, ele observou que a região lombar estava quente e o abdômen, frio; o pescoço e a parte de trás da cabeça estavam aquecidos e o rosto, testa e nariz, gelados, o que indicaria uma relação direta entre o funcionamento das regiões do corpo.
Ele percebeu que havia contraturas na coluna e que estavam relacionadas com o mau funcionamento do intestino. Contrariando o que mandava a medicina da época, que recomendava o tratamento apenas do sistema digestivo, ele cuidou também da coluna da criança, conseguindo curar o paciente. Com base em suas observações nesse e em outros casos, Still percebeu que seria possível alterar o funcionamento dos órgãos pela manipulação, desenvolvendo os quatro pilares da osteopatia. O primeiro deles é a noção de que toda a estrutura corporal, sejam ossos, pele, glândulas ou músculos, é indivisível, ou seja, funciona como um todo. Assim, as doenças não podem se instalar caso a relação entre as diversas partes do organismo estejam armônicas.
O segundo princípio é de que o corpo busca o equilíbrio no todo, e não de maneira segmentada. O terceiro é o fato de o organismo, segundo o norte-americano, ser capaz de se curar, possuindo em si todos os meios para permanecer saudável. Por fim, o quarto princípio da osteopatia é o de que o sangue é o meio de transporte de todos os elementos do corpo, e que, portanto, uma perturbação nele poderia afetar diferentes regiões do organismo humano.
Fonte Correio Braziliense