Conceito como Interconectividade, E-paciente, prosumidor, entre outros, impactarão o setor. Especialista enumera também possíveis obstáculos para que a TI em saúde se firme no País
A velocidade alucinante em que se sucedem as inovações tecnológicas neste início de década tem atingido níveis tais, que os responsáveis por suas aplicações nos hospitais e outras instituições do sistema de atenção à saúde enfrentam cada vez mais múltiplos dilemas.
Tradicionalmente, a taxa de adoção de tecnologias de informação por essas instituições tem sido lenta, bem abaixo de outros setores da sociedade. Até mesmo algo que já teria que ser obrigatório, como a informatização total dos dados clínicos, o prontuário eletrônico do paciente (PEP), é extremamente raro nos hospitais brasileiros. Numa época em que todo o setor financeiro estava se informatizando integralmente, a maioria dos hospitais sequer usava computadores para automações simples, como folha de pagamento e faturamento. Mesmo o impacto da informatização maciça e acelerada dos consumidores, como o uso generalizado de celulares capazes de navegar na Internet, e agora, os tabletes, mal tem sido considerada pelos CIOs do setor saúde, embora as transformações sociais causadas por eles sejam extremamente rápidas e relevantes para sua atividade.
A rede domina
De longe, entre as tecnologias mais transformadoras e influentes da última década têm sido aquelas relacionadas à interconectividade. O cenário do acesso, armazenamento e distribuição dos dados mudou radicalmente com o advento das redes globais, como a Internet, principalmente a banda larga (que já ultrapassou 60 milhões de acessos no Brasil), e as redes sem fio. A integração das redes de dados com as redes de telecomunicação, como a de telefonia celular, ampliou extraordinariamente o alcance e a influência das redes digitais, uma vez que acrescentou gigantescos números de usuários “sem-computador” aos usuários potenciais (outro número impressionante: também em março de 2012 deveremos chegar aos 200 milhões de linhas móveis, com uma taxa de penetração superior aos 100%, e desbancando todas as outras formas de acesso, em todas as classes sociais).
Esse cenário continuará a se firmar e expandir, principalmente nas tecnologias que ainda não estão saturadas. O surgimento de redes com velocidades cada vez maiores, como a quarta geração de redes de dados e de telefonia móvel (4G), e os dispositivos capazes de explorá-las, continuará impactando o setor. Podemos prever, portanto, que o futuro do setor saúde contempla a formação de uma rede global de informações em que todos os protagonistas, dos pacientes aos planos de saúde, da saúde privada e pública, dos grandes bancos de dados aos equipamentos laboratoriais e de imagens, estarão interligados de forma abrangente e integral.
A este cenário convencionou-se denominar e-saúde, ou saúde digital, que tem alguns anos ainda, talvez uma década, para se concretizar no Brasil. Curiosamente, é um alvo extremamente difícil e custoso de se atingir, não por falta de recursos financeiros ou de tecnologias adequadas (o setor bancário provou que isso é possível há décadas atrás), mas até mesmo países muito ricos, depois de gastar bilhões de dólares ou euros em projetos gigantescos de e-saúde, demonstraram estar muito longe desse ideal, e têm tido dificuldades de comprovar os seus benefícios reais.
Além do custo, os principais obstáculos para a e-saúde são quatro:
• a enorme complexidade das organizações e procedimentos;
• o desafio colocado pela interoperabilidade funcional e de padrões de representação de dados e mensagens;
• e o envolvimento dos seus usuários terminais, os profissionais de saúde, principalmente os médicos;
• a gestão e a análise contínua dos grandes armazéns de informação que será gerada por essa rede, um problema novo que está sendo chamado de “big data”.
O computador é a rede
Entre as tecnologias que mais impactarão o setor saúde certamente estão aquelas em que o armazenamento de dados e a computação serão delegados à rede, ou melhor dizendo, a dispositivos remotos, seguindo uma tendência de descentralização, que será essencialmente impulsionada pela queda vertical dos custos de propriedade e de operação.
Estamos falando das tecnologias de nuvens (cloud computing), que tem sido revolucionada pela entrada de fornecedores de enorme tamanho, bem como pela possibilidade de que o software e suas funções estejam dispersos em uma rede com localização indefinida. Poderemos prever, então, o grande crescimento do chamado Software as a Service (SaaS) no setor saúde, que tem o dom de facilitar e agilizar muitas vezes mais a implementação e a atualização e expansão dos sistemas usados pelos hospitais. O barateamento e a disponibilidade univeral desses processos, até hoje extremamente caros e desafiadores para os hospitais, terá como resultado a sua universalização, a médio prazo.
No entanto, a computação em nuvem e o SaaS criam problemas novos e difíceis, gerando dilemas ainda difíceis de se resolver, como a questão da segurança dos dados e a necessidade de modificar e adaptar centenas de milhares de softwares tradicionais baseados em redes cliente-servidor que assumem que todos os dados e funções estão em único local protegido.
O poder do consumidor
A segunda onda que mais influenciará as aplicações da TI em saúde é muito nova e com um grande potencial de provocar desequilíbrios, mas é ainda largamente ignorada pelas instituições: é o surgimento do e-paciente, ou seja, o consumidor de serviços de saúde que é cada vez mais extensamente informatizado, e que, no espírito da chamada Web 2.0, ou web colaborativa, transformou-se pela primeira vez em um protagonista ativo do sistema. É o chamado prosumidor (uma mistura de consumidor e produtor de informações). Acredita-se que, com as redes sociais e comunidades virtuais, atualmente mais de 80% dos usuários da Internet também produzam e distribuam informação, através de blogs, microblogs, compartilhamento de opiniões e recomendações, crowdsourcing, etc.
A democratização maciça de acesso à informação médica, e a possibilidade de grupos de usuários afetarem de forma virtual e em pouquíssimo tempo, o prestígio, as ações, e até o faturamento de uma empresa ou profissionais da saúde, está mudando radicalmente o relacionamento médico-paciente, por exemplo. Conceitos como a nova ética médica digital, a quem pertencem as informações clinicas individuais, a questão da privacidade controlada pelo paciente, e não mais pela instituição, e outros, serão alterados definitivamente pela expansão dos registros pessoais de saúde, pelos sensores e dispositivos inteligentes conectados à Internet (a chamada “Internet das coisas”), pela mobilidade, pela rastreabilidade e pela ubiquidade.
Tecnologias com potencial transformador
Além daquelas que expusemos aqui, um grande número de novas tecnologias tem o potencial de transformar o setor saúde, mas de maneiras e extensão ainda pouco conhecidas e imprevisível. As plataformas de comunicação e colaboração, por exemplo, revolucionarão as práticas a distância, como na telemedicina e na telepresença. Os serviços de geolocalização e rastreamento, o advento da Web 3.0 e da inteligência artificial embarcada, a robótica e a realidade virtual e aumentada, o uso disseminado de certificados digitais (como o projeto brasileiro da carteira de identidade digital), e várias outras, estarão nos assombrando no futuro e influenciando poderosamente o setor saúde.
*Renato M.E. Sabbatini é professor e pesquisador de informática em saúde, ex-docente da USP e da UNICAMP, fundador e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Informática em Saúde (SBIS), sendo atualmente seu diretor de educação e capacitação profissional.
**O artigo foi veiculado na edução 197 da revista FH, especial sobre o futuro da saúde.
Fonte SaudeWeb