Avanços na técnica descoberta nos anos 30 e uso obrigatório de anestesia ajudam a diminuir estigma da eletroconvulsoterapia (ECT), que tem resultados satisfatórios em cerca de 90% dos casos
Nos anos 50, quando começaram a surgir os primeiros medicamentos antidepressivos, o estigmatizado eletrochoque praticamente saiu de cena no mundo psiquiátrico, levando junto histórias dramáticas de um tratamento taxado de invasivo, agressivo e dolorido. Não raro também coercitivo, pois vítimas de transtorno bipolar, depressões diversas e esquizofrenia ainda costumavam ser tratadas como loucos que precisavam ser controlados, e, muitas vezes, o eletrochoque era usado como punição, fato que prejudicou seriamente a imagem dessa técnica.
Porém, a grande eficácia do até então controverso método – que consiste em descarregar correntes elétricas no cérebro, levando o paciente a convulsões e, assim, estimulando alterações na troca neuronal – o traria de volta aos hospitais de psiquiatria.
Nos anos 80 e 90, pesquisas mostraram a ação limitada dos medicamentos em casos de depressões mais graves, ao mesmo tempo em que melhorias importantes no modus operandi da estimulação elétrica reduziriam, em parte, sua impopularidade.
Os equipamentos evoluíram significativamente, a anestesia tornou-se obrigatória, e relaxantes musculares passaram a ser utilizados para reduzir os efeitos colaterais nos pacientes, especialmente as dores no corpo provocadas pelas convulsões estimuladas.
Fato é que, independentemente de ter ou não uma boa imagem, em casos de depressão grave e refratária, a eletroconvulsoterapia (ECT) apresenta resultados inquestionáveis: índice de eficácia de até 90%, contra uma média de 60% a 70% dos medicamentos antidepressivos.
“A eletroconvulsoterapia é o tratamento mais antigo ainda em uso na psiquiatria devido a sua resolutividade e eficácia, conforme preconizado pelo próprio Ministério da Saúde em seu manual contra o suicídio. Continua, entretanto, cercada de desinformação e preconceito”, afirma o presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, Antônio Geraldo da Silva. No Brasil, especificamente, um ingrediente reforçador do estigma foi a tortura com choque elétrico na ditadura militar.
“Entre as décadas de 70 e 80, foi praticamente abolido, porque seu uso foi distorcido, empregado até como tortura, um horror. A partir da década de 90, volta com força total, já reabilitado, porque nesse momento nós percebemos que os medicamentos novos na época, os antidepressivos, não iriam responder nem dar conta de todos os casos de depressão”, afirma a psiquiatra mineira Mercedes Alves, uma das autoras do livro “Fundamentos da Eletroconvulsoterapia”, publicado neste ano.
Mecanismo
A ação da ECT é como uma espécie de “reset” no cérebro. A descarga elétrica age como uma “cascata de modificações envolvendo todo o corpo do paciente”. “Os medicamentos antidepressivos agem no final, depois de o problema instituído. A eletroconvulsoterapia age antes, então muda-se o padrão de tratamento do bioquímico para o biofísico.É muito interessante imaginar ser possível tratar um paciente sem a medicação convencional, até porque muitas vezes esta não funcionou”, explica a psiquiatra.
“É um tratamento reconhecido, infelizmente pouco utilizado, muito pela restrição de serviços nas vastas regiões do Brasil, e o SUS não o fornece, embora esteja em análise pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologia, com prazo de 180 dias para um parecer já estourado. O estigma se mantém, e o pouco conhecimento dificulta mudar isso”, afirma o psiquiatra paulista Rafael Ribeiro.
Depoimento
“No fim estava com um ótimo humor”
“Tenho depressão crônica ou distimia, com períodos caracterizados como depressão maior. Após três anos de acompanhamento ininterrupto com combinações diversas, utilizando cerca de oito antidepressivos em dosagens leves a elevadas, o meu quadro depressivo foi considerado refratário.Ou seja, o meu corpo não responde às medicações. As substâncias químicas não são assimiladas no meu organismo para produzir o efeito comumente possível. Por isso, em uma das consultas com o meu psiquiatra, ele sugeriu a eletroconvulsoterapia como alternativa de tratamento. Em um primeiro momento, fiquei assustado com a possibilidade, mas, com as explicações do médico, acabei topando experimentar a técnica. Ao todo foram oito sessões, duas vezes por semana, iniciadas em julho. Eram colocados eletrodos em volta da cabeça, e, a cada sessão, o número de eletrodos aumentava. Eu tomava anestesia geral e relaxante muscular e saía sempre um pouco desorientado, por isso era necessário ter um acompanhante. Notei dois efeitos colaterais principais: amnésia leve e dores musculares. Mas não era nada que me incomodava muito. Valeu a pena passar pelo tratamento, pois no fim estava com um bom humor inigualável. Como a minha depressão é crônica, continuo tomando os medicamentos.”
Fábio Guimarães, 34, funcionário público e artista visual de BH
ECT pode ajudar um terço dos brasileiros, diz médico
Estima-se que 10% da população brasileira tenha algum tipo de depressão. Um terço das depressões é refratária e poderia ser tratada com eletroconvulsoterapia (ECT), afirma o presidente da sociedade gaúcha da técnica, psiquiatra Paulo Belmonte Abreu.
Ele é autor de pedido feito à Comissão Nacional de Incorporação de Novas Tecnologias para inclusão da ECT à plataforma de tratamentos do SUS.
Abreu explica, no entanto, que não há estudos medindo o impacto financeiro dessa adoção, e, por isso, a solicitação ainda não teve um parecer.
“É um custo alto, porque tem anestesia, tem equipamentos caros, será preciso fazer manutenção em boa parte dos casos. Você vai reduzir suicídio, vai reduzir gasto com medicamento, vai ajudar muita gente, mas, do ponto de vista financeiro, gera um custo financeiro muito grande”, diz o especialista.
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O Tempo