Líder global de Healthcare e Serviços Públicos da consultoria Accenture, Mark Knickrehm fala com exclusividade à revista FH sobre o estudo de Saúde Conectada que engloba oito países
Do ocidente para o oriente. Há dois anos, o americano Mark Knickrehm trocou as paisagens californianas pelos modernos arranha-céus de Singapura. Lá, vive com a família e utiliza um plano de saúde privado apenas pelo fato do acesso à saúde pública singapuriana não ser permitido aos estrangeiros.
“Eu diria que os serviços de saúde de Cingapura são tão bons quanto dos Estados Unidos (EUA), mas em casos de doenças raras ou mais complexas, o americano é melhor, pois é mais especializado. Para ter uma ideia, o governo investe mais em medicina e cuidados especializados do que o PIB da França. Mas, de modo geral, o sistema de Singapura é muito bom”, compara.
Ambos os países fazem parte de uma pesquisa da consultoria Accenture sobre saúde conectada, e Knickrehm está totalmente ligado ao estudo por comandar a área global de healthcare e serviços públicos da companhia.
Do oriente para o ocidente. O executivo veio ao Brasil pela primeira vez e conversou com exclusividade com a revista FH sobre o estudo que ainda engloba outros seis países: Espanha, Inglaterra, França, Canadá, Alemanha e Austrália. Veja os principais pontos da conversa a seguir.
Saúde Conectada
A pesquisa sobre saúde conectada ocorreu em 2011 e explorou as características dos sistemas dos respectivos países e a integração das informações considerando as diferentes plataformas. O estudo envolveu literatura da área e mais de 160 entrevistas com líderes e especialistas em sistemas de saúde, como governantes, acadêmicos e executivos de TI. Também foram feitas pesquisas com 3.727 médicos.
A consultoria escolheu os países com as maiores crises e potencial tecnológico para superá-las. Logo atrás dessas oito localidades, o executivo incluiria o Brasil, pois ele acredita que assim como Singapura, o governo e as empresas particulares demonstram que realmente querem aplicar tecnologia da informação (TI) para resolver os problemas.
Numa próxima pesquisa, entrariam outros emergentes, como Índia e China, pois, como no Brasil, ainda há muitos desafios para atender à população. “Esses países estão fazendo isso com menos hospitais e mais tecnologia do que os países desenvolvidos. É como as companhias telefônicas, que estão investindo menos em telefonia fixa e mais em infraestrutura para redes móveis.”
O Conceito
Knickrehm define o conceito de saúde conectada como um só registro do paciente, que pode ser acessado de qualquer unidade em que o doente estiver. “O Connected Health consiste em coletar informações de todos os pacientes e mantê-las em um único local, e entregá-las de volta aos médicos, enfermeiros e para os próprios pacientes, tornando-as disponíveis para pesquisas ou simplesmente para garantir que os processos certos aconteçam.”
Essa é uma integração que há muito tem se abordado no setor, mas com ela vem uma série de dificuldades, como: segurança da informação, financiamento dos sistemas, aceitação do médico e compatibilidade de dados e normas.
A questão da padronização dos dados vai além da convergência dos sistemas, segundo Knickrehm, as tecnologias podem ser diferentes. Ele compara com a situação dos medicamentos: os médicos podem passar o mesmo remédio em doses diferentes e é preciso encontrar uma forma de “traduzir” quando um profissional diz que as doses são de tal forma, e outro, de outra forma. “É preciso encontrar uma maneira de conciliar isso, para que quando os dados sejam apresentados a outro médico, ele saiba exatamente o que está acontecendo com o paciente. O país ou o estado precisa concordar com uma terminologia médica para que seja possível a troca de dados de forma eficiente. E isso envolve a comunidade desses profissionais concordando com certas descrições clínicas”, explica.
Assim, há a necessidade de padrões que definam quais dados são armazenados e uma maneira para que os médicos os registrem de forma concisa, para que se saiba quais dados serão obtidos ao extrair o registro do sistema do hospital.
Qual é o melhor?
Os países envolvidos na pesquisa são totalmente diferentes, fazem parte de quatro continentes e têm sistemas econômicos e de saúde diversos. Na opinião de Knickrehm, o mais avançado quando o assunto é saúde conectada é onde está seu novo lar. “É difícil explicar, mas, em Singapura, há certa liderança em relação aos outros porque o país está investindo há cinco anos. Lá, quando você se consulta com um médico, ele tem acesso a todo seu histórico, independentemente de onde aconteceu”, conta. O executivo também cita a Dinamarca (que está fora do estudo) e Reino Unido como exemplos.
Questionado sobre a relação dos sistemas universais de saúde (como Alemanha, Inglaterra, Canadá e outros presentes na pesquisa) e o potencial de integração sob o ponto de vista da TI, Knickrehm não sabe dizer se é mais fácil integrar um sistema como esses, pois em lugar nenhum do mundo o serviço é prestado por uma única organização.
São hospitais públicos, particulares e, em muitos países, organizações separadas e como os dados são fragmentados, a questão está em como se cria uma organização virtual. “Por mais que seja financiado pelo governo, ainda são muitas entidades que devem ser unidas e coordenadas. Então, acho que em lugares como os EUA ou Brasil, onde há um forte setor privado, provavelmente é mais difícil, mas nada tão drástico, porque mesmo na França, que tem o sistema público mais universal, os hospitais são parte de uma única organização e as decisões tecnológicas devem ser unidas sob os mesmos desafios. O que eles têm a favor é um governo com recursos legislativos mais fáceis”.
Mesmo com a Reforma de Saúde nos Estados Unidos, que estenderá o acesso à saúde a milhões de americanos, ainda há muito o quê fazer para implementar a Saúde Conectada. “A maior mudança lá foram os US$20 bilhões que o governo federal liberou para instituições investirem em tecnologia. Mas acho que os EUA serão os últimos a terem uma boa infraestrutura de Connected Health. É tão fragmentado e tão complicado que o Brasil deve passar à frente”, afirma. Em sua visão, os Estados Unidos são bons em levar os prontuários eletrônicos aos hospitais e grupos de médicos e isso facilitará a vida do paciente para lidar com menos papéis nos hospitais. Mas, armazenar informações em um local único é muito mais difícil para os EUA.
Quem paga a conta?
Um dos entraves para o desenvolvimento da saúde conectada é o potencial de recursos que isso exige e de onde esses investimentos sairão em tempos de crise. Segundo o executivo, financiar e pagar por tudo é um custo alto para se implementar em um país inteiro. Os orçamentos de TI teriam de subir algo entre 3% ou 4% do que normalmente.
Entretanto, na opinião de Knickrehm, mesmo em tempos de crise, os investimentos não cessarão completamente. “Os orçamentos de saúde estão crescendo, e não vão parar de crescer porque as pessoas estão envelhecendo e engordando. E isso está acontecendo em todo lugar”, comenta.
Ou seja, os investimentos continuarão para controlar os próprios gastos em tempos de crise. Sem medir e sem as informações na mão, o gestor não consegue tomar decisões e planejar cortes e reajustes. “Esses países acreditam que se os políticos tiverem melhores informações, eles não serão capazes de controlar os gastos e não terão como saber que os melhores cuidados estão direcionados às pessoas certas”.
Engajamento
O executivo é categórico quando perguntado sobre o ponto que lhe chamou mais atenção na pesquisa: os médicos. Os profissionais não estão preparados para a implementação da tecnologia. “Será um processo bem lento para conseguir que os médicos e enfermeiros, em cada país, fiquem à vontade usando tecnologia em vez do papel e caneta. É uma mudança de geração”, afirma.
Conexão Singapura – Brasil
O diretor de Saúde e Serviços Públicos da Accenture na América Latina, Ronald Munk, pontuou sobre a importância dos investimentos na saúde do Brasil. Ele acredita que a grande oportunidade está na ascensão de classe da população brasileira.
O estudo mostrou a importância para que a empresa invista no Brasil. “Temos a convicção de que podemos contribuir muito com o País, aplicando aqui o que fazemos em outros países. São 40 milhões de pessoas emergindo para a classe média e demandando melhores serviços. Portanto, investir nessa rede de informação e na identificação única do SUS é importante. São projetos muito complexos e como já tivemos sucesso em outros países, acreditamos estar bem posicionados para ajudar o Brasil.”
Os mais novos já são mais receptivos e se adaptam mais facilmente à tecnologia. “Podemos implementar os sistemas e unificar os dados, mas temos de mudar a forma como o médico lida com o paciente e isso é o mais difícil”, finaliza.
Fonte Saudeweb