Psiquiatras afirmam que a droga mais consumida do mundo pode trazer lesões permanentes no cérebro. Conheça os argumentos
Que uma certa parcela de adultos fuma ou já fumou maconha, não é nenhuma novidade. Que ela causa efeitos para a cognição e cérebro, também não. Mas enquanto cientistas e usuários divergem em posições antagônicas que passam pelo viés do proibicionismo ou da legalização, milhares de pré-adolescentes continuam experimentando a droga e seguindo o trilho da falta de informação, com o sentimento de impunidade de que o hábito não terá consequências posteriores.
No Brasil, atualmente cerca de 7% da população adulta já experimentou a Cannabis sativa, representando 8 milhões de pessoas. Para avaliar uso frequente, considera-se o uso no último ano, e neste quesito se enquadram 3% da população adulta, o equivalente a mais de 3 milhões de pessoas (o Brasil tem uma população de 192 milhões). Não é muito, de acordo com o psiquiatra e chefe do setor de dependência química do hospital Mãe de Deus Sérgio de Paula Ramos.
— Trata-se daquela história do copo meio cheio, meio vazio. Por um lado, é muita gente. Por outro, encerra-se definitivamente a conversa do "todo mundo puxa fumo". Não só não é todo mundo, como trata-se de uma parcela reduzida da população — afirma o especialista.
O problema está na idade de início do consumo: mais de 60% dos usuários experimentaram a droga antes dos 18 anos. A escalada do consumo está associada a cigarro e álcool e ocorre por volta dos 12 anos, na classe média, explica a psiquiatra Fernanda de Paula Ramos. Em classes sociais mais baixas, pode vir, em alguns casos, muito antes, por volta dos sete anos. A tendência, segundo a especialista, é que, após experimentar a maconha, o adolescente siga para o consumo de outras drogas, como cocaína e crack.
A médica afirma que entre os principais efeitos, está a redução do desempenho acadêmico.
— Dos usuários, um número menor de jovens consegue finalizar o colégio e tem baixa no desempenho profissional. Também aumenta taxa de desemprego. O que se sabe é que, quanto maior for o uso em relação à quantidade e frequência, aumentam as chances de problemas.
Segundo pesquisas recentes, a maconha traz prejuízos em uma série de aspectos psíquicos: ela aumenta de duas a seis vezes as chances de alguém ter distúrbios psicóticos, incluindo a esquizofrenia. A erva também faz dobrar o surgimento de sintomas depressivos e triplica chance de tentativas de suicídios. Em pacientes com bipolaridade, aumenta a probabilidade de ter distúrbios e, de todas as drogas, é a que mais está associada a psicose.
Especialistas apostam na prevenção para redução de danos
Apesar dos estudos confirmando que a maconha tem propriedades terapêuticas, uma pesquisa conduzida pela Duke University, nos Estados Unidos, aponta que o uso contínuo da droga causa redução na capacidade cognitiva, sobretudo quando o hábito iniciou antes dos 18 anos de idade.
Esta é a conclusão de um levantamento que analisou mil pessoas na Nova Zelândia desde o nascimento até os 38 anos de idade. Assim, foi possível comparar os resultados de testes de inteligência realizados aos 13 anos, antes que qualquer um deles começasse a usar maconha, com a pontuação conseguida na fase adulta. Entre uma prova e outra, uma boa parte dos participantes se tornaram consumidores da droga.
O estudo mostrou que aqueles que usaram a droga por mais tempo perderam, em média, seis pontos de QI na fase adulta. Neste grupo, as pessoas que começaram a fumar maconha antes dos 18 anos tiveram uma perda ainda maior: de oito pontos no teste.
Coordenadora do departamento de dependência química da Associação Psiquiátrica do Rio Grande do Sul, a psiquiatra Carla Bicca diz que a maconha traz tudo aquilo de ruim que a o cigarro dá, com efeitos maiores ou menores de acordo com a quantidade e a idade de início.
—A falta de programas de prevenção é, na opinião da especialista, o que pode barrar o consumo nessa faixa etária. Segundo ela, a maconha ainda é considerada inócua:
— O pessoal tem uma visão do passado, quando a droga tinha menor concentração do THC (Tetrahidrocanabinol, principal substância psicoativa da planta). Como hoje o livre arbítrio está em alta, cria a impressão de que a maconha não é tão ruim. Usa sem pensar nos impactos que ela pode causar.
Chefe do setor de dependência química do hospital Mãe de Deus, Sérgio de Paula Ramos diz que a prevenção é mais segura do que a legalização. Ele explica que, nos locais onde houve política de abrandamento dos controles sociais das drogas, houve aumento do consumo, como ocorreu nos EUA e em Portugal:
— O Brasil falha por não tratar o assunto preventivamente nas escolas. Esta é a saída.
Uso medicinal
A Cannabis não cura o câncer ou a Aids. O que ela faz com eficiência é aliviar o sofrimento decorrente dessas doenças. A partir de 1975, os médicos perceberam que a substância psicoativa ajudava a superar crises de náusea e vômitos provocadas pela quimioterapia, tratamento que busca controlar os tumores cancerígenos.
O mal-estar que decorre da quimioterapia pode se tornar intolerável se não for controlado e há pacientes que não conseguem dar continuidade ao tratamento. Por isso, o uso da maconha é considerado por alguns médicos.
A psiquiatra Fernanda de Paula Ramos explica, porém, que a medicina está muito avançada em termos de fármacos para oncologia.
— A medicina tem outras drogas que não tem os efeitos colaterais da maconha — afirma.
Fonte Zero Hora