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Os
números referentes à depressão pós-parto no Brasil são impressionantes |
Vulnerabilidade socioeconômica e idealização da
maternidade explicam incidência de 26% no Brasil, média da OMS é de 15%;
doença não tem relação com rejeição ao bebê, diz especialista
Os
números referentes à depressão pós-parto no Brasil são impressionantes.
Estudos recentes afirmam que a incidência é, na média, de 26%. Entre as
mulheres com perfil sócio- econômico baixo e atendidas pelo Sistema
Único de Saúde (SUS) este índice aumenta para 40%. A média da OMS no
mundo é de 10% a 15%.
Entre as consequências decorrentes da
depressão pós-parto estão os problemas no desenvolvimento do bebê,
problemas na relação mãe e filho e pode, inclusive, levar ao suicídio da
mãe. "É o transtorno de maior incidência subtratado no País", afirma a
psicóloga Alessandra Arrais.
Entre os fatores de risco estão a vulnerabilidade
socioeconômica, qualidade do relacionamento conjugal, falta de apoio
familiar, intercorrências durante a gestação e a existência de episódios
depressivos anteriores e durante a gravidez.
Diante disso,
Alessandra decidiu promover alguns estudos de intervenção que propuseram
oferecer pré-natal psicológico a esse grupo de risco. “Um fator que
percebo, principalmente na classe média, é a questão da idealização da
maternidade, que faz com que a mulher acredite que ser mãe é ‘padecer no
paraíso’. O choque entre a idealização e a realidade leva à depressão.
Tive uma paciente que chegou a dizer que a vontade dela era reclamar no
Procon. Esta idealização precisa ser trabalhada”, diz.
Pré-natal psicológico
O
programa, pioneiro em Brasília, tem contribuído para a tese de que a
depressão pós-parto pode ser evitável. Ao todo já foram atendidas 119
mulheres pelo projeto. As gestantes participam de reuniões mensais em
grupo, onde discutem a mudança de papéis, a relação com o marido, o
corpo, amamentação e todo o aspecto psicológico envolvido durante a
gestação.
Um
recorte com dez mulheres, onde cinco participaram do chamado pré-natal
psicológico e outras cinco acompanharam o curso de mães em um hospital
público, mostrou que é possível prevenir a depressão pós-parto.
Entre
o grupo que participou do pré-natal psicológico em uma clínica
particular, todas tinham fator de risco, como por exemplo problema de
relação conjugal, histórico de depressão e falta de apoio da família.
Nesse grupo, ninguém desenvolveu a doença.
Já no grupo controle,
com mulheres que apresentavam os mesmos fatores de risco, duas
colaboradoras apresentaram a depressão pós-parto, o que representa 40%.
“Acredito
que não é preciso um pré-natal psicológico, mas que a questão
psicológica seja tratada no pré-natal. No Brasil temos poucas ações
neste sentido, enquanto os números de depressão pós-parto só crescem”,
diz Alessandra.
É preciso falar sobre o medo
A
nutricionista Lastenia Vicente, de 37 anos, participou do grupo de
pré-natal psicológico durante a gestação da filha Elena, hoje com um ano
e oito meses. Como ela já havia tido um quadro de depressão e tinha
desmaiado durante um exame de sangue durante a gravidez, foi considerada
paciente de alto risco.
“Foi horrível, fiquei muito assustada.
Sempre passei mal tirando sangue e achei que não fosse aguentar o parto
normal. Fiquei muito preocupada e com medo”, disse.
Lastenia foi
às oito reuniões do pré-natal psicológico. Nesse período, enfrentou as
pressões do mito da maternidade, do parto perfeito e da mãe com
conhecimento instintivo. Em grupo, ela discutiu as mudanças que estavam
acontecendo na sua vida e também contou com o apoio do marido. “É tudo
muito novo e é muito difícil lidar com as mudanças que ocorrem dentro de
você”, disse.
Trabalhou seus medos e no fim da gestação de nove
meses estava segura o suficiente para aceitar que, no caso dela, não
havia problema em fazer uma cesariana. “No caso dela, tentamos trabalhar
a questão do parto normal, mas o objetivo principal era fazer com que
ela se sentisse segura”, explica Mariana Mourão, psicóloga e também
autora do estudo.
Lastenia não se sentia preparada para o parto
normal, durante a gestação tinha pensamentos de que iria morrer após o
nascimento da filha. “Quando chegou a hora, fiz cesariana mesmo com a
bolsa estourada. Claro que cada mulher é uma mulher.
Passei muito tempo
com pensamento de morte e a opção da cesariana pareceu a mais segura
para o meu caso”, disse.
A pesquisadora Alessandra afirma que é
justamente na classe média e entre as mulheres que desejam muito ter
filhos ou que passam por um longo processo de reprodução assistida, que
estão os casos mais graves de depressão pós-parto que já atendeu. “E a
doença não tem relação alguma com rejeição ao bebê, como muitos dizem
erroneamente, tem a ver com encarar a maternidade real”, afirma.
É
uma depressão como qualquer outra, com o agravante de ocorrer após o
nascimento do bebê. “É justamente em um momento que a mulher não pode
ficar ensimesmada porque tem a criança para cuidar. Ela reprime este
sentimento e ninguém também entende que justo nesta hora ela está
deprimida", acrescenta Alessandra.
Existem muitas teorias para a
depressão: uma afirma que se trata de um problema químico que atua em
neurotransmissores – serotonina, noradrenalina e dopamina. Outra
acredita que a depressão é resultado de um desequilíbrio entre o lado
direito e esquerdo do cérebro. Mas os dados da pesquisa realizada em
Brasília mostram que a parte psicológica pode ser prevenida. “Tem a
parte química, mas a questão psicológica, emocional pode ser prevenida”,
diz Mariana.
Mariana ressalta que é preciso considerar o chamado
baby blues, uma tristeza logo após o parto. “Existe uma tristeza depois
do parto que é muito comum e passageira. Ela tem relação hormonal e é
preciso que a mãe saiba disso para não se assustar. Sabendo disso ela
inclusive evita um depressão pós parto.”
Atualmente, Lastenia está
gravida pela segunda vez. Espera a chegada de Maria e de uma
maternidade possível, segura e não idealizada.
iG