Estresse e aumento de renda têm levado população feminina a beber cada vez mais
O número de mulheres que bebem álcool com frequência tem crescido no Brasil. Em seis anos (entre 2006 e 2012), saltou de 29% para 39%, ou seja, um aumento de 34,5%, de acordo com pesquisa mais recente realizada pela Unifesp. Segundo especialistas ouvidos pelo R7, em alguns anos, o índice de pessoas que bebem será o mesmo entre os dois sexos. Dados do último levantamento da mesma universidade mostram que 60% do público masculino admite que ingere álcool. Aumento de renda e vida estressante são alguns dos fatores que têm levado as mulheres a beberem.
A pesquisadora e psicóloga da Unifesp e membro do Inpad (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas Públicas e Álcool e Outras Drogas), Clarice Madruga liga o consumo de álcool à “melhora das condições sociais”.
— As pessoas têm mais dinheiro disponível e acabam consumindo mais [álcool]. As classes mais baixas foram as que tiveram maior aumento no consumo do álcool, as classes C e D.
Além da melhora financeira, a correria do dia a dia e o estresse também estão associados à procura do público feminino pelo álcool, de acordo com a presidente da Abead (Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Drogas), Ana Cecília Marques.
— O lugar social que ela frequenta influencia no comportamento, como os happy hours, por exemplo. Sem falar no estresse que o trabalho e a vida cotidiana impõem, já que ela continua cuidando da casa, é mãe, e também tem responsabilidades no trabalho.
Segundo as especialistas, no Brasil, o principal aumento se deu na faixa etária entre 15 e 25 anos. Na opinião de Clarice, isso ocorre, pois os jovens costumam sair para a balada com a ideia de ficarem bêbados.
— É da natureza do jovem se expor, porque eles têm a necessidade de controlar os impulsos da idade, de querer fazer parte de um grupo.
Apesar da exposição ao álcool, a psicóloga afirma que os adolescentes sabem dos malefícios da bebida alcoólica, mas que o cérebro só adquire maturidade para tomada de decisões após os 25 anos de idade.
Para a presidente da Abead, o ambiente em que a jovem está inserida também é um dos fatores que levam ao consumo do álcool. Segundo Ana Cecília, o convívio familiar é ainda mais importante nesta influência.
— Uma família que não consome o álcool cria valores diferentes. Uma família que usa bebida, como se fosse suco, deixa o consumo de álcool com naturalidade na cabeça da criança. Os pais servem como modelo, se eles exageram na bebida, isso se torna algo natural.
Uma curiosidade é que, há 15 anos, “o consumo de álcool era maior entre as mulheres mais velhas, e as mais novas usavam crack”, chama atenção a coordenadora do programa de atendimento à mulher dependente química do Instituto de Psiquiatria da USP (Universidade de São Paulo), Patrícia Hochgraf.
— Hoje em dia, as adolescentes já consomem o álcool em excesso. As mulheres sempre beberam mais em binge [consumir bebida em grande quantidade – quatro doses para as mulheres e cinco para os homens em um período de duas horas, que já o suficiente para ficar bêbado], principalmente nas baladas. Porque elas acreditam que precisam beber para se socializar. A diversão está ligada ao álcool na adolescência. Existe uma pressão social muito forte para a jovem beber.
Mulher tem mais chance de se tornar dependente
Ainda segundo as especialistas, a mulher é mais suscetível aos efeitos do álcool do que o homem. A pesquisadora da Unifesp afirma que “o corpo feminino sintetiza o álcool de forma menos eficaz”. Ou seja, mesmo bebendo a mesma quantidade que o sexo oposto, a população feminina fica com mais álcool circulando no sangue. Além disso, a substância afeta mais o sistema neurológico por causa das condições hormonais femininas.
A forma com que a gordura é distribuída no corpo pode explicar a dificuldade que a mulher tem de sintetizar o álcool, explica a presidente da Abead.
— A mulher possui mais gordura e menos água em seu organismo, o que dificulta a sintetização do álcool. Então, o etanol se concentra mais rápido no organismo feminino, por isso ela fica bêbada mais rápido, por exemplo.
Além dos efeitos no organismo, as mulheres têm mais risco de se tornarem dependentes da bebida alcóolica, já que o impacto neurológico é mais forte na mulher, por causa das condições hormonais femininas.
Ana Cecília explica que beber todos os dias não é fator decisivo para o alcoolismo, mas é um alerta, porque o corpo desenvolve tolerância ao etanol.
— O cérebro vai se acostumando com a droga. A recomendação da OMS [Organização Mundial de Saúde] é que a pessoa não consuma mais de duas vezes por semana.
Clarice também acrescenta que a dependência é muito mais complexa do que apenas consumir álcool todos os dias ou em maior quantidade.
— O conceito de dependência é muito mais amplo. Ele está relacionado ao impacto do álcool na vida da pessoa. O fato de alguém beber duas vezes por semana e ter problemas no trabalho ou em casa, como por exemplo, a violência familiar.
Vale também destacar que o alcoolismo está ligado também à hereditariedade, explica Patricia.
— A questão genética é a mesma tanto para os homens quanto para as mulheres. 50% do alcoolismo é geneticamente herdado. Existe uma chance maior de a pessoa se tornar dependente de álcool se houver outro dependente direto na família. Ser filho de alcoolista coloca a pessoa em situação de risco.
Prejuízos à saúde
Além desses problemas, Clarice diz que "beber em binge" pode causar problemas físicos como doenças do sistema urinário, problemas de fígado, mas principalmente os problemas sociais, como a exposição à violência urbana.
— Os efeitos a curto prazo do álcool também são muito perigosos. A pessoa pode se envolver em agressões físicas, perda de controle [conhecida como blecaute], dirigir alcoolizado, ter relações sexuais sem proteção.
Além disso, a psiquiatra Patricia acrescenta que as doenças ligadas ao uso do álcool aparecem de forma mais precoce e grave nas mulheres do que em homens.
— Tanto a dependência quanto as outras doenças. Os prejuízos pelo uso do álcool aparecem mais cedo nas mulheres do que nos homens, como por exemplo, a cirrose hepática, pancreatite, por causa da maneira como o organismo da mulher sintetiza o álcool.
A longo prazo, as especialistas apontam que o consumo excessivo da bebida alcoólica é responsável por transtornos de humor, depressão e ansiedade. Além disso, os danos a órgãos como fígado, cérebro, pâncreas, coração, esôfago e estômago são extremamente perigosos.
Patricia ainda chama atenção sobre os perigos da substância em mulheres grávidas. De acordo com a psiquiatra, nos EUA, o uso do álcool é a terceira causa de retardo mental em recém-nascidos.
— A maioria das mulheres que bebe, consome álcool na idade fértil, e beber na gravidez traz um risco muito grande para o bebê.
R7