Isso pode desenvolver melanoma, tipo agressivo de câncer de pele que pode levar à morte
Aos 13 anos, a americana Cynthia Bailey não perdia uma oportunidade
de se bronzear. Pelo menos uma vez por semana, assim que o inverno
terminava, vestia um biquíni e ia para o sol, mesmo que o clima no norte
da Califórnia, onde morava, ainda estivesse um tanto frio.
Com olhos e cabelos claros, Cynthia passava grande parte do ano com a
pele vermelha e descascando. Ela tinha cerca de 15 anos quando um
pequeno nódulo em sua perna chamou a atenção de um médico.
A mancha marrom-avermelhada foi logo identificada como um melanoma,
tipo agressivo de câncer de pele que pode levar à morte caso não seja
tratado a tempo. O médico chegou a recomendar a amputação de parte de
sua perna para evitar que a doença se espalhasse.
–– Eu estava provavelmente viciada em bronzeamento, lembra Cynthia,
que hoje é dermatologista e dirige uma clínica na cidade de Sebastopol,
na Califórnia.
Novos exames, no entanto, mostraram que a mancha era inofensiva e
afastaram o diagnóstico de câncer. Apesar do susto, Cynthia voltou a
tomar sol, em sessões cada vez mais intensas. Ela conta que só conseguiu
deixar de se bronzear em excesso após se deparar com diversos pacientes
com câncer de pele na Faculdade de Medicina.
Assim como Cynthia, homens e mulheres de várias idades se expõem em
excesso e sem proteção a raios de sol e câmaras de bronzeamento
artificial, embora estes hábitos sejam, segundo especialistas, os
principais causadores do câncer de pele, doença que atinge anualmente
cerca de 2 milhões de pessoas só nos Estados Unidos.
Para alguns médicos, há algo além da simples vaidade por trás desse
hábito. Segundo pesquisas, o bronzeamento pode viciar, assim como
substâncias como álcool, tabaco e outras drogas.
O vício em bronzeamento é chamado muitas vezes de tanorexia, termo
usado cada vez com mais frequência pela imprensa quando o assunto é
bronzeamento excessivo - como no caso da americana acusada de ter
causado uma queimadura na filha de cinco anos depois de levar a criança
para fazer bronzeamento artificial.
Vício
–– O vício em bronzeamento é provavelmente muito parecido com o vício
em drogas e outras substâncias, disse o dermatologista Steven R.
Feldman, professor do Wake Forest University Baptist Medical Center, em
entrevista à BBC Brasil.
Segundo ele, os sinais de que uma pessoa pode estar ficando viciada
em bronzeamento são similares aos que ocorrem com outras substâncias,
como a necessidade de 'doses maiores', perda de controle, sintomas de
abstinência e a utilização de muito tempo e recursos para a manutenção
do vício.
A semelhança entre o vício em bronzeamento e o vício em drogas também foi apontada em outras pesquisas.
Utilizando um questionário padrão para detectar dependências, a
dermatologista Robin Hornung, da The Everett Clinic, no Estado americano
de Washington, observou comportamentos similares em pessoas viciadas em
bronzeamento e dependentes de álcool, tabaco e outras drogas.
–– Em nosso estudo e em outros nós também observamos que estes
comportamentos dependentes muitas vezes 'caminham juntos' em indivíduos,
no que descrevemos como tipo de personalidade dependente, disse Hornung
à BBC Brasil.
Para Hornung, campanhas de saúde pública deveriam alertar para o fato
de que bronzeamento, além de aumentar os risco de câncer de pele,
também pode viciar.
–– Abordagens de saúde pública são sempre uma boa ideia contra
epidemias, como a de câncer de pele. Talvez seja interessante que sejam
iniciadas campanhas que discutam não apenas os perigos do excesso da
radiação UV, mas também o potencial de dependência.
Assim como acontece com o cigarro, os dermatologistas consultados
pela BBC Brasil concordam que não existem níveis saudáveis de
bronzeamento, já que os riscos de se desenvolver doenças como o câncer
são aumentados pela exposição aos raios UV.
–– Bronzeamento é induzido por danos no DNA da pele, então não é
possível dizer que seja saudável. É possível ser saudável e ativo e
obter a vitamina D do sol, mas não é preciso ficar bronzeado para
conseguir estes benefícios, diz Hornung.
Endorfinas
Modismos e o conceito de que a pele queimada pode ser mais atraente
ou saudável explicam em grande parte por que milhões de homens e
mulheres lotam praias e parques no verão e clínicas de bronzeamento
artificial durante todo o ano.
Mas dermatologistas sempre ficaram intrigados com pessoas que
continuavam a se bronzear com frequência mesmo se deparando com a
possibilidade de terem uma doença grave como câncer ou após ficarem com
aparência da pele comprometida pelo excesso de raios de sol.
As primeiras pistas para explicar os motivos desse hábito surgiram em
meados da década de 1990, quando pesquisas apontaram que a exposição a
raios ultravioleta presentes na luz do sol não apenas faz com que a pele
produza melanina (o pigmento que causa o bronzeamento), mas também
estimula a produção de endorfina, substância associada à sensação de
bem-estar e relaxamento.
–– [Esta pesquisa] explica por que as pessoas vão à praia, e não para
cavernas em suas férias. É a primeira explicação do porquê pessoas que
se bronzeiam com frequência continuam a danificar sua pele, mesmo
sabendo que isto faz com que ela fique com aparência velha e enrugada,
escreveu Feldman em seu livro Compartments, ainda sem tradução para o
português.
Síndrome de abstinência
Para testar a hipótese de que algumas pessoas se bronzeiam não pela
aparência, mas pelo modo como a luz ultravioleta faz com que se sintam,
Feldman e sua equipe realizaram dois estudos.
No primeiro, pessoas que se bronzeavam frequentemente foram
convidadas a fazer testes-cegos em duas cabines de bronzeamento
aparentemente iguais, mas que tinham uma pequena diferença: uma era uma
mesa convencional, enquanto a outra tinha um filtro invisível que
impedia que os raios ultravioleta (UV) atingissem o paciente.
Mesmo sem saber que uma das mesas não emitia raios UV, em quase todas
as ocasiões os pacientes preferiam a cabine de bronzeamento
convencional, que, segundo Feldman, dava a eles uma maior 'sensação de
relaxamento'.
Em outro estudo, alguns pacientes que se bronzeavam de maneira
frequente apresentaram sintomas parecidos com os sofridos por viciados
em drogas em síndrome de abstinência ao serem tratados com naltrexona,
substância que bloqueia a endorfina e é usada em tratamentos contra
narcóticos.
Em uma pesquisa posterior, feita com um grupo maior de pacientes,
pessoas que não se bronzeavam com frequência não apresentaram os mesmos
sintomas similares a crises de abstinência ao receberem a substância.