Indústria de equipamentos médicos portáteis enxerga um novo cliente e inicia uma revolução no modelo de negócios do setor de saúde
Um “nariz nano artificial” que promete detectar se uma pessoa tem câncer de pulmão ou alguma doença de rim com uma simples e rápida análise do ar exalado pelo indivíduo. Um biossensor que pode, em minutos, identificar traços de glicose na saliva, em lágrimas e na urina, acabando com as desconfortáveis alfinetadas para testes de diabetes. Um device de mão acoplado a um smartphone desenvolvido para realizar um exame de sangue em poucos minutos, eliminando a espera de dias para se obter o laudo. Os exemplos são infindáveis. A indústria de equipamentos médicos portáteis, aparelhos que podem ser usados pelos próprios pacientes, vive uma revolução silenciosa no mundo. O ruído dessa transformação começa a ganhar eco em países desenvolvidos e já ensaia a propagação por mercados grandes, pujantes e altamente consumidores, como o brasileiro.
A indústria de medical devices no Brasil sempre se centrou no conceito mercadológico de Business to Business (B2B), isto é, produziu bens duráveis para a cadeia de assistência à saúde, como hospitais, laboratórios e clínicas. Contudo, nos principais países produtores de equipamentos e dispositivos médicos as soluções estão crescendo também na direção do usuário final, principalmente soluções para acompanhamento e monitoramento residencial. Essa é uma tendência que está chegando ao Brasil de forma rápida e irreversível.
A nanotecnologia, a produção de sensores e biossensores, os avanços na eletrônica aplicada (com semicondutores cada vez mais baratos e potentes) e a imperiosa necessidade de reduzir custos geram uma demanda orientada diretamente à prevenção e predição das doenças crônicas. Sem falar na comodidade e conveniência do usuário em não se deslocar para as unidades de atendimento. Para o consultor e escritor Guilherme Hummel, a ampliação da produção de devices para atuar diretamente junto ao usuário final (ou àquele que estiver mais perto dele, como, por exemplo, os médicos em seus consultórios) reflete o empoderamento do paciente, que cada vez mais interfere nas questões de sua própria saúde.
Os dispositivos vão desde aplicativos mHealth (mobile health) até equipamentos de monitoramento em tempo real. “A indústria nacional chega atrasada, mas chega, e as empresas já se movimentam para aumentar a produção de insumos eletrônicos de monitoramento do paciente em sua residência ou em seu corpo”, diz Hummel, que defende a inserção do consumidor final na lógica de mercado dos equipamentos médicos.
De acordo com ele, o conceito do começo do século 21 de B2B e Business to Consumer (B2C) foi expandido. “Hoje é mais fácil pensar em B2B2C, ou seja, não se pode mais pensar em vender tendo em mente unicamente o seu cliente, é preciso olhar a cadeia como um todo. O consumidor está cada vez mais dentro do jogo da saúde, embora a comunidade médica demore a se acostumar com essa ideia. Quem produz devices hoje para a indústria de serviços de saúde dificilmente, em médio prazo, vai deixar de produzir também para o consumidor final, e se não o fizer, o fará para quem estiver mais perto dele”, opina o especialista.
Hummel afirma que esta tendência começou a se desenhar no final dos anos 90 com a revolução digital que promoveu o acesso dos pacientes a informações relevantes por meio dos buscadores na internet. A partir da metade da década passada, grandes players, como a Fujitsu, Philips e GE começaram a desenvolver produtos com foco no consumidor final. Como a indústria de telecomunicações que reinventa tecnologias a uma velocidade que nem sempre o cliente consegue acompanhar, os fabricantes de devices portáteis para a área de saúde começaram a imprimir um ciclo de vida muito acelerado no desenvolvimento de tecnologias e esta indústria inciou a decolagem rumo à forte competição e inovação. “Lá fora, cresceu absurdamente a quantidade de soluções com menor tamanho, maior capacidade de ser amigável ao usuário, mais sofisticados e não necessariamente mais caros”, analisa Hummel.
Hoje, os principais dispositivos que atendem ao consumidor (e também aos sistemas de saúde) são aqueles que monitoram os sinais vitais do usuário (pressão, temperatura, batimento, saturação de oxigênio etc). A Trysys, desenvolvedora israelense de tecnologias eletrônicas com foco em produtos para o setor de saúde, criou um analisador para portadores de asma, que é muito parecido com um controle remoto de televisão, e que ajuda prever crises asmáticas. O equipamento avisa com antecedência que o usuário vai ter uma crise. Ele tem dois sensores que ficam na base do pescoço, como se fossem dois microfones. Ele grava o ruído da respiração, analisa as frequências sonoras e consegue emitir um alerta se algo de errado está por vir. Este produto hoje é comercializado nos Estados Unidos pela Philips por cerca de US$ 250.
O gerente de vendas e marketing da Trysys no Brasil, Ricardo Dalmolin, conta que a companhia tem como foco transformar as ideias dos médicos em produtos eletrônicos que possam revolucionar o atendimento e diagnóstico. “A Trysys não tem equipamentos, não tem produtos. O que nós temos é um background muito grande no desenvolvimento desses sistemas eletrônicos. Então, a gente usa esse background pra desenvolver produtos para os nossos clientes que depois pegam os nossos projetos, cuidam dessa produção e comercializam isso. A função principal da Trysys é desenvolver produtos que estejam dentro dessa visão de que o paciente é um elemento ativo dentro dessa cadeia. Coisa que no Brasil ainda não acontece”, afirma o executivo, que lidera a chegada da companhia no continente sulamericano.
Carlos Alberto Goulart, presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria de Alta Tecnologia de Equipamentos, Produtos e Suprimento Médico-Hospitalares (Abimed), afirma que vê um movimento de migração do foco da indústria no sentido de atender diretamente o paciente, mas ele considera isso bastante incipiente no Brasil. Para ele, a indústria de gases medicinais tem liderado esse movimento no bojo do crescimento do atendimento domiciliar. “As pessoas estão sendo levadas para casa ao invés de serem tratadas nos hospitais”, afirma.
Na opinião do presidente da entidade, o crescimento do mercado com foco no consumidor não necessariamente promoverá a redução da indústria voltada aos hospitais, clínicas e laboratórios com cliente final. “Das nossas associadas, várias estão se movimentando nesse mercado, muitas empresas multinacionais que observam como o mercado está agindo e trazem essas experiências dos países de origem pra cá. Acho que a tendência é crescer. Em algum momento os planos de saúde vão ter um papel mais atuante nisso para ver onde pode haver uma redução de custos e prevenção da saúde”, avalia.
Hummel acredita que um dos principais entraves para a expansão da indústria de equipamentos portáteis no Brasil está na regulação do mercado. Ele afirma que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) possui um modelo de certificação de produtos diferente dos internacionais. “Certificar um novo produto é um processo que demora de 12 a 18 meses. A Anvisa está sobrecarregada. Isso cria uma enorme lacuna, porque em geral, todos os produtos que têm tecnologia embarcada ficam obsoletos muito rapidamente”, critica o consultor.
Fonte SaudeWeb