70% dos processos envolvendo radiologistas nos Estados Unidos devem-se a falhas no diagnóstico radiológico. Estudo evidencia a gravidade do cenário e aponta iniciativas para evitar a adversidade
A falha no diagnóstico radiológico (“missed” radiographic diagnosis) é responsável por 70% dos processos envolvendo radiologistas nos Estados Unidos. Cabe, entretanto, diferenciar se tal falha se deu por negligência, imperícia ou imprudência, que, na maioria das vezes, torna árdua a tarefa para os peritos nomeados.
Alguns dos chamados “erros diagnósticos” estão relacionados à interpretação equivocada do profissional, seja pela falta de conhecimento, seja pela conclusão inadequada, ou ainda pela má escolha da técnica empregada(5).
Na experiência adquirida ao longo dos anos, na análise médico-legal em processos de responsabilidade médica, foram também observadas falhas oriundas da identificação ou percepção das lesões, muitas vezes diminutas ou mal definidas.
Considerando a análise desses parâmetros, não se pode deixar de considerar a má qualidade dos equipamentos, a falta de manutenção, principalmente no interior dos Estados, em que os investimentos não contemplam o avanço tecnológico.
A obsolescência é patente na maioria das clínicas e hospitais de pequeno porte nos interiores desse imenso país. Sempre que um aparelho novo é lançado, o equipamento anterior é substituído e vendido por preços “módicos” às prefeituras e nosocômios de menor porte.
Vale ressaltar que tal prática é muito comum envolvendo mamógrafos. A não visualização de lesões nas imagens produzidas ou sua má interpretação podem gerar consequências graves para a paciente.
A mamografia é hoje o principal método de rastreamento do câncer de mama, portanto, é um exame de grande importância para a mulher e pode suscitar demandas judiciais de grande monta, quando não interpretado corretamente.
Com certa frequência são observadas, em processos de responsabilidade médica, condutas envolvendo falhas no diagnóstico de imagens “suspeitas” ou ainda a ocorrência de falso-negativos, que podem retardar o início do tratamento.
Algumas ações são de grande importância para evitar tais demandas, como a participação no Programa de Controle de Qualidade da Mamografia, gerenciado pelo Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem, e ainda a padronização do critério BI-RADS, amplamente utilizado(6). A integração com o médico assistente é sempre recomendável para uma abordagem multidisciplinar ao paciente.
Outro aspecto de suma importância, quando se analisa a questão médico-legal e pericial, é o laudo.
Documento é a expressão escrita de um fato, portanto, define exatamente aquele momento na interpretação da imagem. E é exatamente a análise deste documento e sua correlação com a clínica e com a imagem que será o objeto de atenção do perito.
Em exames de ultrassonografia obstétrica, isto se torna de extrema relevância, pois além da gestação, que constitui condição dinâmica em constantes transformações, existem fatores que podem diretamente influenciar na interpretação, como posição fetal e presença de imagens que podem dificultar a visualização dos parâmetros principais. Nas demandas judiciais envolvendo exames de ultrassonografia, a maioria dos exames questionados é de origem obstétrica. No caso de análise de biometria fetal, se alguma deformação ou alteração de estruturas forem ou não visualizadas, estas devem ser detalhadamente descritas e, se possível, documentadas por fotografia. Importante ressaltar que todo método de imagem tem limitações. O exame morfológico fetal tem constituído para o aumento na demanda de ações na justiça.
Atenção especial deve ser dada na correta correlação entre o laudo e o paciente que realizou o exame. A “troca” de exames, uma vez caracterizada, pode ensejar a condenação do profissional responsável à indenização por danos morais e materiais, dependendo do dano a ser apurado.
O laudo, expressando todas as ações realizadas durante o exame, deve descrever a técnica empregada, os dados do paciente, a região examinada e a descrição dos achados, tudo de forma objetiva e abrangente(7).
Nos casos em que o imaginologista está convicto de sua interpretação, o laudo pode ser concluído de forma mais direta e objetiva.
Atenção especial deve ser dada na revisão do laudo, momento no qual equívocos podem ser corrigidos. Laudos padronizados com o intuito de agilizar o trabalho podem constituir causa de erro ao informar, por exemplo, “vesícula biliar de aspectos normais” em paciente colecistectomizado.
É importante asseverar que, sendo o exame de imagem, na maioria de suas indicações, de caráter complementar, fica implícito que complementar a investigação diagnóstica e sua correlação com os dados clínicos do paciente é imprescindível(8).
Uma relação que jamais pode ser quebrada é entre o imaginologista e o médico assistente, seja na consulta de dados do paciente ou na discussão do caso, sobretudo naqueles que requeiram condutas mais urgentes. A indicação de cisto ovariano identificado em paciente assintomática, na menacme, “com características funcionais”, deixa entrever conduta conservadora.
Não deve ser desprezada a opinião de outro colega da área da radiologia, nos casos mais complexos e de difícil interpretação.
Conforme citado, os avanços tecnológicos permitem uma maior precisão diagnóstica, entretanto, na radiologia intervencionista algumas situações podem gerar ações judiciais. Por ser um procedimento invasivo, a utilização de contrastes, agulhas, cateteres e outros dispositivos aumenta o risco para o paciente, e este deverá ser devidamente informado sobre a possibilidade de ocorrência de determinadas situações ou complicações decorrentes.
O dever de informação é de relevância na análise processual. Os magistrados costumam subsidiar sua interpretação na aplicação do Código de Defesa do Consumidor, visto que hoje o dever de informação ensejará que o paciente participe diretamente das decisões médicas, podendo, inclusive, recusar submeter-se a procedimento, desde que não haja situação emergencial(9,10).
O consentimento informado poderá ajudar no cumprimento do dever de informação, permitindo a decisão conjunta do paciente, desde que confeccionado especificamente para cada procedimento, detalhadamente descrito, e perfeitamente entendido e autorizado pelo paciente(11,12).
Como se sabe, jamais irá evitar uma demanda judicial, mas irá comprovar a informação levada ao paciente, quando solicitada a realização da prova técnica.
Todos os serviços, clínicas ou hospitais que realizam procedimentos invasivos ou intervencionistas devem ter, para pronto emprego, instrumental completo e medicamentos para ressuscitação cardiorrespiratória. Se for o caso, um convênio ou linha direta com empresa de remoção em UTI móvel pode proporcionar segurança ao paciente, numa eventualidade. Tais ações vão assegurar, na visão jurídica, os cuidados e a responsabilidade que envolve a instituição em relação ao paciente.
Atenção especial deve ser atribuída ao ensino médico e a sua prática em hospitais ou maternidades universitários. Muito embora o médico residente tenha autonomia pelos seus atos profissionais, estes devem ser sempre supervisionados por um preceptor ou médico mais experiente. Os laudos, a análise de imagens, os procedimentos invasivos, as manobras e as decisões técnicas são de responsabilidade do preceptor, orientador, chefe do serviço ou, ainda, do diretor técnico da unidade.
Nos dias de hoje, dizer que existe uma receita para evitar um processo judicial é ledo engano.
O que se observa, tomando por base os inúmeros processos judiciais envolvendo os médicos e principalmente os imaginologistas, são atitudes de caráter preventivo, que podem trazer ao processo provas irrefutáveis da boa conduta, da perfeita integração nas interpretações de imagem e conclusões apresentadas, assegurando a boa prática médica.
Medida altamente salutar seria a abordagem de temas de Direito Médico nos cursos de graduação em medicina que, de forma mais abrangente e completa, orientaria os futuros profissionais médicos, quanto às situações de ordem prática, ressaltando os aspectos jurídicos e éticos que envolvem o exercício profissional.
Fonte: Radiology.com
Por SaudeWeb