Aplicativos, carreira, concursos, downloads, enfermagem, farmácia hospitalar, farmácia pública, história, humor, legislação, logística, medicina, novos medicamentos, novas tecnologias na área da saúde e muito mais!



sábado, 8 de julho de 2017

Baixo preço faz empresas tirarem do mercado remédios essenciais

Por falta de interesse comercial, laboratórios farmacêuticos têm retirado do mercado medicamentos antigos e baratos, alguns deles essenciais e sem substitutos


Das 1.748 drogas canceladas entre maio de 2014 a junho de 2017, 63% foram por motivação comercial, segundo levantamento feito pela Folha de S.Paulo no site da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

As outras razões (37%) se referem a mudanças no local de fabricação, problemas com o princípio ativo da droga, entre outras. Quase um quinto (17%) dos cancelamentos foi reativado depois.

A indústria deve informar a interrupção à Anvisa com, no mínimo, seis meses de antecedência -se a droga não tiver substituto, o aviso deve ocorrer um ano antes.

As farmacêuticas alegam que há defasagem de preços motivada pela política governamental. Já o governo federal diz que os preços dessas drogas têm sido revisados.

Na oncologia, há uma grande preocupação com essa situação porque o atraso do tratamento ou sua interrupção pode acelerar o crescimento do tumor e reduzir as chances de cura.

Segundo a médica Maria Inez Gadelha, diretora do departamento de atenção especializada do Ministério da Saúde, muitos pacientes têm ficado "órfãos" dessas drogas.

"A maioria dessas drogas integra esquemas quimioterápicos que curam o câncer, enquanto os novos antineoplásicos, em quase sua totalidade, só tratam paliativamente os doentes", afirma.

Gadelha diz que ao menos 30 medicamentos para o câncer já foram descontinuados desde 2014 ou correm sério risco de sê-lo, entre eles para tratamentos de tumores de bexiga, pulmão e leucemias.

"Muitos desses remédios foram desenvolvidos a partir dos anos 1950, não possuem patente e, por serem baratos, a indústria não tem mais interesse em produzi-los."

Vera Maria Pinho de Oliveira, 56, já sentiu na pele os efeitos dessa falta. Ela trata de um linfoma desde 2009 com o medicamento Leukeran. "Foi o único capaz de manter a doença controlada."

Desde novembro, porém, o medicamento, que custava R$ 38, desapareceu das farmácias de Belo Horizonte (MG), onde mora. Ela tentou encontrá-lo em outros Estados, mas não teve sucesso.

Foram seis meses de tentativas até que conseguiu comprar quatro caixas diretamente do laboratório e recebeu a doação de outras três.

No período em que ficou sem a droga, usou altas doses de corticoide para controlar a doença. "Tive reação alérgica, ganhei peso, fiquei sem dormir e precisei tomar outros remédios para controlar esses sintomas", conta.

A fabricante GSK diz que o desabastecimento foi temporário e comunicado à Anvisa. E que, em conjunto com a farmacêutica Aspen, a nova fabricante do Leukeran, trabalha para regularizar a oferta.

Paradoxo
Para Angelo Maiolino, presidente da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular, os pacientes com câncer vivem hoje um paradoxo: sofrem dificuldade de acesso a drogas antigas e baratas, por falta de interesse das farmacêuticas, e também às novas, por causa do alto custo. 

Maiolino cita outro exemplo de droga que sumiu do mercado: o melfalano, usado para tratar o mieloma múltiplo e essencial no transplante de medula, teve sua produção interrompida neste ano. Segundo ele, o remédio não tem substituto e sua falta prejudica o tratamento de muitos pacientes, diminuindo as chances de cura.

"Por mais antiético, absurdo e quase criminoso que seja imaginar a falta de um medicamento imprescindível, a indústria não é obrigada a produzi-lo. Nem aqui e nem em outros países", diz.

A droga, também da GSK, parou de ser fabricada no mundo todo e, após pressão internacional, voltou a ser produzida em janeiro último, mas ainda há falta. Maria Inez Gadelha diz que um outro laboratório aguarda autorização da Anvisa para produzir o melfalano.

Para Merula Steagall, presidente da Abrale (Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia), o Ministério da Saúde só age "apagando incêndios". "Eles precisam prever o desabastecimento e agir de forma preventiva."

O oncologista pediátrico Vicente Odone diz que outra preocupação é a qualidade das drogas importadas em substituição das tradicionais que são descontinuadas."O país não têm grandes centros de qualidade de medicamentos que atestem a segurança e a eficácia do que está vindo."

Cláudia Collucci e Raphael Vicenti Folhapress