Células de pluripotência induzida serão utilizadas para testes de medicamentos
Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) querem criar o primeiro banco de células-tronco de pluripotência induzida (iPSC, na sigla em inglês) da América Latina. As iPSC são células adultas modificadas pelos cientistas para recuperar sua capacidade de gerar qualquer outra célula do organismo. O banco será útil para a realização de testes de medicamentos in vitro.
“Se você tem uma droga que pode causar arritmia em algumas pessoas, a melhor estratégia pode ser obter células cardíacas do paciente e ver como elas reagem ao medicamento in vitro”, explica a geneticista Lygia da Veiga Pereira, chefe do Laboratório Nacional de Células-tronco Embrionárias (Lance) da USP. “Se apresentarem arritmia, você não precisará administrar a droga no paciente para descobrir o risco. Desta forma, diminuímos o número de reações adversas.”
Uma forma de obter as células cardíacas do exemplo dado por Lygia é realizar uma biópsia do coração. “Mas, na maioria das vezes, o risco de um procedimento tão invasivo não compensa”, aponta a pesquisadora. Com as iPSCs, no entanto, os especialistas podem extrair células da pele ou do sangue - ao alcance da mão dos médicos -, induzir sua pluripotência e diferenciá-la no tecido em que desejam realizar os testes.
Desta forma, é possível, por exemplo, diferenciar as iPSCs de um paciente em neurônios para testar a eficácia de um antidepressivo, em células hepáticas para testar a absorção de um medicamento ou em células cardíacas para prever um possível efeito adverso.
Mais longe
O projeto dos pesquisadores da USP, no entanto, não se limitará a analisar a resposta de pacientes específicos a determinados tipos de fármaco. Eles pretendem criar um verdadeiro banco de iPSCs que ofereça uma amostragem fidedigna do perfil genético da população paulista e brasileira (mais informações nesta página).
Populações de diferentes etnias, países ou regiões podem apresentar uma diversidade significativa na resposta a determinados remédios. Em 2005, por exemplo, o FDA - agência de vigilância sanitária americana - aprovou uma droga para insuficiência cardíaca específica para a população negra. Os testes clínicos mostraram resultados tímidos em americanos brancos, mas os benefícios foram evidentes para negros.
Em média, de cada mil substâncias testadas pela indústria farmacêutica, só uma chega às prateleiras das farmácias. Quanto mais cedo os laboratórios descobrem a inviabilidade de uma droga - por apresentar alta toxicidade ou baixa eficácia -, menos dinheiro e tempo são jogados fora.
“Um banco como esse que vamos criar possibilitará identificar substâncias inviáveis e promissoras mais rápido, economizando muito dinheiro”, aponta Paulo Lotufo, diretor da Divisão de Clínica Médica do Hospital Universitário da USP. Ele recorda que as precárias condições em que são realizados os testes pré-clínicos - em animais - no País torna a alternativa das iPSCs ainda mais atraente. “Já que não temos animais em condições ideais para realizar os testes dos fármacos, poderemos testá-los em células humanas in vitro.”
Apesar de não substituir os testes em animais, Lygia aponta que as iPSCs possuem algumas vantagens. “O camundongo, por exemplo, é muito diferente do ser humano para testes que envolvem o tecido cardíaco”, afirma a pesquisadora. “O coração do roedor bate 600 vezes por minuto. O nosso, cerca de 80 vezes. Além disso, há importantes diferenças no tamanho, na pressão sanguínea e na suscetibilidade a ataque cardíaco.”
Lotufo pretende coletar as amostras de sangue para o banco de iPSCs no contexto do Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (Elsa), um imenso projeto que procura investigar a incidência e os fatores de risco para doenças crônicas em uma população composta por 15 mil funcionários de seis instituições públicas de ensino superior e pesquisa das regiões Nordeste, Sul e Sudeste do Brasil. É o maior estudo do tipo já realizado na América Latina.
“Vamos criar o banco de dados com todos os voluntários da amostra paulista, que representa cerca de um terço do universo do Elsa”, aponta Lotufo. Além disso, o pesquisador também gostaria de incluir outros mil voluntários de centros do Elsa de outras regiões do País. Se tudo der certo, o banco de dados incluirá iPSCs de cerca de seis mil pessoas.
Para entender
A geneticista Lygia da Veiga Pereira, da USP, recorda que cada pessoa reage de um modo diferente aos remédios. “Fatores como idade, saúde e alimentação influenciam como o organismo absorve, processa ou elimina uma droga”, explica Lygia. “Mas o fator mais importante são nossos genes.”
Em 2009, por exemplo, o Estado noticiou a criação de um protocolo no Instituto de Psiquiatria da USP (IPq-USP) que, por meio de um exame genético, identificava se um paciente metabolizava de forma rápida ou lenta determinados tipos de medicamento, como o antidepressivo fluoxetina. Os especialistas analisavam variações no gene CYP.
Contudo, a farmacogenética - área da farmacologia que estuda as interações entre o genoma e os fármacos - ainda é muito incipiente. Há um longo caminho para se estabelecer quais genes interferem no metabolismo de cada droga e qual é o impacto específico de cada variação genética na resposta a um fármaco.
Não é só a eficácia de um remédio que depende dos genes. A toxicidade também pode variar segundo o perfil genético. Na Inglaterra, as reações adversas a fármacos respondem por uma em cada quinze admissões hospitalares. Nos EUA, cerca de dois milhões de pessoas apresentam reações adversas graves todos os anos. Cerca de 5% desses casos evolui para a morte.
Fonte Estadão