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Foto: Mateus Bruxel / Agencia RBS
Para Ivan Izquierdo, idade é ponto a favor dos pesquisadores |
Idades fisiológica, social, intelectual e cultural variam de acordo com o jeito com que cada um leva a vida
A professora aposentada Luci Garcia estava no aeroporto, prestes a embarcar para Natal nas férias do ano passado. Quando entrou na fila prioritária do check-in, foi abordada por um funcionário da companhia aérea que pensou que Luci estava se aproveitando da vantagem concedida a quem tem mais de 60 anos.
— Ele duvidou que eu estivesse na terceira idade — conta, sorridente.
A história se repete aonde quer que ela vá. Com disposição, bom humor e uma condição física invejável, Luci tem 78 anos, mas ninguém acredita.
O mais surpreendente para quem a conhece é sua vida social ativa. Luci viaja pelo menos três vezes por ano — já foi para o Nordeste, Caribe, Leste Europeu, entre outros destinos. Quando está em Porto Alegre, joga carta e bolão com amigos regularmente. Faz ginástica três vezes por semana com um grupo de mulheres bem mais jovens e garante que não sai reclamando de dor pelo corpo.
— Eu não paro quieta — diz.
Luci é um exemplo das pessoas cuja idade expressa na carteira de identidade não corresponde à idade de suas capacidades físicas ou mentais. Como Luci, muitos dos 15 milhões de brasileiros que já ultrapassaram os 60 anos contrariam a ideia de que ser idoso é estar debilitado, incompetente e frágil. Essa constatação está causando um debate entre cientistas sobre o real significado da idade cronológica e a definição de 60 anos como o início da terceira idade.
— A velhice é só uma convenção social, uma instituição política, porque a idade não é mais sinônimo da competência das pessoas — defende Newton Luiz Terra, diretor do Instituto de Geriatria e Gerontologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
A grande descoberta da geriatria atual é a de que temos mais de uma idade ao mesmo tempo. Além da cronológica, existe a idade fisiológica, a social, a intelectual e a cultural, que variam de acordo com o jeito com que cada um leva a vida. Na sua carteira de identidade, Luci está próxima dos 80. Mas sua idade social equivale a de um jovem de 25 anos.
— O passar do tempo se tornou um indicador muito limitado da idade. É preciso levar em consideração outros aspectos da rotina do indivíduo — avalia o geriatra.
Fórmula de cálculo exato ainda é buscada por estudiosos
Hoje, os pesquisadores calculam as diferentes idades que uma pessoa tem ao mesmo tempo com base na observação. Não existe ainda uma fórmula matemática que as defina com exatidão, embora ocorram iniciativas nesse sentido. A mais popular é a do médico americano Michael Roizen, que criou um método para calcular a idade fisiológica ou biológica de um indivíduo,
conforme uma série de indicadores.
Estudos recentes sobre velhice comprovam, na prática, que manter a mente e o corpo ativos permite atrasar o relógio biológico. Uma pesquisa da Clínica Mayo, nos Estados Unidos, publicada neste ano na revista científica JAMA Neurology, revelou que os indivíduos que leem com frequência e desempenham um trabalho intelectual adiam em nove anos o surgimento de problemas de memória na comparação com aqueles que deixam de lado atividades dessa natureza. Em outro estudo, pesquisadores da universidades Brigham Young e Carolina do Norte, EUA, descobriram o que Luci sabe há muito tempo: ter uma vida social intensa faz bem para a saúde. Depois de analisar dados de mais de 300 mil indivíduos, a conclusão foi a de quanto mais amigos e família uma pessoa tem por perto, mais anos de vida ela terá. No caso de Luci, a idade só aumentou mesmo na carteira de identidade.
"Não posso nem pensar em parar de trabalhar"
O neurocientista Iván Izquierdo, coordenador do Centro de Memória da PUCRS, acaba de completar mais um ano de vida no último dia 16. Desta vez, apagou 77 velinhas. Mas o avanço da idade não vai alterar em nada sua rotina. Ele nem pensa em encerrar as atividades profissionais como professor e pesquisador:
— Não posso nem pensar em parar de trabalhar. Me faltaria algo, ficaria muito triste.
A ciência agradece
O argentino naturalizado brasileiro é um dos intelectuais mais produtivos do país. Desde que chegou ao Brasil na década de 1970, publicou 17 livros, mais de 500 artigos científicos e hoje é um dos cientistas latino-americanos mais citados na literatura especializada. Depois dos 60 anos, Izquierdo alcançou alguns dos maiores feitos da sua carreira. Foi escolhido diretor da Academia Brasileira de Ciências, membro estrangeiro da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos e merecedor da Ordem de Rio Branco, a maior comenda civil brasileira.
— O que me motiva a continuar a vida profissional é poder ensinar os jovens, mas também gosto de aprender. Ver os resultados da minha pesquisa me estimula muito — diz.
O avanço da idade o ajuda em gestão do tempo, inclusive:
— A idade, no caso dos pesquisadores, é um ponto a favor. Fazemos menos coisas, mas fazemos melhor.
Afinal, para que importa a idade cronológica quando a idade intelectual está em plena forma?
Curiosamente, a pesquisa que o neurocientista desenvolve sobre a biologia da memória pode ajudar a terceira idade, grupo mais suscetível a doenças como Alzheimer.
— Existe a possibilidade de que as nossas descobertas no laboratório tenham uma implementação clínica nesses casos, o que seria muito recompensador — acredita.
Em 2003, Izquierdo dispensou a oportunidade de se aposentar quando saiu da UFRGS. Sentia que tinha muito mais a contribuir. Hoje, mantém uma rotina de oito a 10 horas por dia, divididas entre o laboratório, a sala de aula e a atenção aos e-mails, em casa:
— Eu estou muito bem da cabeça e faço fisioterapia para conseguir caminhar com facilidade.
Ele próprio conta que viu seu pai trabalhar até virar octogenário. Procura fazer o mesmo, reservando espaço para atenção à família, aos netos e à literatura.
"A agenda está cheia"
Seja no teatro, no cinema ou em concertos de música, Rosa Campos Velho, 75 anos, está sempre envolvida em alguma atividade cultural.
— É o que me mantém viva — diz.
Além do prazer de estar por dentro do que ocorre em Porto Alegre, Rosa respira cultura porque trabalhou durante muitos anos como atriz e hoje é diretora do Sindicato dos Artistas do Rio Grande do Sul (Sated). Nunca imaginou que seria tão ativa.
— A agenda está cheia. Às vezes eu até queria um pouco mais de tempo livre para ficar com os netos — confessa.
Ela já não consegue mais usar as pernas para correr, como fazia quando jovem, mas garante que se fosse possível medir a sua idade cultural, estaria no auge das suas habilidades. Essa vitalidade nem sempre é compreendida. À medida que os anos foram passando, a oferta de papéis no teatro começou a diminuir.
— Eles preferem contratar uma mulher jovem para se fantasiar de mais velha a uma atriz experiente — espanta-se.
Ela também se sente julgada pela idade quando está no trânsito, a bordo do seu utilitário esportivo. Perdeu as contas de quantas vezes foi xingada por ser velha:
— Eu tenho pena deles, porque não respeitam os idosos hoje, mas não se dão conta de que a mocidade é passageira.
A experiência mais dolorosa que veio com o avanço da idade cronológica foi quando teve de se aposentar de um cargo de assessora administrativa da Secretaria Estadual de Cultura do Rio Grande do Sul. De acordo com a Constituição Federal de 1988, todos os funcionários públicos devem, obrigatoriamente, aposentar-se aos 70 anos.
— Acho estranho uma lei dizer que eu não era mais competente para trabalhar se eu nem sequer me sentia idosa — protesta.
Enquanto a sociedade não acorda para a produtividade da terceira idade, Rosa aproveita para usufruir das vantagens de estar nesta faixa etária: paga meia entrada nos espetáculos, anda de graça no ônibus para ir ao Centro e, quando está de carro, usa as vagas preferenciais de estacionamento. Além disso, se sente muito mais à vontade para fazer e dizer o que sente.
— Depois de uma certa idade, a gente pode fazer o que quiser. Não sente mais as amarras da sociedade. É bem bom — conclui.
Zero Hora