Foto: Carl de Souza / AFP - Médico veste roupa de segurança em Serra Leoa, que está no epicentro
do pior surto de Ebola do mundo
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No Brasil, circulam na internet mensagens falsas sobre a chegada da doença ao país
Rio - Disseminada por quatro países da África Ocidental e ainda fora de
controle, a devastadora epidemia do ebola se alastra por todo o mundo
quando a via de transmissão é o medo. A transferência de doentes e mesmo
o deslocamento de habitantes não infectados dos locais afetados vêm
gerando alerta e temor sobre novos casos. No Brasil, circulam na
internet mensagens falsas sobre a chegada da doença ao país.
Monitoramento realizado pela FGV/DAPP em redes sociais mostra que
“risco” e “medo” estão entre as palavras mais associadas às citações ao
surto. Entre 7 e 14 de agosto, foram registradas 61 mil menções à doença
que já matou mais de mil pessoas e infectou quase duas mil em Serra
Leoa, Libéria, Guiné e Nigéria. Nos Estados Unidos, uma pesquisa
divulgada pela rede Fox News mostrou que seis em cada dez americanos
temem que o surto chegue ao país. Ontem, o Comitê Olímpico Internacional
(COI) informou que restringirá a participação de atletas procedentes de
regiões infectadas nos Jogos Olímpicos da Juventude, que começam hoje,
na China. E a Organização Mundial de Saúde (OMS) divulgou informe
tratando da ansiedade gerada pela epidemia.
Segundo o
monitoramento da FGV/DAPP em redes sociais, o pico de menções ao ebola
ocorreu na sexta-feira da semana passada, dia em que o Ministério da
Saúde elevou de 0 para 2 o nível do chamado Centro de Operações de
Emergência em Saúde (o máximo é 3), o que significa que uma equipe
médica da pasta será deslocada e atuará caso se confirme a chegada de
qualquer pessoa infectada. Além de “medo” e “risco”, “voos”,
“subestimado” e “chega” aparecem na nuvem de palavras associadas às
citações à doença.
— As pessoas manifestam preocupação de que o
ebola possa chegar ao Brasil e têm dúvidas em relação à capacidade de as
autoridades brasileiras lidarem com a questão — analisa Rafael Martins,
pesquisador da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da FGV. — É
importante que sejam construídas políticas públicas integradas, entre o
Ministério da Saúde e o Itamaraty, por exemplo, que mostrem o
posicionamento estratégico do país.
Morte no Maranhão é desmentida
Por
meio das redes, boatos sobre a chegada do ebola no Brasil têm se
disseminado. Uma mensagem contendo a notícia de que um nigeriano
infectado pelo vírus teria morrido em São Luís, no Maranhão, se tornou
viral e vem sendo repassada até por médicos. Segundo o texto, outras
cinco pessoas estariam internadas em estado grave. O Ministério da Saúde
nega registros da epidemia no Brasil. Sobre o anúncio de que estaria
estudando a compra do remédio experimental para tratamento da doença,
feito esta semana, informou que mantém contato com o laboratório
norte-americano Mapp Biopharmaceutical, mas ainda não há previsão de que
o medicamento seja adquirido pelo país.
Outro rumor sobre a
doença circulou na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio. Funcionários
receberam um e-mail informando que o Instituto Nacional de Infectologia
Evandro Chagas (INI) está se “preparando e se atualizando
continuamente” para receber casos suspeitos da infecção. Embora a
mensagem explique que as medidas estão sendo tomadas porque a unidade
foi indicada como referência e sustente que não há casos identificados
ou pacientes com suspeita de infecção no estado, há temor entre
profissionais que trabalham na manutenção em Manguinhos.
O
virologista Fernando Portela Câmara, professor associado da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), afirma que, mesmo que casos da doença
cheguem ao Brasil, o risco de que o ebola vire uma epidemia no país é
baixo.
— Essa é uma doença da pobreza, da miséria e da imundície.
As condições boas de higiene do indivíduo e do ambiente atuam como
barreiras eficientes para o vírus. Quando são usados luvas, aventais e
máscaras para lidar com doentes, a transmissão não acontece — explica,
sem minimizar os perigos do ebola. — Só há risco quando se entra em
contato com as secreções dos infectados. No entanto, quando há esse
contato, a transmissão é muito eficiente.
No comunicado divulgado
ontem, a Organização Mundial da Saúde afirma que “a escala, duração e
letalidade da epidemia de ebola têm gerado um elevado nível de medo e
ansiedade do público, que se estende bem além de África Ocidental. Tais
reações são compreensíveis, dada a elevada taxa de mortalidade e
ausência de uma vacina ou cura”. Mas desmentiu a disseminação do vírus
para outras regiões.
A organização foi consultada pelo COI antes
da decisão de vetar a participação de atletas vindos de regiões
infectadas nas modalidades de combate e de natação nos Jogos Olímpicos
da Juventude. Durante as duas semanas de competição, os atletas que
vieram das regiões mais afetadas pela doença serão submetidos
diariamente a exames físicos e terão a temperatura aferida. Segundo o
presidente do comitê, Thomas Bach, as medidas foram tomadas “para
garantir a segurança de jovens atletas”. O COI divulgou também uma nota:
“Lamentamos que por este problema alguns jovens atletas sofram em
dobro, pela angústia provocada pela epidemia em seus países de origem e
por não poderem participar nos Jogos”, diz o texto. Serra Leoa e Libéria
decidiram nem ir à China.
Remédios falsos na internet
O
receio de que o vírus se espalhe pelos EUA atinge 62% dos entrevistados
por pesquisa feita pela Anderson Robbins Research e pela Shaw &
Company Research e divulgada pela Fox News. A parcela inclui uma fatia
de 30% “muito preocupados”. A consulta a 1.001 eleitores registrados
mostra que, apesar da apreensão, a maioria dos americanos (68%) concorda
com o fato de o governo ter autorizado a transferência do médico Kent
Brantly e da missionária Nancy Writebol para o país. Infectados na
Libéria, eles estão sendo tratados nos EUA. Na ocasião, houve
manifestações contra a entrada deles no país, e o empresário Donald
Trump chegou a afirmar que “quem viaja para lugares longínquos para
ajudar os outros é uma ótima pessoa, mas deve sofrer as consequências.”
Há,
ainda, aproveitadores que estão usando o temor causado pela epidemia
para impulsionarem seus negócios. Sites de internet estão oferecendo um
extrato milagroso para combater o vírus. O pó de Garcínia Cambogia é
descrito como um suplemento para o controle do apetite e redução do
peso, mas alguns revendedores destacam que entre os “possíveis
benefícios” da droga está o combate a “vermes e parasitas intestinais e o
vírus ebola”.
Em comunicado, a FDA (agência americana que regula
alimentos e medicamentos) alertou os consumidores sobre os produtos
vendidos on-line. “Embora existam vacinas e tratamentos experimentais,
esses produtos estão em estágios iniciais de desenvolvimento, não foram
completamente testados para segurança e efetividade. Não existem drogas e
vacinas aprovadas especificamente para o ebola disponíveis para compra
na internet”, alertou a agência (Colaboraram Antonella Zugliani, Sergio Matsuura e Vivi Fernandes Lima).
O Globo