Acre e Sergipe têm número insignificante de transplantes
O Brasil comemora o aumento no número de doadores e de transplantes de órgãos a cada ano. No último balanço divulgado na semana passada pelo Ministério da Saúde, pela primeira vez o país chega a 11,1 doadores por milhão. No ano passado, a conta fechou com 9,9.
Em linhas gerais, o índice representa 13% de crescimento no número de transplantes realizados no país neste semestre, passando dos 1.896 em 2010, para 2.144. Ainda segundo o Ministério da Saúde, o país deve atingir a marca de 23 mil transplantes neste ano, contra os 21.040 do ano anterior.
No entanto, essa realidade positiva não é a mesma nos Estados do Norte e Nordeste, cuja média de doadores e de transplantes é bastante inferior, segundo o relatório semestral da ABTO (Associação Brasileira de Transplante de Órgãos), referente aos transplantes realizados em 2011.
Nele, apenas dois Estados da região Norte - Acre e Pará - aparecem na lista, sendo que o primeiro surge com média de zero por milhão, número praticamente insignificante de transplantes.
O Pará, por sua vez, surge com uma média de 2,4 transplantes realizados por milhão de população, totalizando somente nove cirurgias no período.
Os outros cinco Estados da região – Amapá, Amazonas, Rondônia, Roraima e Tocantins – simplesmente não aparecem no relatório. Isto é, não possuem sequer um sistema capaz de captar órgãos e muito menos transplantá-los.
No Acre, foram realizados recentemente dois transplantes de rim de doador morto e outros dois de pacientes vivos, afirma Regiane Ferrari, coordenadora da Central Estadual de Transplantes do Acre. A pouca quantidade ocorre pela falta de um programa específico no Estado, a que a secretária afirma estar em fase de implantação.
- Não temos um grupo preparado ainda para captação. Mas a gente está em fase de implantação da OPO (Organização de Procura de Órgão), o instrumento para fortalecer a busca. Em 60 dias ele estará habilitado no Acre.
Sergipe, no Nordeste, tem exemplo semelhante. A média de zero transplante por milhão é consequência de graves problemas estruturais, como falta de equipamentos básicos e de pessoal capacitado, explica Benito Oliveira Fernandez, coordenador da central de transplantes de Sergipe.
- Foram realizados dois transplantes de múltiplos órgãos, três transplantes de rim e 99 transplantes de córnea em 2011. A dificuldade dos hospitais de conseguir fechar o protocolo de morte encefálica vem levando a essa deficiência.
Isso ocorre porque apenas o Hospital de Urgência de Sergipe possui os equipamentos necessários para detectar a morte cerebral – um eletroencefalograma e um doppler transcraniano – em todo o Estado.
A pouca estrutura obriga outros hospitais do Estado a terem de transferir o corpo de um paciente para esse hospital a fim de se fazer os exames. A maratona torna a possibilidade do transplante de pulmão e coração, por exemplo, praticamente inviável pela falta de agilidade no processo, conta.
- Apesar de o coração ter autonomia [continua batendo, mesmo num corpo morto], o próprio balançar do transporte pode acarretar uma parada cardíaca, impedindo a chance de o paciente ser um doador.
Fernandez afirma, no entanto, que a secretaria já está analisando a compra de mais equipamentos para o Estado.
Alagoas (1,3 pmp), Bahia (4,6 pmp), Maranhão (0pmp), Paraíba (2,7pmp), Pernambuco (7,5 pmp) e Piauí (2,6 pmp) são outros exemplos de Estados nordestinos que ficam bem abaixo da média nacional de doadores por milhão de população.
Saúde pública influencia na precariedade
A disparidade entre Estados se dá pela descentralização dos programas de transplante, que dependem da vontade política dos Estados para ser concluídos, explica Heder Borba, coordenador-geral do SNT (Sistema Nacional de Transplantes) do Ministério da Saúde.
- Há um acúmulo de profissionais capacitados em regiões mais desenvolvidas e uma dificuldade de fixação desses profissionais em regiões como o Acre e Tocantins.
Enquanto São Paulo possui um programa de captação de órgãos e de transplantes há mais de dez anos, Tocantins e Acre ainda estudam a implantação dos seus. Por isso, o grande objetivo do governo é levar esses programas a regiões mais remotas, afirma Borba.
- O maior desafio é conseguirmos que nesses locais de difícil acesso se desenvolva alguns transplantes. Mas não temos a pretensão de que todos os tipos sejam feitos em todos os Estados porque pode cair a qualidade.
Além da política, a capacitação de profissionais nessas regiões ainda precisa ser reforçada. Borba dá como exemplo o bem-sucedido programa do Rio Grande do Norte, que ultrapassou a média nacional, e agora fechou o semestre com 16,4 doadores por milhão, de acordo com a ABTO. A taxa de doadores praticamente triplicou no Estado em relação aos anos anteriores.
Mas é o Ceará que mais destoa da realidade nordestina. O Estado apresentou a maior média de transplantes por milhão de população da região (16,8), neste semestre. E na taxa de transplante de fígado atingiu 18,2 pmp, índice maior do que de São Paulo (16,5 pmp).
O sucesso nos dois Estados partiu de investimentos estaduais na capacitação de profissionais. No RN, por exemplo, hospitais receberam especialistas de outros Estados já treinados para trabalhar com a captação e transplantes.
Falta de capacitação e investimentos também
Os dois exemplos acima dão o tom: quanto maior o investimento em pessoal e equipamentos, maiores as chances de aumentarem as doações e os transplantes. Isso porque a pessoa capacitada para trabalhar no sistema sabe todo o trâmite necessário, desde conversar com a família, fazer o diagnóstico de morte cerebral até encaminhar o órgão para a pessoa certa, que o espera numa imensa fila.
E, no Brasil, ainda há poucas pessoas capazes de fazer tudo isso, explica Ben-Hur Ferraz Neto, presidente da ABTO.
Para suprir essa lacuna, a associação oferece cursos de capacitação até mesmo para quem não é da área médica, já que o intuito é que as pessoas tenham mais informações sobre como doar.
- Faltou investimento por muitos anos e não acontece [uma mudança] da noite para o dia. E até quem treinamos nos últimos anos fica sem trabalho por falta investimento dos Estados.
A imensa fila de pessoas que esperam um transplante é outro meio que deve ser mais bem administrado a fim de melhorar o sistema.
Filas precisam ser superadas
De acordo com ministério, até o dia 30 de setembro, mais de 31 mil pessoas esperam por um transplante no Brasil. Apesar de ter havido uma queda de 12% em relação a dezembro de 2010 (36.256), a intenção é diminuir a fila e, em casos de órgãos mais fáceis de serem captados e transplantados, como rins, e tecidos, como a córnea, extingui-la, diz Borba.
- É como enxugar gelo. Você tira a pessoa da fila, mas continua a ter doentes do coração, dos rins, da visão. A meta é zerar a fila de córnea em 2015, mas a fila do rim e do coração é muito difícil de zerar porque o número de pacientes é sempre maior do que o de órgãos à disposição para doação.
Apesar de todas as dificuldades, o Brasil se destaca em número absoluto de transplantes como o terceiro país do mundo, perdendo somente para Espanha e Estados Unidos e tem o maior sistema público de transplantes do planeta.
Segundo Borba, "o governo brasileiro investe R$ 1,2 bilhão por ano e aqui o paciente não paga pela cirurgia, nem pelos medicamentos, como nos Estados Unidos".
Fonte R7