Elas enfrentaram os altos e baixos do transtorno psiquiátrico para iniciar uma família e estão indo muito bem
Quem já foi mãe costuma dizer que a gravidez é um período estranho, cheio de transformações, dúvidas, felicidades, anseios e uma pequena esperança crescendo na barriga. Os nove meses repletos de incertezas podem ser ainda mais críticos quando a futura mãe sofre de transtorno bipolar: além de administrar a ansiedade natural da espera, é preciso controlar a doença.
“Procurei uma psiquiatra e disse que queria ter um filho. A condição era que eu estivesse estável”, relata Adriana Di Matiello, 28 anos, diagnosticada com bipolaridade há sete. A meta era ambiciosa: um ano sem crises de depressão ou euforia, características da doença. Para chegar a esse estágio, foram necessários quatro anos terapia e mais de 90 caixas de remédio.
Superada a fase que Adriana acreditava que seria a mais difícil, ela passou a acalentar ainda mais a ideia um bebê. Chegou a engravidar, mas sofreu um aborto com apenas seis semanas de gestação. A notícia, já difícil para qualquer mulher, ganhou contornos ainda mais intensos sob a influência da bipolaridade.
“Para ver se melhorava, fui visitar minha irmã na Espanha e tive um surto muito forte de euforia. Cheguei lá e em18 dias gastei R$3.500. Antes de voltar ao Brasil, discuti com ela e entrei em depressão. Comecei a questionar a minha vida, achando que não merecia ter uma família, nem um marido tão bom”, relata.
Para não deixar o problema evoluir, Adriana voltou a tomar alguns medicamentos, considerados leves, e passou a sofrer com um dos efeitos colaterais mais desagradáveis: a insônia. Sem dormir o suficiente e cada vez mais cansada, ela exagerou nos comprimidos para dormir.
“Tomei oito em uma hora. Não tentei me matar, só queria descansar, mas perdi a noção do perigo, só queria dormir”, relata. O episódio fez com que ela voltasse a tomar remédios mais fortes, mas em doses mais baixas, que seriam suspensos caso ela engravidasse.
Foram mais dois anos de tentativas frustradas, até que Adriana descobriu que Beca estava por vir. “Durante uma semana, sonhei que estava grávida. Mas depois de tanto tempo, havia desistido de ter filhos e achei que estava sonhando porque deixava algo que queria muito.” O exame de sangue, no entanto, confirmou a previsão.
Tomar ou não os remédios
Após a confirmação da gravidez a gestante com transtorno bipolar precisa avaliar com seu médico qual será a estratégia para que os nove meses transcorram sem maiores problemas. Nem todas poderão abrir mão da medicação em função da saúde do filho, é preciso analisar com calma a relação custo-benefício.
“O uso ou não de medicamentos depende do profissional e do paciente. Tenho vários casos em que retirei a medicação, principalmente o lítio, porque ele aumenta as chances de malformação congênita (principalmente com relação ao coração)”, explica Helena Kalil, do departamento de psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Em geral, os medicamentos são suspensos nos primeiros três meses, quando o risco é maior para o feto. Depois desse período, dependendo da situação, eles podem ser restituídos, mas com muita cautela porque isso implicará na exposição do bebê aos efeitos dos medicamentos.
“Há certo risco para a criança, mas isso pode ser contornado. No entanto, se houver necessidade do remédio, a mulher deverá ser acompanhada bem de perto por um profissional, principalmente perto da data do parto”, recomenda Helena.
Além da medicação existem outras opções de tratamento. “A psicoterapia é uma grande aliada da mulher nessa fase”, aconselha. No caso de Adriana, o ‘repouso psicológico’ foi a solução ideal. “É como um isolamento dos momentos de estresse. Parei de trabalhar e evito me expor a situações que possam me deixar nervosa. Fico em casa, no meu cantinho”, relata.
Para Juliana Cavani, 27 anos, grávida de quatro meses e autora do blog Grávida e Bipolar, ter uma rotina é fundamental. “Sei dos meus limites e, por isso, tenho minhas estratégias. Ter horário me ajuda muito, planejo minha semana inteira. Desta forma, tenho mais concentração e controle.”
E se o caso for muito grave, o profissional pode indicar a eletroconvulsoterapia, que representa um risco menor para o bebê do que a medicação, afirmam os especialistas. Apesar das imagens negativas que rondam o imaginário coletivo com relação ao tratamento com eletrochoque, a psicobióloga explica que, nos dias de hoje, essa terapia foi revista e está mais branda. “Atualmente isso só é feito com anestesia e a pessoa não tem mais convulsão no momento do tratamento, o que diminui consideravelmente as possíveis complicações”, avalia.
Coisa de mãe ou de bipolar?
Além das ansiedades comuns a todas as mães, as bipolares têm uma dúvida em comum e que as acompanha durante boa parte da gestação: como distinguir quais os sentimentos normais e típicos dessa nova condição e quais os indícios de uma crise? “Tive uma fase de intolerância logo no início, mas não sabia dizer se estava me sentindo assim porque sou bipolar ou se era normal da gestação”, lembra Juliana.
A resposta pode ser desvendada pelos familiares. “Costumo pedir para o companheiro ficar atento, porque em geral é ele quem nota primeiro. Qualquer alteração relacionada a depressão ou euforia, o médico deve ser consultado o mais rapidamente possível”, diz Helena. Por isso, durante essa fase, uma boa conversa com o profissional de confiança é essencial.
“Muitas das preocupações são mais referentes a expectativa da chegada desse bebê do que sinal de um surto”, avalia.
Depressão pós-parto
Para mulheres bipolares a fase logo após o nascimento do bebê é um período perigoso. A chance de desenvolver depressão pós-parto é sete vezes maior do que em mulheres sem a doença. Surtos de psicose atingem 30% das pacientes. É comum que a mulher tenha de retornar aos remédios e não possa amamentar a criança. Mas nem todas as medicações são prejudiciais nessa fase, somente o lítio é fortemente contraindicado pela Associação Pediátrica Americana (APA). Carbamazepina e valproato, por exemplo, são classificados como compatíveis com a amamentação.
Outro ponto de atenção que pode levar à depressão nesse período é a falta de sono, comum nos primeiros meses do bebê, quando ele deve ser amamentado periodicamente. Adriana conhece bem essa situação. Nos três primeiros meses de vida de Beca, ela e o marido revezavam as horas de sono, uma imposição dela.
“Eu tinha medo de não acordar quando ela precisasse de mim e por isso não queria tomar os remédios e dormia pouco. Mas quando ia dormir, obrigava meu marido a ficar acordado”, recorda. O medo terminou no dia que Adriana, esgotada, colocou a bebê para dormir e adormeceu junto.
“Acordei no primeiro resmungo que ela deu. A partir daí, relaxei, voltei ao tratamento e a dormir junto com o meu marido”.
O peso da herança genética
Cerca de 50% dos bipolares têm algum familiar afetado pela doença, segundo dados da Associação Brasileira de Transtorno Bipolar (ABTB). “Os filhos têm 25% de chance de ter o transtorno se um dos pais o tiver e 50% a 75% se mãe e pai o tiverem”, afirma Ricardo Moreno, psiquiatra e coordenador do Grupo de Doenças Afetivas do Instituto de Psiquiatria do HC-SP.
Juliana não tem receios de que o futuro filho tenha o mesmo problema. “Se nascer bipolar, vai estar numa boa casa, já que eu sei bastante sobre o assunto e vou poder ajudá-lo precocemente”, diz ela. Adriana engrossa o coro: “Sei o quanto é sofrido, mas acho que não seria tão ruim para ela como foi pra mim porque sei o que é a doença e vou estar ao lado dela, criando um ambiente de paz”, diz. Segundo os especialistas, estrutura
familiar e ambiente saudável podem proteger a criança e até impedir a manifestação da doença.
Fonte IG