Quando as Doutoras Música e Riso chegam, o ambiente sério e tenso de quartos e corredores dos hospitais de Brasília se transforma. O choro é interrompido. A dor e as doenças, temporariamente esquecidas. A injeção, neste momento, é de alegria. Não importa que tipo de problema tem o paciente, o remédio prescrito pelas médicas palhaças — cujo efeito é imediato — é, invariavelmente, o riso. Estampado no rosto de cada uma delas, ele logo se espalha como se fosse uma epidemia de alto astral, quebrando a rotina de pacientes, médicos, enfermeiros e acompanhantes.
Muito mais do que uma manifestação de felicidade, o riso e suas variações emanam conforto, revelam-se uma verdadeira terapia para corpo e alma. Aplicado com fins terapêuticos, ou não, desperta um bem-estar quase indescritível tanto em quem dá quanto em quem o recebe. A neurocientista Sílvia Helena Cardoso explica que o riso é fundamental e natural da espécie humana. “Nascemos com aparato físico e mental necessários para sorrir. Cognitivamente, não somos capazes de entender o que nos leva a dar sorrisos em nossos primeiros meses de vida, mas os mecanismos neurológicos e musculares estão prontos para nossas risadas e gargalhadas. O riso é inato”, garante.
Nele, acrescenta Silvia, também estão implícitas nuances das raízes sociais do homem, já que, evolutivamente falando, a humanidade desenvolveu sinais que auxiliam a comunicação. “Rimos para externar sensações agradáveis e aprendemos que o riso também ameniza situações adversas, sinaliza o desejo de paz. Ele pode ser uma mensagem clara de disposição para o diálogo ou para a reconciliação”, diz. Médicos, cientistas e psicólogos são unânimes: o riso é ótimo para a saúde, pois é capaz de atenuar o estresse, liberar substâncias benéficas para todas as células do organismo.
Poder de prevenir
Para Sílvia, o riso saudável e verdadeiro está ligado a atitudes e sentimentos positivos. Ela pondera que os mais sérios não são, necessariamente, infelizes e depressivos. Quem nutre pensamentos negativos, no entanto, costuma ser mais vulnerável a doenças físicas e emocionais. “O riso, de certa forma, tem poder preventivo. É essencial para transformarmos tristeza em alegria. Rir é contagioso, está cientificamente comprovado”.
De acordo com Eduardo Lambert, clínico geral, homeopata e autor do livro A terapia do riso: a cura pela alegria (Pensamento), o sorriso e a risada são tão importantes ao ser humano que a terapia do riso vem sendo administrada em hospitais como um tratamento complementar, possibilitando uma redução de cerca de 30% no tempo de internação de pacientes. “O riso estimula a contração de 28 músculos faciais, ativa no cérebro a produção de endorfina e serotonina (substâncias antidepressivas que dão a sensação de relaxamento e bem-estar). São os hormônios da felicidade”, assegura (veja arte).
Uma boa risada promove uma espécie de tremor que se propaga para o abdome. Tal vibração atinge o corpo como uma onda de alívio. “O bem-estar físico é evidente. Todos os órgãos são beneficiados com a química do sorriso. Isso nos protege de males físicos e psicológicos”, afirma. Quanto aos tipos de riso, Lambert sustenta que existem tantos quanto são as variações de personalidade.
Eles vão desde o sorriso ao riso aberto, do riso quebra-gelo ao riso amarelo, até a gargalhada. “A diferença principal está na intensidade. Quanto mais intenso, maior a síntese de endorfina, maior o relaxamento dos músculos e vasos e melhor será a proteção contra infartos e derrames cerebrais”, avalia.
Mas, afinal, o que é contagioso, a risada ou a felicidade implícita nela? O psicólogo Esdras Guerreiro Vasconcellos, professor de pós-graduação em Psicologia Clínica da Universidade de São Paulo (USP) esclarece. “O riso verdadeiro sempre tem uma centelha de felicidade, ainda que seja uma manifestação curta e que as pessoas não estejam conscientes dessa alegria. A gargalhada é o riso maximizado e produz ainda mais benefícios. Ela mexe com corpo e alma”, resume.
Ranking do humor
O psicólogo defende que o riso tem efeito imunológico e lembra um registro da literatura médica. Um paciente norte-americano diagnosticado com câncer avançado e sem perspectivas de vida resolveu gastar seus últimos meses de vida assistindo a filmes cômicos. “Ao final desse período, os médicos verificaram que a doença tinha recuado. Não nos restam dúvidas, o riso e a terapia do riso complementam tratamentos alopáticos”, garante.
O psicólogo acrescenta que alguns povos são mais predispostos ao sorriso. O brasileiro está bem colocado no ranking sorridente. “Estudos sugerem que a população dos países de clima tropical ri mais. Somos um povo bem servido nesse aspecto. A interação dos benefícios psíquicos e biológicos de risadas e gargalhadas vem sendo cada dia mais pesquisada pela ciência”, salienta. Mas é o calor humano que muda a realidade de quem está convalescendo em um hospital.
Os momentos tristes da pequena Daniele Lima Fonseca, 5 anos, receberam alta assim que as doutoras da alegria entraram no quarto em que ela está internada há 60 dias. “O sorriso da minha neta faz a gente esquecer a tristeza de ver uma criança tão cheia de vida, doente. Ele traz a esperança de que tudo vai ficar bem, de que vai superar a doença”, diz Eva Ventura Fonseca, 54, que também não escondeu as risadas diante das palhaçadas direcionadas a Daniele. A avó de Pedro Vinícius Soares, 2, faz coro. “Até para os acompanhantes o riso traz conforto. O doente se distrai. Quando é criança, devolve a ela a alegria típica da idade. Paramos de pensar na doença para pensar na vida”, resume Marlene Beldoína, a avó do menino internado há 10 dias com cálculo renal.
Para a chefe da unidade pediátrica do Hospital de Base do Distrito Federal, Elisa de Carvalho, em um ambiente hospitalar, o riso é fundamental para mudar o quadro de alguns pacientes. “Digo sempre que é uma ferramenta. Nossa unidade é de alta complexidade. A maioria das crianças internadas no local têm doenças graves. Trazer um sorriso é mostrar ao paciente que alguém se importa com o bem estar dele. O riso é um remédio com bons efeitos colaterais”, pondera a pediatra.
A trupe Doutoras Música e Riso só consegue levar alegria aos hospitais de Brasília porque é patrocinada pela Petrobras. “Subvertemos a ordem e a realidade de um ambiente que geralmente é sério, frio e triste. Nem sempre podemos ganhar uma gargalhada esfuziante do paciente, mas um olhar mais alegre já demonstra que nosso objetivo foi alcançado. Em geral, saímos daqui mais alegres do que entramos”, relata Antônia Vilarinho, 49, atriz, palhaça e coordenadora do grupo. O projeto brasiliense mantém parceria com Le rire médecin, grupo francês que reúne palhaços profissionais que atuam em 14 hospitais da França e cuja missão é devolver às crianças doentes a capacidade de sorrir e brincar.
Origens
A terapia do riso foi inspirada no trabalho do médico norte-americano Hunter “Patch” Adams que, em meados dos anos 1960, percebeu que sorrir fortalece o sistema imunológico e acaba contribuindo com o processo de recuperação dos pacientes. O trabalho inspirou, no Brasil, o grupo dos Doutores da Alegria, e em todas as partes influencia os adeptos da terapêutica
Informe-se
As médicas do Música e Riso também formam palhaços que desejam atuar em unidades hospitalares. Interessados devem ligar para 9981-6187.
Fonte Correio Braziliense