Técnica desenvolvida no Reino Unido permite diagnóstico precoce de doença que atinge 60 milhões de pessoas
Um estudo pioneiro realizado no Reino Unido conseguiu detectar o glaucoma muito antes de qualquer sintoma se manifestar, abrindo caminho para que o tratamento da doença seja feito de forma extremamente precoce, o que aumenta as chances de sucesso. O glaucoma afeta 60 milhões de pessoas em todo o mundo, e uma em cada dez sofre perda total da visão em ambos os olhos. A doença não tem cura, mas existem tratamentos eficazes. E a detecção precoce significa que os médicos podem iniciar tratamentos antes que a perda de visão comece.
Os ensaios clínicos feitos por pesquisadores do University College London (UCL) e do Western Eye Hospital permitiram que os médicos vissem, de forma individual, a morte das células nervosas na parte de trás do olho, as células ganglionares retinianas. É justamente essa morte — chamada de apoptose — que causa o glaucoma. No entanto, a doença pode se manifestar apenas anos depois da morte dessas células. Os resultados da pesquisa foram publicados da revista científica “Brain”.
— A detecção precoce do glaucoma é vital, uma vez que os sintomas nem sempre são óbvios. E, embora a detecção tenha melhorado, a maioria dos pacientes já perdeu um terço da visão no momento em que são diagnosticados — diz uma das autoras do estudo, Francesca Cordeiro, do Instituto de Oftalmologia da UCL. — Agora, pela primeira vez, somos capazes de mostrar a morte celular individual e detectar os primeiros sinais de glaucoma. Ainda que não possamos curar a doença, o nosso teste significa que o tratamento pode começar antes de os sintomas começarem.No futuro, esse teste também poderia ser usado para diagnosticar outras doenças neurodegenerativas [como Parkinson, Alzheimer e esclerose múltipla].
O pesquisador-chefe do Western Eye Hospital, Philip Bloom, destaca que o tratamento é muito mais bem-sucedido se iniciado em estágios iniciais da doença, quando a perda de visão é mínima. O teste desenvolvido por nós significa que poderíamos diagnosticar pacientes 10 anos antes do que era possível até agora — ressalta ele. No teste, os cientistas usaram uma substância fluorescente (ANX776) injetada na veia dos pacientes. Essa substância funciona como um marcador: ela “gruda” somente nas células que estão morrendo na parte de trás do olho, e assim se tornam visíveis para os médicos. Com exceção da substância, todo o resto do exame é feito com equipamentos usados nos exames oftalmológicos de rotina.
Para Augusto Paranhos, membro do Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO), esta é uma “quebra de paradigma”. Segundo ele, a inovação está no fato de que, pela primeira vez, em seres humanos, foi possível marcar a célula que morre no glaucoma. Na visão, é preciso que haja morte de um contingente [de células] importante para que o paciente perceba uma deficiência visual na região afetada e, para complicar um pouco, se no outro olho, a região correspondente estiver sadia, mesmo com defeito importante, o paciente não percebe. Desta forma o diagnóstico pela queixa do paciente costuma ser muito tardio — explica ele. — Atualmente já se consegue fazer um diagnóstico precoce, mas realmente nada se compara com o fato de se ter a verdadeira noção da saúde das células ganglionares. É realmente animador e uma quebra de paradigma.
Paranhos afirma que o exame ainda deve demorar alguns anos para ser incorporado os sistema de saúde britânico e, depois, chegar ao Brasil. E, uma vez que isso aconteça, será um exame mais recomendado apenas para aqueles que têm risco real de desenvolver glaucoma — por conta de histórico familiar, por exemplo — e para aqueles que já forma diagnosticados e podem, com ajuda do teste, acompanhar a velocidade com que suas células estão morrendo. Isso permitiria saber se o tratamento realizado está sendo de fato eficaz ou não.
— [O exame] Só faria sentido para pacientes com uma suspeição grande, como pressão alta, nervo com aspecto suspeito e história familiar de glaucoma conjugada com outros fatores. Além disso, seria bom para pacientes já diagnosticados. Penso que a principal utilidade será na definição de controle da doença após o tratamento e no diagnóstico precoce — avalia Paranhos.
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O Globo