Exame desenvolvido por pesquisadores da China indica a tipagem sanguínea em tempo recorde. Segundo os criadores, o método poderá ser usado no atendimento de emergência e no socorro a vítimas em áreas de difícil acesso, como as de guerra
Em acidentes graves, como batidas de carro, a velocidade do socorro pode fazer a diferença. Um dos obstáculos enfrentados por profissionais de saúde, nesse tipo de auxílio, é descobrir, o quanto antes, o tipo sanguíneo das vítimas. Para agilizar essa etapa, pesquisadores da China desenvolveram um teste que fornece a resposta em apenas 30 segundos. A tecnologia, apresentada na última edição da revista americana Science Translational Medicine, também se destaca pelo uso de materiais baratos e pela praticidade, o que a transforma em uma opção ideal para lugares de difícil acesso, como zonas de guerra e áreas de terremotos e outros desastres do tipo.
Guiados pela facilidade, os autores, além de simplificar os exames disponíveis, deram foco a grupos sanguíneos que podem gerar mais complicações caso não sejam identificados corretamente. “Entre os 35 sistemas oficialmente reconhecidos, o ABO e o Rhesus (Rh) recebem maior atenção devido à alta mortalidade causada pela transfusão de sangue incompatível”, justificam os autores, no artigo publicado.
Outra motivação da equipe, liderada por Hong Zhang, pesquisador da Third Military Medical University, na China, foi desenvolver um sistema mais viável financeiramente. “Abordagens convencionais para o agrupamento de sangue, que envolvem microplacas e ensaios com gel, são complicadas e demoram para dar respostas. Portanto, desenvolver uma estratégia econômica garantiria maior acessibilidade e utilização”, complementam.
O método consiste em uma análise tripla da amostra sanguínea, feita em tiras de papel criadas pelos cientistas. Esse material é envolvido em anticorpos, moléculas já usadas na área médica para esse tipo de teste, e recebe o sangue que será analisado. Uma membrana de separação nas tiras permite a identificação. No primeiro papel, pingam-se gotas de sangue dentro de um círculo e adiciona-se um corante. A reação desse agente faz com que o sangue se mova para alguma das duas extremidades, que demarcam o lado A e o lado B, ou para ambos, indicando o tipo AB. Caso não se mova, o sangue é classificado como O.
Na segunda folha de papel, é feito um teste de confirmação, repetindo o procedimento. Na terceira, o sangue é pingado em um papel com extremidade determinada pela letra D. Caso se mova para o lado após reagir com o corante, ele é determinado como positivo. Se não, como negativo. O teste mostrou alta eficácia durante os testes em laboratório. Após a análise de 3.550 amostras, a taxa de exatidão foi de 99,9%. As únicas inconsistências ocorreram em ensaios com tipos sanguíneos altamente raros.
De acordo com os cientistas, todas as etapas podem ser feitas ao mesmo tempo, fazendo com que o resultado saia em 30 segundos, um tempo recorde para a determinação do tipo sanguíneo. “Os ensaios baseados em papel são rápidos, convenientes, baratos e prometem ajudar pontos de atendimento médico com uma leitura visível a olho nu”, ressaltaram. Para eles, o método também pode ser crucial em situações de tempo e recursos limitados, como áreas remotas e atendimentos emergenciais. “Caracterizado por um desempenho intenso e refinado, nosso método pode ser desenvolvido em plataformas compactas, eficientes e econômicas”, ressaltam.
Meia hora
Eduardo Flávio Ribeiro, hematologista do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, e membro da Sociedade Americana de Sociologia Hematológica, acredita que, se for comercializado, o novo método de tipagem sanguínea pode sanar um problema recorrente na área de resgate. “Quando temos um acidente com múltiplos feridos, precisamos decidir que tipo de sangue usar, e isso pode demorar de 30 a 40 minutos, um tempo valioso. Quando você não sabe, utiliza o O negativo, que é o doador universal, mas os estoques dele são baixos justamente por ser muito usado em transfusões”, explica.
Ribeiro ressalta que, pelas características brasileiras, as vantagens do método ganham ainda mais proporções. “Nosso país é cortado por muitas rodovias, pode demorar muito para alguém envolvido em um acidente receber socorro. Um teste que mostre com segurança o tipo sanguíneo e que possa ser levado a locais distantes dentro das ambulâncias ajudaria bastante nas decisões sobre transfusão.”
Os pesquisadores darão continuidade ao trabalho. Pretendem aperfeiçoar o método para que ele fique ainda mais exato. “Em primeiro lugar, temos de melhorar a capacidade de identificação, o que podemos fazer usando anticorpos melhorados por meio da engenharia. Queremos também analisar fatores derivados que podem potencialmente interferir na leitura visual do ensaio, como alguns medicamentos”, adiantam, também no artigo divulgado.
Mapeamento de mutações
Pesquisadores suecos descobriram mil mutações genéticas em grupos sanguíneos. Os achados foram feitos graças a um software que analisou o sangue de 2.504 pessoas. “Nunca antes houve um mapeamento mundial de genes do grupo sanguíneo em indivíduos saudáveis. A maioria das variantes conhecidas anteriormente foi encontrada durante transfusões falhas”, explicou, em comunicado, Mattias Möller, doutoranda da Universidade de Lund, na Suécia, e autora do estudo, publicado na edição de fevereiro da revista Blood Advances.
A análise da amostra indicou 89% de variantes genéticas já conhecidas. Entre as 11% restantes, havia um total de mil mutações completamente novas. A autora explica que a identificação dos genes é importante para transfusões de sangue, a fim de evitar problemas durante a gravidez e transplantes que envolvem riscos de reações transfusionais, complicações que levam ao rompimento de células sanguíneas. As descobertas entraram em um banco de dados on-line, acessível a investigadores da área.
Nas hemácias
São os dois grupos sanguíneos mais comuns. O ABO é dividido de acordo com a presença de substâncias chamadas aglutinogênios, encontradas na superfície das hemácias. O Rh depende da presença de antígenos também nas hemácias. Caso uma pessoa receba sangue incompatível com o dela, o corpo pode, por exemplo, passar a interpretar as células de defesa como agentes invasores.
Por Vilhena Soares
Saúde Plen