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Secretaria diz que portaria não traz novidades, apenas aperfeiçoa norma existente desde 2008 |
Elas são contra portaria da prefeitura de São
Paulo que exige parecer de equipe multidisciplinar e formulários com
dados sobre saúde física, psicossocial, situação escolar e familiar
A Associação Médica Brasileira (AMB), a Associação
Brasileira de Psiquiatria e outras entidades profissionais de
psiquiatria e neurologia manifestaram-se contra a restrição da oferta
pública pela prefeitura de São Paulo do fármaco metilfenidrato, vendido
sob as marcas de Ritalina e Concerta e indicado para hiperatividade e
déficit de atenção em crianças e adolescentes.
Portaria editada
pela prefeitura diz que, a partir de agora, uma equipe multidisciplinar
da Secretaria de Saúde avaliará a necessidade que o paciente tem do
medicamento e preencherá um formulário com dados sobre a saúde física,
psicossocial, situação escolar e familiar dele. Antes da determinação, o
metilfenidato era receitado pelo médico do paciente.
Em carta
aberta à população, as entidades médicas pedem a revogação da Portaria
986/2014 e destacam que a resolução não tem embasamento científico, nem
nos conhecimentos da neurobiologia. Para as associações, a portaria
constitui "obstrução abusiva ao acesso ao tratamento farmacológico pela
população de baixa renda, além de impor restrição ao pleno exercício e
autonomia da medicina e da ciência brasileiras".
“Os diagnósticos de TDAH [transtorno de déficit de atenção e hiperatividade)
e de dislexia não são controversos, ao contrário do que é dito ali.
Além de oficialmente reconhecidos pela Organização Mundial da Saúde
[OMS], há diretrizes internacionais para sua realização e inúmeros
estudos científicos que demonstram alterações no funcionamento cerebral
do TDHA. O fato de o sistema americano de classificação das doenças
psiquiátricas indicar que não há uma etiologia específica para esses
quadros, em nada compromete a realização de diagnóstico e tratamento”,
diz a carta das associações.
O
texto lembra a luta das entidades médicas pela assistência
multidisciplinar às pessoas comtranstornos neurológicos e psiquiátricos e
dz que tal meta só será atingida com atitudes políticas públicas
inclusivas. “A portaria burocratiza o acesso digno ao tratamento,
principalmente à população com desvantagem social, e se posiciona com a
sistematização científica de maneira mistificadora e indigna”,
acrescenta a carta.
A psiquiatra e coordenadora da Unidade de
Psiquiatria da Infância e Adolescência da Universidade Federal de São
Paulo (Unifesp), Ivete Gataz, concorda com as entidades e serviços de
pesquisa e considera a portaria um retrocesso. Segundo Ivete, a norma
está na contramão do caminho mundial de pesquisa e uso do metilfenidato.
“Para nós, foi uma surpresa infeliz entender que, em uma cidade como
São Paulo, serão prejudicadas milhares de crianças que usam a medicação e
recebem muitos benefícios com o tratamento. E são as mais necessitadas,
de baixa renda.”
Ivete ressaltou que aqueles cuja família tem
poder aquisitivo continuarão fazendo o tratamento e terão oportunidade
de desenvolvimento e sucesso. Na opinião da psiquiatra, além de retirar o
direito ao tratamento, a portaria da prefeitura fere o direito do
médico de fazer o diagnóstico, porque a criança passará por uma
avaliação com outros profissionais (médicos e não médicos) para avalizar
a opinião médica. “Isso fere o direito do médico de diagnosticar e
prescrever. Será que a rede pública está aparelhada e vai ter condições
suficientes de fazer todas essas avaliações? Não é o que percebemos,
pois temos dificuldades de encaminhamento porque muitos Caps [centros de
apoio psicossocial) nem médicos têm.”
O médico José Rubem
Alcântara Bonfim, da Assistência Farmacêutica da Secretaria Municipal de
Saúde, porém, disse que a portaria não traz novidades, apenas
aperfeiçoa norma existente desde 2008. “O metilfenidato é um
anfetamínico e, por isso, necessita de cuidados especiais em sua
prescrição. Esse fármaco vem sendo objeto de preocupação de
especialistas no mundo inteiro, que recomendam seu uso apenas depois de
intervenções educativas e psicológicas.”
Bonfim ressalta que, nos
consultórios particulares, quem decide a prescrição são os próprios
profissionais, mas, na secretaria, isso será feito pela equipe
multiprofissional dos 24 Caps da cidade, como é recomendado no mundo
inteiro. “A recomendação é que o tratamento inicial não seja
farmacológico, ou seja, deve-se adiar ao máximo a prescrição do
metilfenidato. Os médicos no Brasil têm autonomia de prescrever qualquer
remédio e isso se opõe às recomendações dos melhores centros do mundo.”
Segundo
o médico, o que se conhece a respeito do metilfenidato é o efeito
positivo no tratamento inicial de quem tem um conjunto muito grande de
sinais. Os benefícios ocorrem nos primeiros meses, mas não se sabe quais
serão os efeitos depois de dois anos e nem mesmo a longo prazo. “Todo
fármaco encerra riscos e o metilfenidato tem muitos efeitos adversos,
então, é preciso que a equipe faça uma avaliação da relação
benefício/risco. O metilfenidato deve ser empregado quando os benefícios
superarem os riscos”, explicou Bonfim.
Para ele, as críticas das
entidades médicas quanto à restrição de oferta não têm sentido, porque o
medicamento não está na lista do governo federal, nem na do estadual e
não é tão caro quanto se diz. “Minha avaliação é que temos, em primeiro
lugar, de nos preocupar com a segurança do paciente.”
Agência Brasil