Aplicações como PEP, Sistemas de Gestão Hospitalar, TeleHealth, ou Registro Nacional de Saúde são alvo das nações que estão conseguindo ganhos de gestão e redução de custos
A integração entre as tecnologias de informação e os processos de comunicação tem revolucionado a organização dos sistemas de saúde no mundo. O futuro da Saúde parece estar atrelado a um conceito chamado eHealth. Para entender para onde o setor caminha, o Saúde Web entrevistou o consultor internacional em estratégias de utilização das Tecnologias de Informação e Comunicação em Saúde (eHealth) Guilherme S. Hummel.
Hummel atuou em programas de várias instituições, como OMS – Organização Mundial da Saúde, HMN – Health Metrics Network, Fundação Rockefeller, Deloitte Consulting, SEBRAE, HIMSS, etc. Além de ser o autor dos livros “eHealth – O Iluminismo Digital chega a Saúde” (2006), “ePatient – A Odisseia Digital do Paciente em Busca da Saúde” (2008) e “eDoctor – A Divina Comédia do Médico e a Tecnologia” (2011).
Saúde Web: Quais são as formas de comunicação e soluções envolvidas no conceito eHealth?
Guilherme S. Hummel:Aplicações como Prontuário Eletrônico do Paciente, Sistemas de Gestão Hospitalar, Sistemas de Telemonitoramento Remoto (TeleHealth), ou mesmo soluções como o Registro Nacional de Saúde são alvo de quase todas as nações que estão conseguindo ganhos de gestão e redução de custeio em seu “ecossistema assistencial”.
Ferramentas de Suporte à Decisão Clínica, Telemedicina, Telecuidado Móvel (mHealth), Medical Call Center, Registro Pessoal de Saúde (PHR), entre tantas outras estão transformando o setor de Saúde rapidamente. Deixaram de ser uma prática da modernidade para se tornarem o eixo que suporta o gerenciamento da Atenção ao Paciente.
Saúde Web: Pode-se dizer que o conceito de eHealth está atrelado ao futuro da gestão da Saúde?
Guilherme S. Hummel: Existe um componente que vem acelerando o processo de adoção de eHealth dentro da Cadeia de Assistência à Saúde: o crescimento exponencial da utilização de aplicações (Apps) de Saúde (mobile health) por parte do usuário final. Chamemos este de ePatient, ou de qualquer outro neologismo, ele está “pressionando” os Sistemas de Saúde. Seu empowerment é uma agulha injetando energéticos no debilitado corpo da Atenção Primária, por exemplo.
Os custos do setor e as péssimas condições de atendimento criaram ao longo do Século XX uma catarse de descrédito e desconfiança. A Cadeia de Assistência, geralmente governada por profissionais da comunidade médica, por sua vez, é reativa às mudanças, principalmente quando estas envolvem perda de poder, ou redução de prestígio.
Mas tudo isso está mudando, mais rapidamente em alguns países e menos em outros (como o Brasil). O conceito de eHealth quebra paradigmas, remove obstáculos culturais e desocupa catedrais de imobilismo que desde a Revolução Industrial fizeram do setor de Saúde uma das mais atrasadas áreas da administração humana. Países como Índia, Paquistão, Chile (sem falar dos grandes como França, Alemanha, Canadá, etc.) estão obtendo excelentes resultados usando soluções de eHealth para atendimento à distância, controle de endemias, gestão de medicamentos e administração efetiva de patologias crônicas.
Sempre é bom lembrar que a Tecnologia por si só não resolve nada, mas nada será operacional em escala sem a sua utilização. Um exemplo dessa revolução será cada vez mais testemunhado pela sociedade nos próximos anos: a Teleconsulta (consulta entre médico e paciente, realizada de forma não presencial, utilizando telecomunicação fixa ou móvel). É difícil não imaginar que em poucos anos médicos e pacientes estarão muito mais vinculados de forma digital do que presencial. A Teleconsulta jamais vai substituir a consulta presencial, mas será de enorme relevância para uma relação ótima entre as duas partes. Observação: legislar de forma contrária a sua utilização é não menos que perda de tempo. A própria Organização Mundial da Saúde incentiva as praticas de teleassistência a distância.
Aplicações, equipamentos de monitoramento remoto, estações de vídeo conferência clínica e várias outras soluções tecnológicas estreitarão muito mais a relação entre médicos e pacientes. Mais que isso, médicos serão remunerados por essa consulta remota complementar, como já acontece em vários países.
A “Primavera da Saúde” começou em alguns países há algumas décadas exigindo transformação. É difícil imaginar que não teremos um sistema mais justo, com uma atenção mais efetiva, depois dela. Certamente que outros problemas virão, mas é preciso resolver pelo menos os mais antigos para pensarmos nos novos. As TICSs instrumentalizam os atores, promovem o relacionamento entre eles e ajudam a reduzir (ou ao menos controlar) a crescente espiral de custeio. Gosto de um pensamento do pesquisador Ramalingaswami: “É necessário mais dinheiro para a saúde, mas é preciso, sobretudo, mais saúde para cada unidade de dinheiro investida”. Bingo!
Saúde Web: O Brasil está atrasado no que diz respeito a implementação de tecnologia em saúde quando comparado a países de primeiro mundo? O que falta para nós?
Guilherme S. Hummel: O Brasil continua muito atrasado em implantar soluções de eHealth. Os motivos são vários. Não temos políticas nacionais claras e abrangentes (públicas e privadas), com regulamentação, planejamento, fontes de investimentos e mecanismos de incentivo. Nossas lideranças (políticas e empresariais), em geral, possuem baixa fundamentação, e como diz o velho ditado… “a ignorância é atrevida”.
O poder público, como agente de investimento e fomento, ainda não “acordou” para as tecnologias no setor de Saúde. Existem casos residuais, esporádicos, regionais, mas tudo ainda é muito setorial e factual. Mais que isso: os fatores culturais e comportamentais, enraizados dentro das Instituições públicas e privadas, “conspiram” contra o avanço das implementações.
Os custos de implementação de eHealth vêm baixando dia a dia, sendo que o “preço” das TICSs já não é mais o principal fator impeditivo. O problema é “óptico”. O Estado não enxerga como eHealth pode ajudar, e se enxerga, não vê. E se vê, não se move. As forças oligárquicas dentro da Cadeia de Atenção também exercem forte pressão e o Poder Público não tem força para reagir e transformar.
Para que haja uma revolução no setor de Saúde é necessário que haja revolucionários. Foi um revolucionário quem transformou o setor de Telecomunicações no Brasil (o então ministro das Comunicações Sérgio Motta). O Brasil precisa de um visionário na área de Saúde. Sem ele, nada vai mudar muito em curto e médio prazo.
Caro é a não utilização das Tecnologias de eHealth. O custo de não implementá-las destrói a matriz de custeio do setor, pois fragiliza a gestão dos players da Cadeia de Assistência. Não se pode mais falar em Gestão da Saúde sem falar em Gestão Tecnológica. Uma está umbilicalmente ligada a outra.
Assim, o problema de implementação das tecnologias no setor de Saúde não é mais uma questão de custo, infraestrutura ou modelo, mas é, principalmente, uma questão política e cultural. O país deu grandes passos na área tecnológica, como a implementação do TISS, ou o excelente desenvolvimento do projeto TUSS. Mas, para cada avanço existem pontos de lentidão injustificáveis. Não precisava ser tudo tão moroso. Some-se a isso o fato de que o Estado não percebe que deve prover fontes de investimento para a implantação das TICSs no setor de Saúde, como está fazendo a gestão Obama nos EUA. O Estado é capaz de viabilizar recursos de grande monta para a construção de Estádios de Futebol para a Copa 2014, mas é incapaz de perceber a importância de disponibilizar fomento financeiro para a indústria de eHealth (refiro-me a crédito, e não de investimentos de fundo perdido).
Saúde Web: Quando, na sua opinião, o modelo estará funcionado de forma abrangente no Brasil?
Guilherme S. Hummel: A boa notícia é que a transformação é inevitável. Pode demorar mais do que o desejado, mais é irreversível. O Estado e a Cadeia de Assistência à Saúde vão sentir a transformação de forma exógena, e não endógena. Não virá de dentro para fora, mas de fora para dentro (pressão do usuário final). O empowerment do paciente crescerá de forma robusta, cada vez com mais intensidade, acuando as lideranças a realizar as mudanças, entre elas, a utilização de forma escalar das Tecnologias de Informação e Comunicação em Saúde. Esse é um movimento sem volta (como foi no caso da revolução das Telecomunicações na década de 90).
Um fato claro é o desenvolvimento espetacular na tecnologia de aplicações móveis voltadas à Saúde. mHealth vai mudar o perfil da sociedade, esteja ela no G20 ou nas mais pobres regiões do planeta. A indústria de TICSs está a todo vapor. Monitoramento residencial, telecontrole de patologias crônicas, equipamentos e aplicativos para controle de obesidade, controle de ingestão de medicamentos, gestão da nutrição, e muitas outras soluções estão chegando ao mercado com grande velocidade. É verdade que existe alguma “enganação” também, mas a massa de aplicações de grande impacto na prevenção e na administração de doenças crônicas é inquestionável.
A indústria de eHealth é uma das que mais cresce no mercado mundial. Desde o início deste século as Tecnologias de Informação e Comunicação em Saúde (TICSs) vêm se mostrando poderosas aliadas para a geração de valor dentro dos Sistemas de Saúde (públicos e privados). eHealth é a utilização eficiente e efetiva das TICSs na área médica, notadamente em todas as verticais centradas no paciente.
Fonte SaudeWeb