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Foto: Jessica Kourkounis / NYTNS
Câncer de mama canino também é causado pelo estrogênio |
Tumores nas glândulas mamárias estão entre as formas mais corriqueiras de câncer em cadelas
Quando uma mulher idosa entregou os 10 cães que viviam com ela em um trailer na zona rural de Maryland, os shih-tzus estavam descabelados, cheios de pulgas e já fazia anos que não tomavam suas vacinas. Uma fêmea bege e marrom chamada Akyra, com muita disposição e o queixo comicamente pronunciado, estava tão mal que os voluntários se negaram a aceitá-la.
As glândulas mamárias de Akyra estavam cravejadas de tumores, incluindo um do tamanho de uma bola de golfe. Seria difícil colocá-la em um lar adotivo e os tratamentos de que ela precisava seriam muito caros. Afinal, os tumores poderiam ser malignos.
— Quando meu marido me ligou e disse que deixariam um dos cães para trás por conta dos tumores mamários, eu disse: 'Não vão, não!' — contou Bekye Eckert, de 49 anos, uma apaixonada por cães que vive nos arredores de Baltimore e tratou diversos animais com câncer nas glândulas mamárias.
Eckert conseguiu que Akyra fizesse parte de um programa inovador na Universidade da Pensilvânia, onde oncologistas veterinários estão aprendendo a respeito da progressão do câncer de mama em seres humanos através do tratamento dos tumores mamários de cães que vivem em abrigos.
Assim como o câncer de mama nos seres humanos, tumores nas glândulas mamárias estão entre as formas mais corriqueiras de câncer em cadelas. Boa parte dos donos de animais nunca vê esse tipo câncer pois ele é raro em animais que são castrados quando ainda são jovens. O câncer de mama canino é causado pelo estrogênio, assim como nos seres humanos, de forma que a remoção dos ovários diminui muito os riscos.
Mas entre os cachorros de rua, em fêmeas usadas para procriação em canis e em outras fêmeas não castradas, uma em cada quatro desenvolve tumores.
O câncer de mama canino reage a muitos dos medicamentos quimioterápicos utilizados nos humanos, além de apresentarem algumas das mesmas anormalidades moleculares. Assim como nos seres humanos, o risco de tumores aumentam com a idade, embora algumas raças, especialmente de cachorros pequenos, desenvolvam câncer com mais frequência que outras.
Uma vez que os cachorros geralmente possuem 10 glândulas mamárias e costumam apresentar tumores em diversas delas ao mesmo tempo, os animais representam uma ótima oportunidade de pesquisa, permitindo que os cientistas estudem lesões que ocorrem em diferentes estágios do desenvolvimento — de benigno a malignos, e nos estágios de transição — todos no mesmo animal.
— Os cachorros nos dão uma resposta possível para a pergunta: o que deu errado em nível molecular? — afirmou a Dra. Karin Sorenmo, chefe de oncologia médica no Penn Vet's Ryan Hospital e fundadora do programa de pesquisa sobre o câncer de mama canino na universidade em 2009.
— Podemos estudar os tumores benignos e perguntar: O que há de diferente nesse tumor que não muda e não se torna maligno como os demais? —indagou ela.
Esse campo de pesquisa, conhecido como oncologia comparativa, é usado para aumentar nossa compreensão da biologia do câncer e adaptar o tratamento dos seres humanos. No meio tempo, cães de abrigos para animais abandonados recebem o tratamento.
— Todos os tipos de câncer que ocorrem nos cães, acontecem nos seres humanos e o contrário também é verdade, na maioria das vezes — afirmou o Dr. Chand Khanna, que desenvolveu o programa de oncologia comparativa no Centro de Pesquisa do Câncer, no Instituto Nacional do Câncer.
A cada ano, cerca de seis milhões de cães e um número similar de gatos desenvolvem câncer, incluindo linfomas não Hodgkin, câncer de pulmão, de próstata, na cabeça e no pescoço, bem como sarcomas de tecidos moles, osteosarcomas, além de carcinomas mamários.
Esses cânceres que ocorrem de forma espontânea possuem uma diversidade de células que se aproxima mais da doença nos seres humanos do que, por exemplo, um câncer cultivado a partir de uma única célula em um rato, afirmou Khanna.
Quando Eckert levou Akyra ao Penn Vet's Ryan Hospital em meados de agosto, o cachorro já não tinha mais pulgas. Ela havia tomado banho, sido vacinada, castrada e penteada. O pelo havia enrolado em dois cachinhos na cabeça.
Akyra não era a única paciente com câncer de mama canino naquele dia. Puddles, uma maltês fofinha de cinco anos com um grande tumor seria submetida a uma cirurgia. Assim como outros cachorros que participam do programa, ela carregava uma plaquinha que dizia "Sou uma sobrevivente" com o desenho de uma fita cor-de-rosa, sempre presa à coleira para que qualquer pessoa que a adote saiba que ela faz parte de um experimento clínico e precisa voltar à Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade da Pensilvânia para fazer acompanhamento.
Astrid, uma maltês com 10 tumores nas glândulas mamárias, também estava se preparando para a cirurgia, enquanto Amy, uma Rottweiler magricela com histórico de câncer de mama canino, foi trazida para ver se se qualificaria ao programa.
Um golpe de sorte levou Sorenmo a sua principal colaboradora, Olga Troyanskaya, professora de bioinformática da Universidade de Princeton que usa algoritmos de computador para estudar a função dos genes e a regulação. Ela trouxe sua pastora alemã de 13 anos, Jessie, para que Sorenmo a tratasse em 2006.
— Soube que ela era a melhor oncologista veterinária da região, e dei um jeito de encontrá-la. Eu acho que não chegamos a descobrir qual era o câncer primário de Jessie, mas nos demos muito bem em relação à pesquisa e foi aí que tudo começou — afirmou Troyanskaya.
Em geral, dois conjuntos de amostras do tumor são tirados de cada cão, um para o laboratório de patologia, e outro para que Troyanskaya realize a análise molecular. Astrid, por exemplo, tinha tumores em sete glândulas mamárias que eram, em sua maioria, benignos. Porém, o maior de todos mostrou ser maligno.
Um conjunto de amostras tão grande é uma mina de ouro para Troyanskaya, que busca mudanças na expressão de um gene específico ou de um grupo de genes, ou ainda de caminhos que liguem grupos de genes à medida que os tumores se tornam malignos.
— Se conseguirmos encontrar um punhado de mudanças no comportamento de genes ou de suas ligações de forma a termos certeza de que eles estão envolvidos na progressão do câncer, então podemos analisar o câncer em seres humanos e ver qual é o papel desse conjunto de genes lá — afirmou.
A grande esperança de Troyanskaya é identificar as mudanças na expressão dos genes que expliquem a progressão da pré-malignidade para a malignidade, e usar essa nova compreensão para melhorar o diagnóstico e o tratamento, desenvolvendo até mesmo medicamentos capazes de interromper o processo.
Enquanto isso, cachorros de rua recebem tratamento gratuito contra o câncer, o que aumenta suas chances de conseguirem um lar permanente, além de terem a certeza de que serão tratados caso o câncer volte. Mais de 100 cachorrinhas já foram tratadas através do programam; e muitas foram adotadas por mulheres que também tiveram câncer de mama.
Para Akyra, as notícias foram ótimas. Ela foi operada em agosto, e os veterinários removeram o tumor grande e três lesões menores. O relatório da patologia afirmou que ela estava livre de doenças: nenhum deles era maligno. Ela foi adotada por Beth Gardner, consultora de recolocação profissional em Devon, na Pensilvânia.
— Ela é um doce — afirmou Gardner. Akyra e um shih-tzu mais velho, Peyton, passam os dias correndo pelos muitos hectares de suas terras.
— Não é fantástico? Se não fosse por esse programa, a cachorrinha provavelmente teria sido sacrificada — perguntou Eckert.
The New York Times / Zero Hora