O estudo da mente não é uma coisa nova, já que a nossa consciência nos intriga aproximadamente desde que o mundo é mundo
Um artigo publicado na revista “Brain” examina a neurologia e a
psiquiatria na Babilônia. O trabalho é uma colaboração entre o
neurologista britânico Edward H. Reynolds e o assiriólogo James V.
Kinnier Wilson.
A pesquisa é fascinante porque as fontes discutidas nela têm quase 4
mil anos de idade, datando da Primeira Dinastia Babilônica, que vai de
1894 a 1595 aC. Usando a escrita cuneiforme, que era gravada em
tabuletas de argila, os babilônios deixaram registros que (ao contrário
do papel) eram inerentemente duráveis, e por isso muitos deles
sobreviveram. Toda compreensão da escrita cuneiforme foi perdida, no
entanto, há milhares de anos, e a linguagem só foi decifrada novamente
no século XIX.
Os textos revelam que os babilônios eram notáveis observadores e
documentalistas das doenças e do comportamento humanos. No entanto, seu
conhecimento de anatomia era limitado e superficial. Acreditava-se que
algumas doenças tinham uma base física, tais como vermes, picadas de
cobra e traumas. Muitas outras seriam o resultado de forças do mal que
precisavam ser expulsas. Outras, talvez a maioria das doenças, exigiam o
atendimento de uma espécie de padre ou exorcista, conhecido como um
asipu, para expulsar demônios ou espíritos.
Por exemplo, uma das tabuletas fornece uma visão geral da epilepsia e
de convulsões. O texto mostra uma compreensão detalhada dos sintomas e
prognósticos desta doença, que os babilônios chamavam de miqtu. No
entanto, eles não acreditavam que isso tinha algo a ver com o cérebro.
“Ao longo do texto fica evidente que a concepção babilônica da
epilepsia é um distúrbio sobrenatural, devido à invasão do corpo por
demônios ou espíritos, por vezes com nomes individuais para os espíritos
associados a determinados tipos de crises”, relata o estudo de Reynolds
e Kinnier Wilson. “A primeira linha diz: ‘Se a epilepsia recai uma vez
sobre uma pessoa [ou muitas vezes] é o resultado de possessão por um
demônio ou espírito que partiu’”.
No entanto, se você já está achando que os babilônios não iam muito
além das superstições no campo da saúde, não forme sua opinião ainda.
Algumas de suas observações clínicas eram certeiras. Por exemplo, o
relato a seguir de uma convulsão motora focal unilateral, que hoje
chamamos de “Jacksoniana”, ilustra a atenção precisa aos detalhes
clínicos dos estudiosos daquele povo.
“Se, no momento da sua possessão, enquanto ele está sentado, seu olho
(esquerdo) se move para o lado, seu lábio contrai, saliva flui de sua
boca, e sua mão, perna e tronco do lado esquerdo estremecem (ou se
contraem) como uma ovelha recém-abatida – é miqtu. Se no momento da
possessão ele está consciente, o demônio pode ser expulso; se no momento
da posse ele não está tão consciente, o demônio não pode ser expulso”.
Reynolds explica que isso mostra que os médicos babilônicos eram
obviamente cientes de que os componentes motores do início do episódio
podiam levar a perda de consciência, “quando se tornava mais difícil de
expulsar o demônio”.
Os babilônios também estavam cientes de que a epilepsia podia matar,
escrevendo que “Se um demônio da epilepsia cai muitas vezes sobre ele e
em um determinado dia ele o persegue e possui sete vezes, sua vida será
poupada. Se cair sobre ele oito vezes, a sua vida pode não ser poupada”.
Embora não haja, de fato, nada de especial no número sete, isso pode
ser uma alusão ao fato de que as apreensões persistentes prolongadas (o
que chamamos de estado de mal epiléptico) podem ser fatais. Sete foi
presumivelmente escolhido como o “limite” porque era considerado um
número mágico ou sagrado.
Outra tabuleta descreve o que agora é conhecido como psicose de
epilepsia, semelhante à esquizofrenia. Tal distúrbio é caracterizado por
convulsões, paranoia e alucinações.
“…Um demônio, então, começa a infligir-lhe (ideias de) de
perseguição, de modo que ele diz – embora ninguém vá concordar com ele
que é assim – que o dedo de condenação está sendo apontado para ele por
trás das costas e que o deus ou a deusa estão zangados com ele”,
escreveram os babilônios, acrescentando sintomas como visões “horríveis,
alarmantes, ou imorais”, um estado constante de medo e ausência de
desejo sexual pelo sexo oposto.
E lista ainda segue. “Se ele se engaja em explosões periódicas de
raiva contra o deus ou deusa, está obcecado com delírios de sua própria
mente, muda sua própria religião, e diz – embora (de novo) vá negá-lo –
que sua família é hostil em relação a ele e que deus, o rei, seus
superiores e os anciãos (da cidade) o tratam injustamente…”.
Reynolds e Kinnier Wilson dizem que, assim como a epilepsia e o
acidente vascular cerebral, fontes babilônicas descrevem estados
comportamentais irracionais que parecem corresponder a nossas doenças
“psiquiátricas”, como transtorno obsessivo-compulsivo e depressão. No
entanto, curiosamente, os textos não contêm informações de sintomas
“interiores” e subjetivos desses distúrbios, embora hoje sejam
considerados a essência da doença “mental”.
Apesar de terem relatado muitas condições mentais, os babilônios não
escreveram sobre pensamentos ou sentimentos subjetivos como transtornos
obsessivos-compulsivos, pensamentos suicidas e tristeza por depressão.
“Estes fenômenos subjetivos só se tornaram um campo relativamente
moderno de descrição e pesquisa nos séculos XVII e XVIII, possivelmente
sob a influência do movimento Romântico. Isto levanta questões
interessantes sobre a evolução da autoconsciência humana”, observam os
cientistas.
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