Drug and Therapeutics Bulletin
É importante tomar medicamentos na dose correta, nas horas certas, pela via de administração adequada e de modo apropriado (por exemplo, com alimentos). Além disso, médicos e farmacêuticos devem ser capazes de dar a clara orientação que pacientes necessitam. É a qualidade do relacionamento entre paciente, médico e farmacêutico, o que inclui respeito e compreensão mútuos, que ajudará o paciente a seguir as recomendações. O termo observância se emprega para descrever como o paciente deveria fazer, mas é uma palavra autoritária, que nega a autonomia do paciente. O tratamento é uma atividade compartilhada entre o médico e o paciente, em que cada parte deve concordar com as necessidades da outra. Neste artigo usamos observância apenas como um termo técnico.
Determinação da observância
Os métodos de má qualidade para determinar a observância prejudicaram, no passado, os esforços para melhorá-la. Por exemplo, a verificação de que os Folhetos de Informação ao Paciente (Patient Information Leaflets) aumentaram o conhecimento sobre os medicamentos, mas falharam na melhoria da observância[1], pode ter sido por causa de deficiências na contagem de comprimidos como método de medição, ao invés de qualquer falta de eficácia dos folhetos. As amostras sangüíneas tomadas no ambulatório de um hospital para avaliar a concentração de medicamentos no sangue podem também constituir um indicador ruim da observância, pois uma consulta ao hospital freqüentemente altera a rotina do paciente. É possível que se esqueça a dose que deveria ser tomada pela manhã, ou, pelo contrário, a consulta pode lembrar à pessoa que não segue com regularidade o tratamento, que deve tomar uma dose neste dia.
Dois novos métodos de avaliação[2] abalaram muitas convicções tradicionais sobre a observância. Um dos métodos emprega um frasco de comprimidos ao qual se acopla um registro computadorizado para marcar o dia e a hora a cada vez que se abre[3]; parte do pressuposto que um número correto de comprimídos será tomado pouco depois que o frasco é aberto. No outro método se incorpora ao medicamento pequena quantidade de composto inócuo com farmacocinética apropriada, facilmente identificado na urina ou no sangue, ou em ambos, e que atua como marcador químico da observância[4].
Observância parcial e não-observância
A separação de pacientes em observantes e não-observantes é enganadora5. A observância parcial significa o cumprimento de grande parte do regime presente, mas não totalmente. Muitos pacientes, possivelmente de 40% a 70%, omitem uma proporção de 10% a 40% das doses durante um tratamento prolongado[3],[6]. A não-observância significa não tomar nenhuma dose, ou só umas poucas, de um tratamento prescrito. Isto implica desperdício de prescrições, e se tiverem sido dispensadas, de medicamentos. Os dois problemas são diferentes quanto à causa e a maneira de tratá-los.
Quanto é importante a observância
A observância é particularmente importante em condições nas quais as concentrações de medicamentos (p. ex., de anticonvulsivantes) ou um efeito farmacológico (p. ex., redução da pressão arterial) devem ser mantidas, quando o tratamento é necessário por toda a vida (p. ex., no mixedema), por determinado período (tuberculose, [hanseníase]) ou quando não se pode predizer a eficácia de novo tratamento em relação a um esquema utilizado. A observância parcial traz perigo com medicamentos cuja repentina suspensão de uso causem um efeito de rebote. A observância deve ser verificada e documentada especificamente nos estudos clínicos. No tratamento sintomático isto é desnecessário: se os sintomas não exigem medicação, o paciente não deve tomá-la.
Melhorando a observância
Às vezes, uma observância imprópria reflete instruções confusas ou contraditórias. Por exemplo, o médico pode prescrever 500mg duas vezes ao dia, e dizer: tome um comprimido duas vezes ao dia. Pode acontecer de o farmacêutico, depois de comunicar-se com o médico, dispense uma concentração mais baixa (250mg), indicando claramente na etiqueta: tome duas vezes ao dia; é possível, num caso assim, que o paciente não saiba o que fazer, em especial se outra pessoa avia a receita. A indicação de tomar três vezes ao dia nas refeições traz a questão - se uma das refeições não é consumida, o que deve ser feito? O médico poderia ajudar a certos pacientes, facilitando-lhes lápis e papel para que eles anotassem as instruções. Em outra ocasião surgem dificuldades quando o mesmo medicamento é prescrito de outra forma (p. ex., preparações genéricas em lugar das com marcas de fantasia) sem uma explicação suficiente. E pode dar-se o caso de o paciente tomar duas vezes a medicação se lhe tiver sido fornecido um produto genérico e um de marca, por exemplo, furosemida e Lasix. Isto poderia evitar-se se os rótulos e bulas dos produtos tivessem, de modo muito claro e predominante, o nome genérico. Hoje, não se deveria dispensar uma só prescrição sem instrução por escrito. O farmacêutico deve incluir nas etiquetas as instruções dadas pelo médico. Continuam sem solução os problemas de rotulagem em frascos pequenos quando se trata de regimes complicados (p. ex., a redução gradual da posologia da prednisona).
Uma das principais causas da não-observância é o surgimento de efeitos indesejáveis (reações adversas) ou o receio de que ocorram. Ao começar o tratamento o médico deve explicar ao doente os resultados benéficos e importantes, assim como os adversos que comumente pode experimentar e o que o paciente deveria fazer neste último caso. Quando uma observância irregular parece ser a causa de problemas ou perigos especiais, por exemplo, na anticoncepção oral ou no tratamento com varfarina[7]. Isto merece um alerta e o paciente tem de saber como proceder se deixar de tomar alguma dose. Alguns pacientes crêem que devem suspender os medicamentos que já tomam, para evitar que interfiram com os recém-prescritos; é necessário que sejam orientados especificamente a esse respeito. O paciente deve ter amplas oportunidades de fazer perguntas e durante a consulta deve ser estimulado a falar de todo efeito indesejável. Para certos medicamentos, é possível que o médico tenha que fazer perguntas que levem a uma resposta, com outros basta indagar: Você teve algum problema com o medicamento? Alguns médicos receiam que a informação sobre os efeitos indesejáveis possa diminuir a observância ao tratamento, mas um efeito negativo desta natureza será contrabalançado pelos resultados positivos que virão como conseqüência da superação de temores infundados. O doente tem o direito, ético e legítimo, à informação, e por isso temos que oferecê-la.
O regime deve ser o mais simples possível, particularmente no caso de idosos e de pacientes com alguma perturbação psíquica. Os regimes com três, quatro ou mais tomadas, e os que incluem mais de quatro medicamentos são difíceis de se seguir com exatidão[3],[4],[8].
Quando possível, tomar medicamentos deve está relacionado com atividades que se realizam sempre, pela manhã ou ao deitar-se, como escovar os dentes. Uma mudança na dose às vezes deve ser considerada ou analisada com o paciente, quando o medicamento está sendo ineficaz ou causando efeitos indesejáveis.
A apresentação
Há vários recursos que auxiliam a tomada de medicamentos. O uso de uma caixa de comprimidos (com compartimentos indicando as horas do dia ou das refeições) com instruções bem visíveis podem ser inspecionadas por alguém da família, uma enfermeira ou auxiliar de enfermagem, ou empregado doméstico. Os farmacêuticos podem oferecer a caixa e orientar o seu preenchimento. Também podem ser úteis os invólucros com calendário e alarmes, para lembrar o momento de se tomar os medicamentos. É necessário que os frascos possam ser comodamente abertos.
A observância inteligente
A observância parcial pode ser adequada. É possível que o paciente deixe de tomar um medicamento porque não está sentindo alívio ou está ocorrendo um efeito adverso inaceitável. No primeiro caso pode ser que o médico não tenha explicado a finalidade do efeito imediato do tratamento, e no último, talvez não tenha sido suficientemente explicado os efeitos indesejáveis.
Os pacientes com artrite podem notar que com menor quantidade de antiinflamatório não esteróide têm o mesmo resultado e menos efeitos adversos. O médico deve explicar quando os pacientes têm de modificar o tratamento por si mesmos e quando devem primeiro perguntar a ele.
Uma dose diária nem sempre é o melhor
O enfoque da observância por parte dos fabricantes tem sido dirigido para afirmações do tipo: uma vez ao dia é o melhor. Muitas empresas se valem da observância e de se tomar uma vez ao dia para a propaganda de seus novos produtos e com freqüência citam um estudo9 que pretendia demonstrar diminuição progressiva da observância à medida que a freqüência posológica aumentava de uma para quatro vezes. O material publicitário do Tenoretic [produto que associa dois anti-hipertensivos, atenolol e clortalidona] utilizou esse estudo em forma de gráfico que mostrava porcentagens, embora só houvesse três pacientes no regime de uma dose diária. Outros estudos de maior amplitude não encontraram nenhuma diferença que valesse a pena ou que fosse significativa nos graus de observância entre regimes de uma vez e de duas vezes diárias e até pacientes muito motivados podem esquecer o tratamento de uma vez por dia[3],[10]. Além disso, em certas circunstâncias perder uma dose pode se tornar sério com um produto de liberação lenta de uma dose diária do que com que fórmula padronizada de duas doses diárias.
Doses perdidas
É aceitável a escolha de medicamentos para os quais seja razoável que sua eficácia não possa ser afetada pela ausência ocasional de uma dose [é o que acontece no tratamento de hanseníase, com o regime poliquimioterático com rifampicina, clofazimina e dapsona]. Isto ajuda para que a observância seja adequada sem que necessariamente a melhore. Os medicamentos não devem ser utilizados no limite de sua duração de atividade; um medicamento com duração de ação intermediária é melhor que seja administrado duas vezes ao dia, do que de uma só vez por uma dose mais elevada. A observância parcial afeta menos a eficácia dos medicamentos que se eliminam lentamente e se acumulam no organismo.
Conclusão
Sempre haverá pacientes que não tomam medicamentos tal como deseja o médico, e às vezes, eles têm razão. O médico e o farmacêutico devem dedicar mais tempo para explicar o tratamento aos doentes. Os médicos devem estimular o paciente para que perguntem e possam ajudá-lo, fornecendo papel e lápis para que anotem as instruções que lhes são dadas [obviamente para os que sabem escrever]. O aconselhamento deve centralizar-se nos aspectos da observância essenciais para o paciente. O profissional que prescreve deve considerar também o uso de regimes de tratamento que sejam bastante eficazes e seguros, mesmo quando a observância for parcial.
[1] Gibbs S, Waters WE, George CF. The benefits of prescription information leaflets. Br J Clin Pharmacol 1989; 27: 723-39.
[2] Pullar T, Felly M. Problems of compliance with drug treatment: new solutions? Pharm J 1990; 245: 213-25.
[3] Cramer JA, Mattson RH, Prevey ML, Scheyer RD, Quellette VL. How often is medication taken as prescribed? JAMA 1989; 261: 3273-77.
[4] Pullar T, Birtwell AJ, Wiles P G, Hay A, Felly MP. Use of a pharmacologic indicator to compare compliance with tablets prescribed to be taken once, twice, or three times daily. Clin Pharmacol Ther 1988; 44: 540-5.
[5] Dirks JF, Kinsman RA. Nondichotomous patterns of medication usage: the yes-no fallacy. Clin Pharmacol Ther 1982; 31: 413-7.
[6] Pullar T, Kumar S, Tindall H, Feely M. Time to stop counting the tablets? Clin Pharmacol Ther 1989; 46: 163-8.
[7] Kumar S, Haigh JRM, Rhodes LE et al. Poor compliance is a major factor in unstable outpatient control of anticoagulant therapy. Thromb Haemost 1989; 62: 729-32.
[8] Taggart AJ, Johnson GD, McDevitt DG. Does the frequency of daily dosage influence compliance with digoxin therapy? Br J Clin Pharmacol 1981; 1: 31-4.
[9] Gatley MS. To be taken as directed. J R Coll Gen Pract 1968; 16: 39-44.
[10] Rovelli M, Palmeri D, Vossler E, Bartus S, Hull D, Schweizer R. Noncompliance in organ transplant recipients. Transplant Proc. 1989: 21: 833-4.
Traduzido de "Helping patients to make the best use of medicines", publicado em Drug and Therapeutics Bulletin, Vol. 29, n.º 1, 7 de janeiro de 1991, por José Ruben de Alcântara Bonfim. As observações entre colchetes não constam do original.
Publicado originalmente em Jornal do Morhan 1995; (21): 8-9, (Morhan - Movimento de Reintegração do Hanseniano; agora Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase - Rua do Matoso, 6 Gr. 205 - Praça da Bandeira - CEP 20270-130 - Rio de Janeiro RJ; Telehansen 0800-262001 - Telefax (21) 273-8587 - E-mail: morhan@ax.apc.org).
http://www.sobravime.org.br/direito_ajudando_pacientes.html
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