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domingo, 14 de dezembro de 2014

Gestantes são vítimas de abusos de patrões durante gravidez ou depois da licença

Foto: Leo Martins / Agência O Globo
Depois de engravidar pela segunda vez, Raquel Corrêa ouviu que seu
perfil não era ‘interessante’ para a empresa
À margem da Constituição, casos vão de transferência para unidades mais distantes de casa à assédio moral
 
Rio - Trivial entre mulheres grávidas, a urgência em ir seguidas vezes ao banheiro virou motivo de advertências para a mineira Nayara Silva. Operadora de telemarketing, ela não tinha autorização para se ausentar da mesa por mais de cinco minutos ao longo do dia. Impossibilitada de cumprir a regra, virou alvo de repreensões frequentes dos supervisores. Meses mais tarde, no retorno da licença-maternidade, os abusos continuaram. Findo o período de, pelo menos, quatro meses em casa garantido por lei, soube que o seu nome havia deixado de constar no sistema eletrônico de controle de ponto. Ainda que assinasse diariamente uma folha de controle em papel, faltas eram computadas e descontadas do seu salário, segundo relata.
 
— Mudaram o meu horário e não me davam o tempo para amamentar a que eu tinha direito. Comecei a ter pânico de trabalhar, iniciei um tratamento com antidepressivos. Chegava em casa sem condições físicas ou psicológicas de cuidar do meu filho. Quando conversei com supervisores, a situação se agravou — relembra a jovem, de 23 anos, moradora de Juiz de Fora (MG).
 
Nayara procurou assistência jurídica e, quando seu filho completou seis meses, obteve pedido de rescisão indireta, dispositivo previsto na legislação trabalhista para romper o vínculo empregatício. Com o filho beirando os 2 anos, a jovem ainda está em busca de emprego, mas diz ter receio de voltar a trabalhar.
 
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O relato de Nayara ressoa no discurso de Raquel, Carla, Dilssa e outras tantas mulheres cuja saída do trabalho teve relação com a maternidade. Segundo especialistas, ainda que a Constituição vete a dispensa de gestantes sem justa causa, frequentemente elas são vítimas de abusos dos empregadores durante a gravidez ou depois da licença.
 
— Esses casos são muito comuns. Há situações em que as mulheres são transferidas para unidades mais distantes de casa ou sofrem outros tipos de retaliações por estarem grávidas. A legislação protege as gestantes, mas, muitas vezes, elas acabam pedindo demissão porque há uma política indireta de perseguição — afirma a procuradora do Trabalho Lisyane Chaves Motta, coordenadora nacional de Promoção de Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho (Coordigualdade) do Ministério Público do Trabalho (MPT).

‘Tratamento diferenciado’
A descrição coincide com a história da produtora Raquel Corrêa. Ela estava no terceiro mês de gestação quando o chefe disparou aos gritos, na frente de um cliente: “Que merda, garota. Você não para de ferrar tudo”. Segundo a jovem de 28 anos, a hostilidade passou a ser do feitio do empregador, de uma produtora de TV carioca, depois que anunciou a gravidez. Era a segunda gestação em um curto período de tempo: seu primeiro bebê morreu 15 dias após nascer, e ela tirou a licença.
 
— Comecei a receber um tratamento diferenciado. Falavam que eu não tinha foco e resolveram colocar outra funcionária no cargo que eu ocupava. Perguntei por que estavam me tratando daquela forma, e acabaram dizendo que já imaginavam que de repente eu não ia querer voltar da licença ou que logo teria mais filhos. Falaram que esse perfil não era interessante para eles — conta ela, grávida de cinco meses, acrescentando ainda que, depois do episódio, decidiu deixar a produtora.

Fila para engravidar
A percepção de que funcionárias gestantes criam inconveniências levou a gerente de outra empresa operadora de telemarketing em Juiz de Fora a criar uma espécie de escala para as trabalhadoras engravidarem. Quem já tinha filho ia para o final da “fila”, e as que não fossem casadas legalmente estavam excluídas da lista. Ainda segundo as regras, estabelecidas por e-mail, as “elegíveis” para engravidar deveriam comunicar à companhia com antecedência de seis meses. A prática levou Carla Borelli, ex-analista de treinamento, a mover uma ação na Justiça. Em setembro, decisão do Tribunal Superior do Trabalho condenou a empresa onde Carla trabalhava, a Brasil Center Comunicações, a indenizá-la em R$ 50 mil.
 
— Era uma situação constrangedora, uma invasão na vida privada das pessoas. E percebia que, quando alguém engravidava, a gerente não gostava. Vi uma colega trabalhar horas seguidas de pé com uma barriga enorme — afirma Carla, hoje mãe de três meninos.
 
Seu advogado na ação, Nélio Gouvêa, do escritório Dorival Cirne, diz que o assédio moral é a tática mais comum de empregadores que não desejam manter no emprego mulheres grávidas ou mães. Ele dá mais exemplos de abusos cometidos:
 
— No caso das que trabalham com comissões, uma das prática mais correntes é tirar ferramentas de trabalho. Os chefes deixam de passar informações necessárias para os negócios, e elas não conseguem manter o salário.
 
Foi o que aconteceu com a consultora comercial Evellyn Luz, de Sumaré (SP), de 29 anos. Ela estava em experiência numa empresa de logística quando descobriu a gravidez. A partir daí, diz, chefes passaram a negar sugestões de negócios pelos quais recebia comissões:
 
— Rejeitavam todas as propostas que eu mandava. Fiquei vagando, não sabia o que fazer. No último dia do meu período de experiência, às 18h, me mandaram embora. Parei de trabalhar. Só voltaria se fosse para uma empresa que desse mais atenção à maternidade.
 
Embora muitas vezes descumprida, a legislação trabalhista obriga que estabelecimentos onde trabalham ao menos trinta mulheres tenham creches ou paguem um auxílio-creche. Este ano, o MPT iniciou ações para alertar empresas sobre a regra. No Paraná, entrou com ações para que shoppings, que concentram grande número de trabalhadoras, forneçam local apropriado. E, numa medida pedagógica, a Coordigualdade enviou ofício a todas as procuradorias regionais orientando que entrem com representação junto a estabelecimentos para que se adequem à lei.
 
Nos EUA, caso mobiliza debate 
A discussão sobre a relação entre empresas e gestantes ganhou força nos Estados Unidos este mês, com o início do julgamento de um caso envolvendo a gigante de logística UPS na Suprema Corte americana. O processo foi movido por Peggy Young, uma ex-motorista da companhia. Ao ficar grávida, ela foi instruída por seu médico a não levantar mais do que cerca de dez quilos durante a gestação.
 
Apesar de prever serviços leves para empregados feridos no trabalho, portadores de deficiência e outros com problemas de saúde, o regulamento da empresa não tratava de casos de gravidez, e a companhia se recusou a aceitar a recomendação médica. Ela, então, entrou em licença sem vencimento e processou a UPS, alegando discriminação e danos financeiros.
 
A argumentação da UPS prevaleceu nas instâncias inferiores, e o caso chegou à Suprema Corte, que, em 3 de dezembro, ouviu os argumentos da defesa de Peggy. Mesmo com perspectivas diferentes, grupos em defesa da mulher a favor e contra o aborto estão unidos em favor da ex-motorista. A sentença final ainda não saiu.
 
O Globo

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