Após acompanhar 40 mulheres durante quatro anos, cientistas da Coreia do Sul constataram uma série de danos provocados pelo salto alto
Não é a toa que, entre os acessórios femininos, os sapatos de salto alto figurem na lista dos mais populares. Travam uma batalha apertada com a maquiagem, tendo sobre ela uma vantagem: a sensação de poder. Em Marilyn Monroe ou em uma senhora mais discreta, conseguem acentuar relevantes marcadores biológicos da atração. Deixam os contornos mais visíveis, especialmente das pernas, aumentam o gingado dos quadris e reforçam posturas mais altivas. Mas especialistas advertem que, às vezes, é melhor manter os pés no chão. Estudos recentes alertam que esse tipo de sapato não oferece apenas benefícios. Há o risco de lesões graves e potencialmente permanentes
Um dos alertas está na edição deste mês do The International Journal of Clinical Practice e vem de pesquisadores sul-coreanos. Eles sugerem que o uso do salto alto pode contribuir para o desenvolvimento e a progressão da dor e da osteoartite (degeneração das cartilagens) no joelho, da dor lombar provocada pela curvatura da coluna e ainda provocar alterações na caminhada. O estudo, encabeçado pelo pesquisador Yong-Seok Jee, indicou os quatro músculos do tornozelo mais comprometidos: os responsáveis pela flexão plantar e pela dorsiflexão — são, por exemplo, os movimentos realizados por um motorista que pisa no acelerador e desacelera, respectivamente — e os encarregados da inversão e da eversão dos pés, que é o movimento pendular.
Os danos foram observados em 40 estudantes saudáveis. Jee pediu a elas que optassem pelos sapatos com salto de 10 centímetros pelo menos três vezes por semana. Antes de as lesões aparecerem, os pesquisadores notaram algo interessante: em particular, a força do tornozelo para realizar a inversão e a eversão aumentou no primeiro ano de uso do calçado. Mas, depois de quatro anos, as voluntárias começaram a apresentar desequilíbrio muscular e lesões, especialmente torções e fraturas.
Julian Machado, coordenador da Ortopedia e Traumatologia do Grupo Santa (DF), explica que, além do tornozelo, os sapatos de salto alto afetam a biodinâmica do quadril e da colunar lombar. Há ainda o encurtamento da musculatura posterior. “Algumas mulheres, inclusive, não conseguem calçar sandálias rasteiras porque as estruturas foram todas encurtadas e o corpo já está em função do salto”, explica o também delegado titular da regional do Distrito Federal da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (Sbot).
Segundo Machado, o salto baixo pode, inclusive, trazer benefícios, como o que acontece em tênis de corrida, cuja parte traseira costuma ser elevada em relação à dianteira. Os sapatos masculinos também são fabricados com um pequeno salto, que não ultrapassa 3,5 centímetros, compensados pela parte da frente. Em geral, esses calçados ficam cerca de 1 centímetro mais altos do que são. “Muito diferente das mulheres, que podem aumentar até 15 centímetros, dependendo do sapato.”
Pior para obesas
André Pedrinelli, secretário da Sbot nacional, acrescenta que mulheres acima do peso são especialmente vulneráveis. “O salto joga o corpo para a frente e mexe com o centro de gravidade. Pessoas obesas têm mais peso para equilibrar e, por geralmente serem inativas, fica ainda mais difícil”, diz. Mulheres mais altas, por outro lado, enfrentam problemas menores. “A perna mais comprida permite que executem melhor os movimentos, como a flexão do joelho e o giro dos quadris”, complementa.
André Pedrinelli, secretário da Sbot nacional, acrescenta que mulheres acima do peso são especialmente vulneráveis. “O salto joga o corpo para a frente e mexe com o centro de gravidade. Pessoas obesas têm mais peso para equilibrar e, por geralmente serem inativas, fica ainda mais difícil”, diz. Mulheres mais altas, por outro lado, enfrentam problemas menores. “A perna mais comprida permite que executem melhor os movimentos, como a flexão do joelho e o giro dos quadris”, complementa.
Os tipos de salto também influenciam. “O agulha durante oito horas diárias certamente gera um encurtamento do tendão de Aquiles, porém uma hora e meia de ginástica com alongamento diminuem esses efeitos”, garante Pedrinelli. Saltos que tenham pouca diferença entre o retropé e o antepé, como o anabela, e os mais quadrados são indicados.
O ortopedista Julian Machado ressalta que as evidências não devem ser motivo para as mulheres abrirem mão do salto alto. “Realmente, ficam mais bonitas, mas o problema está em usar demais. Uma boa ideia é seguir o exemplo das executivas de Nova York. Elas levam o salto na bolsa e calçam ao chegar ao trabalho”, sugere. Crianças, na opinião do especialista, devem se manter longe desses calçados. “O ideal é que a menina passe a usar aos 15 ou 16 anos, quando está com a musculatura já formada”, diz. Pedrinelli acrescenta que não há nenhuma proibição formal. “Porém, como as crianças têm musculatura mais encurtada, o salto potencializa isso. Além disso, há uma sexualização precoce. Criança não é adulto em miniatura.”
Para saber mais
Passado masculino
Inicialmente, os sapatos de salto alto eram usados apenas por homens, especificamente os militares. Os calçados elevados eram uma necessidade quase primária dos soldados persas: os ajudavam a apoiar-se nos estribos, melhorando os disparos com arco e flecha. No fim do século 16, o rei Shah Abbas I da Pérsia, dono da maior cavalaria do mundo, almejava estreitar as relações com chefes de Estado na Europa Ocidental para derrotar o Império Otomano. Então, em 1599, Abbas enviou sua primeira missão diplomática à Europa. Os sapatos dos representantes logo se tornaram o centro das atenções e, rapidamente, foram adotados pelos aristocratas, que, naquele tempo, consideravam o calçado um símbolo de masculinidade. A altura dos saltos aumentou à medida que os sapatos se tornaram populares. Para se distinguir, a aristocracia os usava com roupas luxuosas, o que reforçava a posição social privilegiada.
Exercícios para compensar
Bianca Callegari, professora da Universidade Federal do Pará e especialista em biomecânica, publicou recentemente na revista Health um estudo com 20 mulheres de idade e peso semelhantes. Nenhuma delas estava habituada a usar salto alto e passou a calçá-los por conta do experimento. “Observamos que as atividades elétricas aumentam nos músculos da perna, o que significa que eles passam a ser mais recrutados. Cada passo faz parte de um ciclo que tem uma ordem certa para trabalhar. Essa ordem temporal é alterada com o uso do salto alto”, diz.
Embora o trabalho não tenha inferido o impacto do uso de salto ao longo da vida, Callegari acredita que existam efeitos na musculatura e na biomecânica da mulher. “Isso, no entanto, vai depender do estilo de vida da pessoa”. O maior recrutamento de alguns costuma acontecer inclusive entre atletas. “Porém, os que fazem movimentos repetitivos participam de treinamentos que trabalham outros músculos, fazendo uma compensação.”
Por isso, Callegari aconselha: o melhor a fazer é valorizar as compensações. “Uma forma de fazer isso é alongar o músculo da panturrilha e participar de atividades que envolvam a cadeia postural, como o RPG”, exemplifica. “Talvez, o segredo seja o equilíbrio. A moderação aliada a exercícios de compensação ajuda muito e previne lesões.”
Inicialmente, os sapatos de salto alto eram usados apenas por homens, especificamente os militares. Os calçados elevados eram uma necessidade quase primária dos soldados persas: os ajudavam a apoiar-se nos estribos, melhorando os disparos com arco e flecha. No fim do século 16, o rei Shah Abbas I da Pérsia, dono da maior cavalaria do mundo, almejava estreitar as relações com chefes de Estado na Europa Ocidental para derrotar o Império Otomano. Então, em 1599, Abbas enviou sua primeira missão diplomática à Europa. Os sapatos dos representantes logo se tornaram o centro das atenções e, rapidamente, foram adotados pelos aristocratas, que, naquele tempo, consideravam o calçado um símbolo de masculinidade. A altura dos saltos aumentou à medida que os sapatos se tornaram populares. Para se distinguir, a aristocracia os usava com roupas luxuosas, o que reforçava a posição social privilegiada.
Exercícios para compensar
Bianca Callegari, professora da Universidade Federal do Pará e especialista em biomecânica, publicou recentemente na revista Health um estudo com 20 mulheres de idade e peso semelhantes. Nenhuma delas estava habituada a usar salto alto e passou a calçá-los por conta do experimento. “Observamos que as atividades elétricas aumentam nos músculos da perna, o que significa que eles passam a ser mais recrutados. Cada passo faz parte de um ciclo que tem uma ordem certa para trabalhar. Essa ordem temporal é alterada com o uso do salto alto”, diz.
Embora o trabalho não tenha inferido o impacto do uso de salto ao longo da vida, Callegari acredita que existam efeitos na musculatura e na biomecânica da mulher. “Isso, no entanto, vai depender do estilo de vida da pessoa”. O maior recrutamento de alguns costuma acontecer inclusive entre atletas. “Porém, os que fazem movimentos repetitivos participam de treinamentos que trabalham outros músculos, fazendo uma compensação.”
Por isso, Callegari aconselha: o melhor a fazer é valorizar as compensações. “Uma forma de fazer isso é alongar o músculo da panturrilha e participar de atividades que envolvam a cadeia postural, como o RPG”, exemplifica. “Talvez, o segredo seja o equilíbrio. A moderação aliada a exercícios de compensação ajuda muito e previne lesões.”
Correio Braziliense
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