Proposta é comer apenas aquilo que se pode caçar, coletar ou tirar da terra. Ou seja, alimentos como arroz, feijão, trigo e cevada são excluídos
Você já viu um leão comendo vegetais? Ou uma vaca se alimentando de carne? Certamente não, já que esses produtos não fazem parte da dieta natural destes animais. Se eles ingerissem esses alimentos, ficariam doentes ou não teriam energia suficiente para viver. E qual seria a dieta natural do homem, aquela para a qual estamos biologicamente evoluídos e, portanto, preparados e adaptados para seguir?
Foto: Ilustração de Fernando Gonda / Arte ZH Comparação entre a pirâmide alimentar tradicional e a pirâmida da dieta paleolítica |
A resposta para essa pergunta é o principal mote de uma forma de alimentação que está ganhando adeptos em todo o mundo: a dieta paleolítica, ou, simplesmente, a paleo.
Segundo seus defensores, a melhor dieta para o homem é aquela praticada pelos nossos ancestrais pré-históricos. Ou seja: coma apenas aquilo que você poderia caçar, matar, colher ou tirar da terra, como um homem das cavernas.
Um dos mentores da dieta paleolítica é o médico e professor da Universidade Estadual do Colorado (EUA) Loren Cordain. Apesar de ter conquistado popularidade recentemente, a teoria surgiu em um estudo publicado em 1985 no The New England Journal of Medicine. O artigo argumentava que o genoma humano não teve tempo de se adaptar a alimentos que não faziam parte da nossa dieta antes do advento da agricultura.
— Estamos na Terra há mais de 2 milhões de anos, e a agricultura foi desenvolvida há menos de 10 mil anos, o que corresponde a apenas 0,5% do tempo da nossa existência. A agricultura, portanto, é muito recente do ponto de vista evolutivo, e é evidente que estamos geneticamente adaptados à alimentação do período paleolítico, e não à que temos hoje — sustenta o médico urologista e autor de um blog sobre o tema José Carlos Souto.
No paleolítico, os fatores geográficos eram determinantes, e diversas dietas eram seguidas pelos humanos. Os esquimós alimentavam-se basicamente de carne de baleia, peixe e poucas frutas. Os aborígenes australianos, de diversos tipos de caças. Os habitantes da floresta amazônica tinham uma farta oferta de frutas, raízes e folhas, mas poucas carnes.
Alimentos "plantados", como arroz, feijão, trigo e cevada, são excluídos
A dieta paleolítica proposta para os dias atuais opta por encontrar pontos em comum a todas essas versões: a ausência de grãos, de óleos extraídos de sementes (soja, algodão, canola e milho) e de produtos processados e artificiais. A presença do leite é polêmica: alguns aceitam, outros rejeitam.
— A dieta paleo contém raízes e tubérculos como batatas (doce ou inglesa), aipim e todos os tipos de carne. O que não faz parte são os alimentos plantados: cereais (aveia, trigo, centeio, cevada, arroz, milho) e leguminosas (feijões, lentilha, ervilha), além, é claro, dos industrializados — diz o nutricionista e bioquímico Gabriel de Carvalho.
Comida de verdade
Apesar de considerarem a dieta de nossos ancestrais a mais apropriada para o organismo dos humanos modernos, os seguidores da paleo ressaltam que o modo de vida e o atual acesso aos alimentos tornam impossível comer hoje o que um homem das cavernas comia.
— É absolutamente impossível seguir a dieta paleolítica com rigor. Hoje, você compra a carne no supermercado, e ela não tem nada a ver com a carne paleolítica. Vem de animais estressados, que não recebem sol, não têm vida livre, comem ração. A composição da carne e da gordura do animal é completamente diferente. Só aí já acabou a dieta — enfatiza o nutricionista e bioquímico Gabriel de Carvalho.
A saída estaria em apostar em alimentos de procedência mais natural possível. Dar preferência a vegetais orgânicos, à carne de animais criados no pasto, a ovos de galinhas não confinadas e que não comam ração. E rejeitar tudo que for processado e industrializado.
— Desconfie de todos os alimentos processados que venham dentro de uma embalagem, com rótulo e ingredientes impronunciáveis. As pessoas devem se focar no que chamamos de comida de verdade. Se eu perguntar como se faz um bife com ovo, todo mundo sabe a resposta. Mas para fazer um salgadinho de pacote é preciso uma fábrica, processos industriais, corantes, conservantes, enfim, não é comida de verdade — afirma Souto.
Trigo, o vilão da vez
Base para alimentos fartamente consumidos, como pães, massas, bolos e pizzas, o trigo tem uma alta capacidade de "viciar" os consumidores. Isso poderia ser a causa de uma série de doenças e seria a razão principal da epidemia mundial de obesidade
— Com sua tradição italiana, a gastronomia do Rio Grande do Sul teria uma perda considerável se fosse banido do cardápio todo e qualquer alimento feito de trigo. Pizzas, lasanhas, massas e até o sagrado pãozinho ficam de fora da chamada dieta paleolítica. Isso porque, segundo os que acreditam nesta corrente, o trigo é um dos principais vilões da alimentação moderna.
— Lançado este ano no Brasil, o livro Barriga de Trigo, do cardiologista americano William Davis, embasa cientificamente essa teoria ao trazer argumentos que dão suporte ao fato de que doenças como a obesidade, o diabetes, problemas imunológicos e neurológicos, como a doença celíaca, a artrite reumatoide e a demência, além de doenças do intestino e do coração, podem estar associadas ao consumo exagerado do grão.
— De acordo com o autor, as mudanças genéticas responsáveis por tornar o trigo resistente a pragas e mais produtivo nas lavouras também influenciaram para torná-lo prejudicial à saúde humana. Outro motivo é a alta capacidade do alimento de viciar os consumidores e elevar o índice glicêmico — em certas ocasiões, para níveis mais altos até do que alguns doces.
— Depois de prescrever um regime sem trigo para mais de 2 mil de seus pacientes em situação de risco e observar resultados satisfatórios, o cardiologista concluiu que não é a gordura, o açúcar ou o sedentarismo que está causando a epidemia mundial de obesidade, mas sim o trigo.
Muita carne e nada de grãos
Longe de ser unanimidade, a dieta paleolítica já conquistou a antipatia de muita gente. Os pontos mais controversos são a total liberação de carnes e a exclusão dos grãos. A desconstrução da pirâmide alimentar, que tradicionalmente tem como base os cereais, pães, tubérculos e raízes, é um dos princípios da paleo.
— A pirâmide alimentar está completamente equivocada, não tem nenhuma base em ciência. Ninguém vai perder peso adequadamente com uma alimentação cuja base são farináceos, pães, massas, bolos e mingaus — diz o médico José Carlos Souto.N A fonte para os nutrientes que seriam fornecidos pelos cereais e grãos é substituída por outros alimentos na dieta paleo, explica o nutricionista Gabriel de Carvalho.
— O consumo de grãos pode ser eliminado. Não existe nutriente presente exclusivamente nestes alimentos. O que temos no trigo, na aveia, na cevada, no arroz, obtemos nas raízes como batata-doce, que é muito saudável, batata inglesa, aipim, carnes, frutas, sementes, folhas, legumes, tubérculos, cenoura, beterraba.
Embutidos e frituras são o problema
A alta ingestão de carnes, outro ponto fundamental da dieta paleolítica, também gera controvérsia. A gordura saturada das carnes seria um dos principais problemas, o que, segundo Carvalho, não passa de um mito.
— A gordura saturada não mata do coração. A maioria dos estudos recentes não relaciona o consumo de gorduras saturadas de carnes gordas, mas sim de embutidos, com a morte cardiovascular. Embutidos são um problema grave na alimentação. Óbvio que ninguém está recomendando comer carnes fritas, que também é um problema comprovado. Embutidos e frituras são o problema, não a gordura em si — defende Carvalho.
Nem todos concordam. A nutricionista e especialista em nutrição clínica Joselaine Sturmer vê com desconfiança tanto a liberação total das carnes quanto a exclusão dos grãos.
— Eu não indicaria essa dieta para ninguém. Temos que ter cuidado porque, ao excluir grupos alimentares, podemos retirar nutrientes que fazem falta ao organismo. Não comer carboidrato pode levar à perda de massa magra e de fonte de energia. Tem uma hora em que o corpo tem necessidade de uma fonte de energia. Além disso, comer carnes à vontade é perigoso, porque elas têm gordura e podem roubar nutrientes de nosso organismo. A proteína em exagero pode roubar cálcio, e você acaba consumindo mais sódio, o que pode causar uma sobrecarga renal — afirma.
O nutricionista e professor de bioquímica e nutrição esportiva do Unilasalle Joelso dos Santos Peralta também tem ressalvas às restrições da dieta paleo.
— A deficiência de carboidratos afeta o cérebro e aumenta o catabolismo proteico, onde os indivíduos verdadeiramente perdem peso, mas muitas vezes à custa de massa muscular — afirma.
A adaptação genética também é discutível, afirma o professor de História da UFRGS Anderson Vargas. Sendo o homem onívoro desde sempre, não há regra para determinar a dieta natural do ser humano, diz ele.
— Penso que a medicina não tem condições de determinar nossa dieta conforme nossa misteriosa biologia. Historicamente, posso dizer que o homem não tem sido determinado pelo DNA nesse aspecto. Se os homens das cavernas se preocupassem com seu DNA, talvez ainda estivéssemos morando nas mesmas cavernas", pondera Vargas.
Balança e exames em dia
Os possíveis malefícios de optar por uma dieta do tempo das cavernas não foram sentidos pelo programador Leonardo Pires, 28 anos. Seguindo as premissas da paleo há um ano e três meses, ele viu o ponteiro da balança, o colesterol ruim e os triglicerídeos caírem. Acostumado a seguir diversas dietas e sempre ser vítima do efeito sanfona, ele conseguiu emagrecer cerca de 30 quilos, manter o peso e a saúde sem sofrimento.
— Meu neurologista ficou impressionado com a evolução dos meus exames e achou inacreditáveis os resultados com o tanto de gordura saturada que eu como — conta.
Apesar de parecer bastante restritiva, Leonardo conta que não sente dificuldade em segui-la. Ele optou por limitar a quantidade de carboidratos diários e deixar que a fome ditasse o que e quanto come.
— A principal diferença entre as dietas que eu segui anteriormente é que tudo era baseado em contagem de calorias: eu comia menos calorias do que precisava para viver, meu corpo passava fome, e eu emagrecia. E eu cortava tudo o que eu gostava, só podia comer alimentos que para mim não têm gosto — conta.
Satisfeito com o resultado positivo na balança e na autoestima, Leonardo encara a sua nova alimentação como um estilo de vida, sem prazo para acabar.
— Não faz sentido eu voltar a comer carboidratos indiscriminadamente se eu sei que é algo que faz mal para a minha saúde. É só ver meus exames, estou muito melhor hoje — declara.
O fotógrafo Luis Felipe Ulbrich, 41 anos, segue a dieta paleolítica há oito meses. A indicação veio a partir do diagnóstico de uma neuropatia periférica, doença que afeta os nervos das extremidades do corpo, como as mãos e os pés.
— Eu comecei a sentir os dedos dormentes e perder o equilíbrio. Busquei um especialista em coluna, mas ele não conseguiu diagnosticar a problema. Me indicou outro médico, que me propôs um teste: retirar o glúten da minha alimentação por um mês. O resultado foi absurdo, já me senti muito melhor —conta.
Após o teste, Luis passou a seguir a dieta paleolítica completa. Perdeu 15 quilos, mesmo sem considerar que estava acima do peso, melhorou da neuropatia e voltou a praticar esportes.
— Sempre que como algo fora da dieta, os sintomas da neuropatia aparecem imediatamente. Estou bem entusiasmado com o que estou fazendo, eu tive uma melhora bem grande.
Os possíveis malefícios de optar por uma dieta do tempo das cavernas não foram sentidos pelo programador Leonardo Pires, 28 anos. Seguindo as premissas da paleo há um ano e três meses, ele viu o ponteiro da balança, o colesterol ruim e os triglicerídeos caírem. Acostumado a seguir diversas dietas e sempre ser vítima do efeito sanfona, ele conseguiu emagrecer cerca de 30 quilos, manter o peso e a saúde sem sofrimento.
— Meu neurologista ficou impressionado com a evolução dos meus exames e achou inacreditáveis os resultados com o tanto de gordura saturada que eu como — conta.
Apesar de parecer bastante restritiva, Leonardo conta que não sente dificuldade em segui-la. Ele optou por limitar a quantidade de carboidratos diários e deixar que a fome ditasse o que e quanto come.
— A principal diferença entre as dietas que eu segui anteriormente é que tudo era baseado em contagem de calorias: eu comia menos calorias do que precisava para viver, meu corpo passava fome, e eu emagrecia. E eu cortava tudo o que eu gostava, só podia comer alimentos que para mim não têm gosto — conta.
Satisfeito com o resultado positivo na balança e na autoestima, Leonardo encara a sua nova alimentação como um estilo de vida, sem prazo para acabar.
— Não faz sentido eu voltar a comer carboidratos indiscriminadamente se eu sei que é algo que faz mal para a minha saúde. É só ver meus exames, estou muito melhor hoje — declara.
O fotógrafo Luis Felipe Ulbrich, 41 anos, segue a dieta paleolítica há oito meses. A indicação veio a partir do diagnóstico de uma neuropatia periférica, doença que afeta os nervos das extremidades do corpo, como as mãos e os pés.
— Eu comecei a sentir os dedos dormentes e perder o equilíbrio. Busquei um especialista em coluna, mas ele não conseguiu diagnosticar a problema. Me indicou outro médico, que me propôs um teste: retirar o glúten da minha alimentação por um mês. O resultado foi absurdo, já me senti muito melhor —conta.
Após o teste, Luis passou a seguir a dieta paleolítica completa. Perdeu 15 quilos, mesmo sem considerar que estava acima do peso, melhorou da neuropatia e voltou a praticar esportes.
— Sempre que como algo fora da dieta, os sintomas da neuropatia aparecem imediatamente. Estou bem entusiasmado com o que estou fazendo, eu tive uma melhora bem grande.
Zero Hora
Nenhum comentário:
Postar um comentário