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domingo, 28 de setembro de 2014

'Só melhores condições não atraem médicos a lugares remotos'

Arquivo Pessoal
O médico brasileiro Claudio Lemos Simosono
Para quem já tem família estruturada em determinado lugar, não faz sentido ir para outro lugar afastado, remoto
 
Formado por uma universidade na cidade de Tarragona, na Espanha, o médico brasileiro Claudio Lemos Simosono exerceu a medicina por mais de uma década na Europa até que, há cerca de um ano, voltou ao Brasil para atuar no programa Mais Médicos, que traz profissionais estrangeiros e brasileiros graduados no exterior para trabalhar em locais onde há carências no atendimento à saúde.
 
Atualmente atuando na cidade de Itajaí, em Santa Catarina, Simosono, de 38 anos, afirma que, embora tenha encontrado algumas dificuldades para trabalhar no Brasil, considera que o programa está "no caminho certo" e que pode ser "o começo de uma profunda mudança no sistema de saúde do país".
 
Ele questiona o argumento de críticos do Mais Médicos de que postos no interior e nas periferias poderiam ser ocupados por médicos formados no Brasil caso fossem oferecidos melhores condições de trabalho. "É claro que ajuda o plano de carreira, as melhores condições de trabalho e de equipamentos... mas será que solucionaria tudo? Acho que dificilmente isso seria suficiente para atrair médicos para as regiões mais remotas".
 
Especializado em Medicina da Família na Espanha, Claudio Simosono falou à BBC Brasil sobre a experiência de trabalhar por 12 anos com atenção básica na Catalunha e comparou o sistema de saúde de lá ao brasileiro.
 
Leia o depoimento concedido pelo médico à BBC Brasil:
 
"A atenção básica na Espanha é o pilar de todo o Sistema Público de Saúde. As Unidades Básicas de Saúde atuam como eixo principal entre o paciente e os diversos níveis de atenção: urgências, consultas externas, internações, exames complementares, etc., e contam com médicos de família, enfermeiras, auxiliares de enfermagem e pediatras, com a função de ver o paciente como um indivíduo integral, auxiliando desde o inicio até o final do processo. Na Espanha, a medicina particular tem pouca atividade. Como o sistema público funciona com uma qualidade satisfatória, não é necessária a atividade particular. E o médico que trabalha no sistema público tem um contrato de exclusividade com o governo."
 
Retorno ao Brasil
"A gente chegou (ao Brasil) com desconfiança dos colegas médicos, não sabíamos como seríamos recebidos por causa de toda a polêmica com o Mais Médicos. Mas todo mundo me recebeu muito bem, eles me auxiliaram em todas as dúvidas que eu tinha, isso ajudou na adaptação. Mas o fluxograma do trabalho era completamente diferente, porque lá na Espanha tudo era informatizado e aqui, não. No prontuário do paciente, por exemplo, tinha poucos dados da história clínica dele, não tinha as radiografias feitas, que exames ele fez recentemente, que remédios toma, essas coisas. Isso demora para colocar em dia, porque você tem que conhecer o paciente e ir descobrindo aos poucos.
 
Aqui cada paciente vai em um médico especialista diferente para cada coisa, aí cada médico faz sua receita, então você às vezes nem sabe o que o cara está tomando. Lá, com a informatização de tudo, há uma comunicação mais eficiente entre especialidades, evitando duplicidades de tratamentos, exames, etc. Mas eu tive a grande sorte que aqui em Itajaí a estrutura é boa, o posto tem uma farmacêutica que já faz as medicações, às vezes falta medicamento, mas é um ou dois dias no máximo. O que muda mais é o apoio externo do serviço, o acesso a especialistas, cardiologista, endocrinologista, demora mais. O transporte sanitário de urgência também é mais complicado. Mas, no fim, a adaptação foi mais fácil do que eu imaginava."
 
Mais Médicos
"Eu já estava planejando voltar para o Brasil por causa da crise na Espanha. Eu e minha esposa queríamos ter filhos e comecei a amadurecer a ideia de voltar. Foi nessa época que surgiu o programa do Mais Médicos. Mas a gente não sabia se dava para confiar muito, tinha muitas críticas da classe médica, uma tentativa de derrubar o programa. Então a gente veio confiando, mas desconfiando ao mesmo tempo. Fomos ver as cidades que tinham o programa para escolher. A falta de um plano de carreira não me preocupava, mas a região sim.
 
Não vou ser hipócrita, se tivesse sido numa região menos favorecida, teria sido difícil vir para cá. Sair da Europa pra se adaptar a uma cidade sem estrutura nenhuma seria complicado. Mas o Brasil é um país imenso, não conheço nenhum país de dimensões tão grandes que ofereça um sistema de saúde público, universal e gratuito, ainda mais com uma porcentagem tão grande da população dependente deste sistema, sem acesso aos planos de saúde.
 
Isso cria grandes diferenças entre as regiões. Então é claro que ajuda o plano de carreira, as melhores condições de trabalho e de equipamentos... mas será que solucionaria tudo? Acho que dificilmente isso seria suficiente para atrair médicos para as regiões mais remotas.
 
A pessoa que fala isso está pensando nos outros. Dificilmente ela mesma sairia de onde está acostumada a viver e trabalhar para se arriscar em outro lugar - a não ser que seja uma pessoa altruísta, que quer fazer isso pela experiência. Para quem já tem família estruturada em determinado lugar, não faz sentido ir para outro lugar afastado, remoto, só pelo plano de carreira - isso é um pouco utópico.
 
Futuro
Acredito que estamos no caminho certo para um sistema público de saúde melhor. Analisando todos os sistemas de saúde, da França, Espanha, todos os países que estão apostando na medicina primária, na atenção básica, estão vendo que é mais rentável e mais barato fazer prevenção do que tratar as doenças depois.
 
O sistema público que só gasta tratando em algum momento não vai conseguir ofertar e dar a mesma qualidade de tratamento para todo mundo. É preciso fazer prevenção através de educação. A especialização de Medicina da Família é bastante nova no Brasil e começa a crescer agora com novos projetos.
 
O número de especialistas é bem inferior ao desejado, mas a Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade conta com ótimas pessoas e com boas ideias para ajudar o governo a aumentar cada vez mais a formação de novos especialistas. Acho que, conforme as pessoas forem conhecendo o trabalho do médico da família, o preconceito – que também existe na Espanha – vai diminuindo e mais gente vai se interessar por essa especialização. Vão ver o quanto vale a pena investir nessa carreira e o quão gratificante ela é. O retorno você tem do paciente. Ele chega aflito com o problema, você tenta solucionar de uma maneira, de outra, ele vai depositando uma confiança enorme em você."
 
BBC Brasil / iG

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