Uma molécula que pode ser usada para diagnosticar o câncer de próstata pela urina tem uma relação íntima com a origem da doença, sugere um novo estudo
Os exames de urina usados para detectar a molécula PCA3 podem, inclusive, inspirar novas estratégias de ataque ao tumor de próstata.
O PCA3 desliga um mecanismo antitumor do organismo – o que pode levar à multiplicação desenfreada das células da próstata e, portanto, ao câncer. Bloquear a ação da molécula impediu a proliferação das células cancerosas em roedores.
“Em muitos casos, os tumores praticamente desapareciam”, diz o biólogo Emmanuel Dias-Neto, do A.C. Camargo Cancer Center. Dias-Neto é coautor do estudo publicado na revista científica “PNAS”, que também é assinado por Wadih Arap e Renata Pasqualini, brasileiros que trabalham na Universidade do Texas.
Segundo o biólogo, um dos próximos passos é bolar estratégias para o “delivery” das moléculas que bloqueiam o PCA3, ou seja, criar modos de levá-las até a próstata dos pacientes com precisão. Se funcionar, “teremos uma ferramenta potente”, afirma ele.
Do contra
O PCA3 é uma molécula literalmente do contra. Trata-se de uma forma de RNA, a molécula “prima” do DNA cuja função mais conhecida é a transmissão de instruções do material genético para as fábricas de moléculas nas células. Diferentemente dessa forma “normal” do RNA, porém, o PCA3 é originada a partir da fita de DNA que não costuma ser lida pelo organismo, conhecida como antissenso.
Os especialistas sabiam que o PCA3 aparece na urina após a massagem da próstata (feita pelo médico em pacientes com suspeita de alterações na glândula), e também que a molécula é 70 vezes mais comum em tumores do que na próstata saudável. Mas ninguém tinha ideia da função da molécula –ela podia ser apenas um subproduto das alterações genéticas do câncer, por exemplo.
Dias-Neto e seus colegas resolveram olhar os “vizinhos” do PCA3, ou seja, os trechos de DNA que ficam na outra fita da molécula, a fita “certa” que normalmente é lida pela célula. Acabaram descobrindo que as letras químicas do PCA3 se encaixam com precisão em parte de um gene até então desconhecido.
Para ser mais exato: as duas fitas de DNA são transcritas, ou seja, recriadas numa versão de RNA. Em situações normais, no caso do gene, isso seria um passo intermediário para que o RNA servisse de “receita” para uma proteína, a qual, por sua vez, desempenharia seu papel na célula. Só que o PCA3, ao se encaixar no RNA desse gene, acaba evitando esse funcionamento normal, porque surge aí uma forma anômala de RNA que a célula “rejeita” e se põe a desativar.
On/Off
Desligar o gene é uma péssima ideia, pois os pesquisadores mostraram que ele é um gene supressor de tumores. Sua atividade normal impede, em outras palavras, que as células da próstata passem a se multiplicar além da conta e da forma errada. Esse processo foi verificado pelos pesquisadores tanto em células de câncer de próstata cultivadas em laboratório quanto em tumores enxertados em camundongos. E, nesses dois contextos, impedir a ação do PCA3 fez o tumor perder força.
Os achados devem dar mais peso à prática de fazer o exame de PCA3, que ainda é pouco comum. O exame laboratorial mais usado no caso dos tumores de próstata é o do PSA, que tem a vantagem de poder ser detectado no sangue, mas é pouco específico –o aumento nos níveis pode estar ligado a alterações benignas na próstata, que não têm a ver com o câncer.
No entanto, o exame depende de equipamentos modernos, ainda pouco disponíveis, e seus custos não são cobertos por convênios.
Além disso, as descobertas devem dar novo impulso ao estudo desses RNAs “do contra”, que ainda são pouco conhecidos, mas têm mostrado elos importantes com doenças, afirma Dias-Neto.
Folha de São Paulo
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