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terça-feira, 23 de agosto de 2011

“Farmacêuticas estão grande demais para serem inovadoras”

Descobridor do Viagra não concorda com a estrutura de milhares de cientistas trabalhando para uma empresa. Além disso aponta razões científicas para a estagnação das descobertas

As tecnologias recentes permitem a realização de milhões de sínteses de compostos, mas isso não reverterá a estagnação da indústria farmacêutica. O que leva à descoberta de novas drogas é uma combinação de ciência de alto nível e “arte”, isto é, “altas doses de criatividade com um enfoque personalizado, autoral”.

A opinião é do cientista britânico Simon Fraser Campbell, que tem em seu currículo descobertas como a do Viagra – conhecido medicamento para a disfunção erétil – e do Norvasc, a quarta droga mais vendida no mundo, usada para angina e hipertensão.

Campbell participou, na semana passada, da Escola São Paulo de Ciência Avançada sobre “Produtos Naturais, Química Medicinal e Síntese Orgânica”, realizada na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O evento foi realizado no âmbito da Escola São Paulo de Ciência Avançada (ESPCA), modalidade de apoio da FAPESP.

Formado na Universidade de Birmingham, na Inglaterra, Campbell foi professor visitante da Universidade de São Paulo (USP) entre 1962 e 1972. Depois trabalhou na Pfizer, onde se aposentou em 1998 como vice-presidente de pesquisa e desenvolvimento (P&D). Ex-presidente da Royal Society of Chemestry, da Grã-Bretanha, o cientista é coautor de mais de 120 publicações e patentes.

Leia a seguir trechos da entrevista concedida por Campbell à Agência FAPESP:

Na sua opinião a descoberta de novos fármacos tem elementos de um processo criativo análogo à arte?
Simon Campbell – Sim. Como você viu, o título da minha conferência na ESPCA em Química era “Ciência, arte e descoberta de drogas – Uma perspectiva pessoal”. Falo em primeiro lugar de ciência, porque em descoberta de drogas temos que fazer a melhor ciência possível, da mais alta qualidade. E falo de arte porque frequentemente não sabemos como é a estrutura molecular dos nossos alvos e, para imaginá-la, precisamos usar toda a nossa criatividade. Não sabemos com o que a droga está interagindo, então isso requer uma alta dose de imaginação.

E a perspectiva pessoal se refere à sua experiência na descoberta do Viagra e do Norvasc?
Campbell – Sim, no sentido de que a descoberta de drogas está nas mãos de indivíduos. Isto é, depende de pessoas, não de máquinas, nem de testes exaustivos com milhares de compostos. O mais importante é o toque pessoal. Descobrir novas drogas é algo que tem forte ligação com ciência de alta qualidade e arte – porque precisamos de imaginação e inovação –, além de um toque pessoal.

Os investimentos da indústria farmacêutica vêm aumentando cada vez mais e os resultados são cada vez mais escassos. O que há de errado com o paradigma da descoberta de novas drogas?
Campbell – Há diversos problemas. Em primeiro lugar, nos últimos anos temos visto diversas empresas farmacêuticas realizarem fusões e aquisições e acho que elas ficaram grandes demais. Quando uma empresa farmacêutica tem um grupo de pesquisa de milhares de cientistas as coisas não funcionam. Eu acho que as empresas estão grandes demais para serem conduzidas. Especialmente, são grandes demais para serem inovativas.

Isso parece ter relação com a sua visão sobre a perspectiva pessoal.

De que tipo?
Campbell – Há cerca de 23 mil genes no corpo e as drogas que temos hoje só têm cerca de 300 desses genes ou proteínas como alvos. Então, temos uma lacuna de mais de 22 mil. Mas, como selecioná-los? Um dos problemas que temos é: não somos muito bons em validar os alvos. Não estamos fazendo esforços suficientes para dizer: esse alvo é relevante para a doença humana. Esse é um problema. O próximo problema é que às vezes se fazem compostos que simplesmente são falhos. Então, temos que fazer melhores compostos. E, finalmente, não sabemos qual paciente vai responder.

Como assim? Não se sabe como cada paciente vai reagir a cada droga?
Campbell – Sim. É preciso melhorar muito nosso conhecimento sobre a base genética da doença, assim podemos escolher o paciente e escolher a terapia. Em câncer isso está funcionando muito bem. Em câncer podemos identificar certos pacientes ou grupos sobre os quais podemos dizer: isso provavelmente vai funcionar, aquilo não. Não podemos fazer isso em asma, hipertensão… Não temos esse conhecimento. Então, é preciso saber validar o alvo, ter a melhor qualidade de compostos e saber identificar o paciente que irá responder. Acho que não demos muita atenção para esses três fatores e é provavelmente por isso que não apareceram muitas novas drogas nos últimos anos.

Qual seria o caminho para contornar esses problemas?
Campbell – Acho que o caminho é estabelecer institutos de descoberta de drogas. Não apenas ir aos departamentos de química das universidades e dizer: descubram medicamentos. Pegue-se gente com experiência, criem-se institutos com 300 ou 400 pessoas no máximo. Contratem-se profissionais e criem-se institutos exclusivamente voltados para a descoberta de drogas.

Institutos multidisciplinares?

As novas tecnologias trouxeram a possibilidade de fazer milhões de screenings. Mas como processar todos esses dados? Como aplicar aos sistemas biológicos toda essa informação?
Campbell – Acho que a síntese de compostos chegou a um patamar definitivo, assim como os screenings. Mas, basicamente, a descoberta de drogas não tem a ver com números. É imaginação, é arte. Você precisa pensar. Apenas fazer milhões de screenings e milhões de sínteses de compostos não vai levar a uma nova droga. Minha analogia é a produção automobilística. Uma fábrica pode produzir milhões e milhões de carros, mas, se quiser vencer na Fórmula 1, ela precisa ter a melhor tecnologia, precisa ter um Ayrton Senna para pilotar e precisa ter uma excelente equipe nos boxes. A descoberta de drogas, para mim, é mais parecida com uma corrida de Fórmula 1. Não adianta fazer milhões de carros, para ganhar a corrida é preciso ter um carro de alta tecnologia, o melhor piloto e uma boa equipe.

É preciso ter sorte também?
Campbell
– Veja, nós sempre temos um objetivo. Sempre partimos de uma hipótese. Quando começamos com o Viagra, queríamos tentar inibir uma enzima que achávamos que estava envolvida com doenças cardiovasculares. Não tínhamos uma estrutura. Imaginamos como a enzima devia se parecer, com moléculas especificamente desenhadas para isso. Constatamos que o composto não tinha atividade cardiovascular alguma. Então, fizemos um teste final em voluntários homens, com dose máxima por dez dias e vimos duas ou três ereções. Depois disso, começamos a pensar como o composto funcionava. Paralelamente, o pessoal da área comercial nos alertou que a disfunção erétil era um problema médico crítico. Era uma grande preocupação e havia demanda. Vimos que tínhamos achado algo importante. Claro, tivemos sorte. Mas acho que fizemos nossa própria sorte. Criamos terreno fértil para que ela aparecesse.

Fonte Saudeweb

Campbell – Gente bem treinada em química, em biologia… Sim, institutos multidisciplinares que permitam que todo mundo trabalhe junto com o objetivo de descobrir drogas. É uma proposta que estamos fazendo ao governo do Reino Unido. Se eles serão receptivos eu não sei ainda, mas esse é o plano que temos. E acho que o Brasil tem uma grande oportunidade para estabelecer ou fortalecer os institutos de descoberta de drogas que vocês já têm.

Campbell – Sim, perde-se o caráter pessoal. Eu gosto de grupos nos quais posso falar com as pessoas. Gosto de poder atravessar um corredor e bater na porta do colega da equipe se precisar interagir. Não me agradam os grupos de pesquisa com milhares de cientistas espalhados pelo mundo. Parece trivial, mas isso muda muito a dinâmica do trabalho e faz toda a diferença. Mas há também razões científicas para a estagnação das descobertas.

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