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quarta-feira, 22 de julho de 2015

Cerca de 3 mil pessoas com esclerose múltipla podem ter tratamento interrompido no SUS

Comissão que decide quais medicamentos são ofertados pela rede abriu uma consulta pública para determinar se o remédio Avonex, acusado de ter baixa eficácia, continuará sendo oferecido de graça
 
Rio - Desde que foi diagnosticada com esclerose múltipla, em 2006, a secretária executiva Marly Thomaz tem um companheiro fiel com o qual entra em contato uma vez toda semana. O medicamento Avonex — cientificamente conhecido como betainterforena 1a de 30mcg — impede, afirma ela, a ocorrência de surtos e retarda o avanço de sua doença, que é crônica e não tem cura. Ela o toma, por meio de injeção aplicada em casa, nos últimos nove anos, ininterruptamente, e tem a esclerose controlada. Este mês, no entanto, Marly tem observado, atenta e preocupada, a possibilidade de ter o tratamento interrompido. Uma consulta pública aberta pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) determinará se o Avonex continuará sendo disponibilizado gratuitamente ou se ele será suspenso, podendo ser comprado apenas em farmácias.
 
— A suspenção do Avonex no SUS vai colocar em risco as pessoas que estão reagindo bem a esse remédio. Para o meu organismo, por exemplo, o medicamento é eficaz. Não sei se reagirei da mesma forma com outra terapia — especula Marly. — E o Avonex é caro demais para eu continuar usando-o, comprando em farmácias. Na única vez em que eu mesma tive que comprá-lo, ainda em 2007, quando houve falta de distribuição no SUS, eu paguei R$ 1.200 por uma única dose. Agora, provavelmente, está ainda mais caro.
 
Esse medicamento é a única terapia com administração uma vez por semana. Os outros remédios que o SUS oferece para tratar esclerose múltipla são injetados três vezes por semana ou até diariamente.
 
— A praticidade da aplicação do Avonex é muito importante para mim, especialmente porque eu trabalho fora. Se eu precisasse aplicar todos os dias, o tratamento seria muito menos confortável — alega Marly.
 
A consulta pública foi aberta em 1º de julho e termina nesta terça-feira, dia 21. Durante esse período, médicos, pacientes e o público em geral podem preencher um formulário no site do Conitec com argumentos a favor ou contra a suspensão do medicamento. A principal alegação do Conitec é de que o remédio apresenta baixa eficácia, o que poderia comprometer o sucesso do tratamento das pessoas que o utilizam.
 
Cerca de 20% dos pacientes com esclerose usam o medicamento
Estima-se que existam de 30 mil a 35 mil pessoas no Brasil com esclerose múltipla, e que metade dessas pessoas não toma qualquer medicação ou por não ter o diagnóstico da doença ou por desconhecer a existência de algum tratamento. Entre os que tomam remédios pela rede pública, cerca de 20% utilizam o Avonex, um dos primeiros medicamentos para a esclerose múltipla do tipo remitente-recorrente. Caso a decisão seja pela exclusão dessa terapia do quadro do SUS, entende-se, portanto, que ao menos 3 mil pessoas terão o tratamento interrompido.
 
Muitos médicos alegam que a solicitação da consulta pública está baseada em um trabalho com falhas metodológicas que comprometem as conclusões, que apontam para a baixa eficácia do remédio. Além disso, eles afirmam que os medicamentos mais bem avaliados no relatório foram os que tiveram o maior número de estudos clínicos patrocinados pelos fabricantes.
 
— Não vejo por que o Avonex deva ser retirado do SUS, porque, a rigor, ele tem uma eficácia parecida com a dos outros. Só há uma diferença, que não diminui a eficiência: o Avonex é injetado no músculo, e não no subcutâneo, como os outros. Esse medicamento consegue diminuir a frequencia dos surtos e as incapacidades provocadas pela doença, como dificuldade de fala e de controle da urina. — afirma o médico André Matta, coordenador do serviço de atendimento a esclerose do Hospital Antonio Pedro, da Universidade Federal Fluminense (UFF). — Existe ainda outro aspecto a ser levado em conta: quando o paciente começa a tomar uma nova medicação, demora de três a seis meses para ele começar a sentir o feito. Então os pacientes que terão de deixar o Avonex e substituí-lo por outro remédio ficarão algum tempo a mercê de surtos ou outras complicações da doença. Não é tão simples trocar uma medicação.
 
A betainterforena 1a de 30mcg, desenvolvida pela Biogen, está incluída no Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Esclerose Múltipla do Ministério da Saúde desde 2002, como terapia padrão.
 
— Pode ser que, para duas ou três em cada dez pessoas, o Avonex tenha baixa eficácia. Mas e em relação aos outros pacientes? Eles estão apavorados com a possibilidade de pararem um tratamento que é eficaz e passarem para um duvidoso — diz Wilsom Gomiero, presidente da Federação Brasileira de Associações Civis de Portadores de Esclerose Múltipla (Febrapem), que também tem a doença crônica.
 
Ministério da Saúde: R$ 258 milhões investidos em remédios
Disponível em mais de 90 países, o Avonex é uma das terapias mais prescritas no mundo para o tratamento da esclerose. Atualmente, cerca de 127 mil pessoas são tratadas com este medicamento em todo o mundo. Hoje, o SUS também oferece outras cinco terapias que podem ser usadas por quem usa contra a esclerose: betainterferona 1b, azatioprina, fingolimode, glatiramer e natalizumabe.
 
O Ministério da Saúde enviou uma nota sobre o assunto que informa que "uma ampla revisão de trabalhos científicos publicada recentemente não demonstrou eficácia desse medicamento [Avonex].
 
Durante a consulta pública, fabricantes, especialistas ou qualquer outro interessado podem apresentar evidências que serão analisadas para apoiar a decisão". A nota também ressalta que, para elaborar os relatórios apresentados para consultas públicas, a Conitec leva em conta "as evidências científicas de eficácia, segurança para os pacientes e custo-efetividade, entre outros fatores". Segundo o Ministério da Saúde, o investimento na oferta dos seis medicamentos relacionados à esclerose múltipla, incluindo o Avonex, foi de R$ 258 milhões em 2014.
 
O Globo

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