Em testes com ratos, o hormônio do sono aumenta em até 150% o tempo de execução da atividade física, mostra estudo da Unicamp
O popular hormônio do sono ganhou mais um atributo à sua extensa lista de potencialidades, que passa por auxiliar no emagrecimento, tratar o Parkinson e até prevenir e combater o câncer. Pela primeira vez, é demonstrado cientificamente que a melatonina melhora a performance esportiva. A afirmação está sustentada nos resultados da pesquisa realizada pelo professor Wladimir Rafael Beck, da Faculdade de Ciências Aplicadas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Por três anos, ele conduziu experimentos que comprovam um aumento de até 150% no tempo de duração dos exercícios feitos por ratos que receberam doses do hormônio. A melhora do desempenho físico, porém, não acompanhou a proteção aos músculos dos animais. “Esperávamos esse efeito pela conhecida capacidade anti-inflamatória desempenhada pela melatonina”, ressalta o pesquisador.
Com os resultados, é possível concluir que a melatonina tem um efeito ergogênico, ligado à produção de trabalho, mais potente que o protetor, explica Beck. Antes de dar início à pesquisa, ele tinha como hipótese que a propriedade anti-inflamatória da substância poderia causar a ergogenia. “A surpresa veio com o fato de que, mesmo com mais inflamação, mais danos ao tecido e mais estresse oxidativo, o animal continuou fazendo o exercício”, destaca. Pelo tema inédito e pelos resultados alcançados, a tese está entre as premiadas deste ano pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
Satisfeito com os bons resultados e incentivado pela premiação, o pesquisador planeja os próximos passos do seu trabalho. “Agora, quero estudar por que acontece o benefício ergogênico em exercícios de longa duração, como a natação. Quero fazer experimentos com outros tipos de atividades físicas, com outras intensidades de esforço e também aplicar os testes em pessoas”, informa Beck, que fez os experimentos com ratos, observados enquanto nadavam e após receber doses do hormônio em períodos diferentes do dia.
O pesquisador lembra que esses roedores são animais de hábitos noturnos. Diferentemente do homem, o período de vigília do rato é à noite, quando foram obtidos os melhores resultados da pesquisa. Assim, Beck pondera que o efeito das doses de melatonina aplicadas nas cobaias pode ter potencializado a atividade física devido à forma como vivem esses animais. “Por isso, é preciso explicar os mecanismos que levaram a uma ergogenia tão fantástica e transferir esse tipo de pesquisa para o modelo humano, que tem melhor estado de vigília durante o dia”, observa.
Ciclo circadiano
O trabalho desenvolvido por Beck explora o uso da melatonina em um campo mais recente, o das atividades esportivas. “As pequisas com o hormônio produzido pela glândula pineal foram intensificadas a partir dos anos 2000 e um dos seus usos frequentes é no controle do jet lag”, informa o pesquisador, ao citar o efeito causado pelo fuso horário em passageiros que viajam do Oriente para o Ocidente.
Na verdade, o hormônio ajuda a reajustar o relógio biológico em percursos do tipo. Na quantidade adequada, favorece o melhor equilíbrio entre os períodos de vigília e sono durante todas as fases do dia.
Integrante da banca examinadora que aprovou o trabalho de Beck, o professor Marco Tulio de Mello, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), reforça que essa pesquisa tem “um valor imenso porque aponta que a melatonina ajuda no atraso da fadiga não só muscular, como também do sistema nervoso central”.
Ele explica que, com a dose suplementar do hormônio recebida, os ratos ficaram mais preparados para nadar.
Mello, que desenvolve trabalhos na área do sono e da recuperação de atletas, diz que alguns esportistas de alto desempenho utilizam o hormônio sintético para equilibrar o tempo do sono em períodos de treinamento intenso. Porém, essa aplicação é vetada no Brasil, uma vez que não há qualquer liberação para venda da melatonina pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (leia Para saber mais).
Ciente do crescente uso do hormônio sintético, mesmo sem prescrição médica, o professor alerta que caminha ao lado da má informação o uso indiscriminado e distorcido desse hormônio. Como é uma substância natural, a melatonina não é tóxica nem se acumula no organismo, diz Beck. Mello, porém, alerta sobre os riscos da ingestão descontrolada. “Apesar de não ser uma droga ilícita, seu uso indiscriminado pode, com o passar do tempo, inibir o organismo de produzi-la naturalmente”, adverte. Da mesma forma, “se for usada antes do exercício físico não surtirá o efeito esperado”, alerta o professor.
Regulador metabólico
Mesmo sem conhecer a fundo o efeito ergogênico da melatonina, o médico José Cipolla Netto engrossa o coro contrário à ingestão indiscriminada do hormônio. “Do ponto de vista técnico, é um absurdo o uso da melatonina nas academias de ginástica aqui no Brasil. O que se faz é uma interpretação distorcida a partir de pesquisas da década de 1970”, alerta o estudioso. Ligado ao Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP), Cipolla Neto coordenou um grupo de estudos que mostram a melatonina como importante aliada no combate a distúrbios metabólicos, entre eles diabetes, hipertensão e obesidade.
Ele reforça que é inegável o poder antioxidante do hormônio e sua atuação como regulador do metabolismo. “Mas não é por isso que as pessoas podem fazer uso sem indicação médica, da mesma forma que ninguém usa hormônio tireoidiano sem necessitar”, alerta.
Segundo o especialista, estudos sobre a toxicologia da melatonina mostram que a substância não produz qualquer efeito no organismo humano se for tomada fora do horário indicado, à noite, de 45 minutos a uma hora antes de dormir. A síntese desse hormônio só acontece sem exposição à luz. Assim, “se for tomado durante o dia, não terá qualquer efeito”, afirma
Comércio proibido no Brasil
O comércio da melatonina, tanto pela internet quanto em estabelecimentos, não é permitido no Brasil porque não há medicamento registrado com o princípio ativo, não porque a substância seja proibida, informa a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Ou seja, a melatonina nunca foi avaliada pelo órgão regulador em relação aos critérios de segurança e eficácia “porque não há solicitação de registro dessa substância como medicamento”, esclarece a Anvisa em nota.
Porém, a legislação brasileira garante que pacientes que recebam a indicação de uso desse produto por um profissional médico possam importá-lo, trazendo na bagagem ou realizando a compra pela internet. Assim, sites nacionais não podem vender o produto, porque o consumo é permitido, mas a comercialização no Brasil, conclui a nota. Diferentemente, nos EUA, a melatonina é comercializada como suplemento alimentar e vendida até mesmo em supermercados.
Foto: Reprodução
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