Um dos principais neurotransmissores – substâncias usadas pelos neurônios para se “comunicarem” uns com os outros -, a serotonina pode acelerar o aprendizado. O potencial efeito foi revelado em experimento com camundongos realizado por pesquisadores do Centro Champalimaud para o Desconhecido (CCU), em Portugal, e do University College London (UCL), no Reino Unido, e relatado nesta terça-feira no periódico científico “Nature Communications”.
Na experiência, os animais tiveram seus cérebros alterados de forma que os neurônios produtores de serotonina pudessem ser ativados ou desativados usando uma luz, numa técnica conhecida como optogenética. Eles foram então submetidos a um processo no qual tinham que aprender a obter água acionando um de dois dispensários, à esquerda e à direita, de uma câmara onde foram colocados, com cada um deles tendo uma chance de fornecer ou não o líquido.
Ao analisarem os dados do experimento, os cientistas descobriram que o tempo que os camundongos esperavam entre as tentativas de obter água era variável: ou eles tentavam novamente de imediato, acionando um dos dispensários, ou esperavam mais entre as ações. E foi justamente usando modelos matemáticos sobre esta variabilidade que eles vislumbraram o potencial efeito da serotonina no processo de decisão dos animais.
Segundo os pesquisadores, ambas estratégias dos camundongos tinham um mesmo objetivo: maximizar a probabilidade de recompensa, ou seja, de obter água. Especificamente, quando o intervalo era mais curto, o modelo que melhor previa a escolha era baseado quase completamente no resultado (água ou não) da tentativa anterior – isto é, eles acionavam o mesmo dispensário novamente, e se não recebessem água iam direto para o outro, numa estratégia conhecida como “ganho-fica-perda-troca”.
Isto, dizem os cientistas, sugere que, quando o intervalo é curto, os animais estão se baseando na sua “memória de trabalho” para fazer a escolha, ou seja, na memória de curto prazo que se preocupa mais com resultados imediatos. É o tipo de memória que nos permite, por exemplo, lembrar de um número de telefone quando informado, mas logo esquecê-lo se não ficarmos repetindo ele para nós mesmos várias vezes.
Por outro lado, quando o intervalo entre as tentativas era maior que sete segundos, o modelo que melhor previu o comportamento dos camundongos sugere que os animais estavam usando a experiência acumulada das recompensas para guiar sua decisão – ou seja, a memória de longo prazo entrou em ação. É o tipo de memória que nos permite guardar o que aprendemos, como tocar piano.
Os cientistas então ativaram os neurônios produtores de serotonina no cérebro dos camundongos para ver se isso afetava a frequência da estratégia escolhida por eles. A princípio, os níveis mais altos do neurotransmissor no órgão não pareceram influenciar o processo, mas ao compilarem os dados à luz dos intervalos eles observaram que a ativação destes neurônios elevou a eficácia do aprendizado com base nas experiências prévias de recompensa da segunda estratégia
– O estudo mostrou que a serotonina aumenta a velocidade do aprendizado – resumiu Zach Mainen, pesquisador do CCU e um dos líderes do estudo. – Quando os neurônios produtores de serotonina foram ativados artificialmente, os camundongos foram mais rápidos em adaptar seu comportamento numa situação que requeria tal tipo de flexibilidade. Isto é, eles deram peso maior às novas informações e mudaram de ideia mais rapidamente quando estes neurônios estavam ativos.
Ainda de acordo com os pesquisadores, os resultados do experimento podem servir de explicação para um enigma médico envolvendo uma classe de antidepressivos conhecida como inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS) e porquê eles são mais eficazes quando usados em combinação com terapias comportamentais. Segundo eles, ao aumentar a plasticidade cerebral influenciando a taxa de aprendizado, a serotonina junto com as chamadas terapias cognitivo-comportamentais encoraja a quebra de hábitos arraigados dos pacientes que levam aos sentimentos de depressão.
O Globo
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