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Ele produziram um composto na forma de gel ou emplastro que tem como base a proteína do abacaxi, chamada de bromelina, e a celulose bacteriana – dois elementos que já vinham sendo estudados há tempos para aplicações nas áreas médica, farmacêutica e cosmética.
A bromelina tem a propriedade de quebrar moléculas de outras proteínas – o chamado debridamento celular – e, por isso, é usada até para amaciar carne.
“Essa mesma característica faz com ela remova as células mortas na ferida, limpando-a e acelerando sua cicatrização”, explica Janaína Artem Ataide, da Unicamp, autora principal do artigo publicado no periódico Scientific Reports, do grupo Nature, que mostra os resultados do trabalho conjunto.
A celulose é o biopolímero mais abundante da natureza, produzido principalmente por plantas. Mas também há alguns microorganismos, como a bactéria Gluconacetobacter xylinus, capazes de sintetizá-la.
“Essa bactéria é uma biofábrica”, explica a pesquisadora Angela Faustino Jozala, do Laboratório de Microbiologia Industrial e Processos Fermentativos da Uniso, outra autora do artigo. “Ela produz a celulose como se tricotasse polímeros de glicose (açúcar). Como o produto é tecido em nanoestruturas (um nanômetro equivale a um milionésimo de milímetro ou um bilionésimo de metro) o chamamos de nanocelulose.”
Em termos mais técnicos, Jozala explica que a “celulose bacteriana é um polímero linear de glicose, altamente cristalino, sintetizado extracelularmente pela bactéria Gluconacetobacter xylinus na forma de nanofibras. Como ela é produzida livre de outros polímeros (como hemicelulose e lignina), pode ser considerada um material biocompatível”.
Por isso já vem sendo utilizada em diversas aplicações médicas, como, por exemplo, em enxertos e substitutos temporários de pele ou curativos no tratamento de lesões.
Unir esforços
As duas equipes conheciam o trabalho uma da outra e resolveram unir esforços para produzir o novo curativo. “Como a nanocelulose bacteriana já vem sendo aplicada como produto cicatrizante, nós tivemos a ideia de associar a ela uma proteína com propriedades anti-inflamatória e antimicrobiana”, conta Jozala.
“Escolhemos a bromelina porque já conhecíamos suas características e porque a indústria de alimentos, quando produz a polpa de abacaxi, joga a casca e o talo da fruta fora. É fonte barata de obtê-la. Aproveitamos que a equipe da Unicamp já a vinha extraindo desses resíduos para trabalhar em conjunto.”
A pesquisadora Priscila Gava Mazzola, da Unicamp, orientadora de Ataide e outra autora do artigo, diz que a extração da bromelina de resíduos de abacaxi diminui o impacto ambiental da industrialização da fruta e gera um produto de alto valor agregado. Além disso, ela destaca outro pontos importantes do trabalho.
“As biomembranas de nanocelulose são promissoras na entrega de princípios ativos”, diz. “Suas características interessantes para o desenvolvimento de um produto farmacêutico ou cosmético foram alinhadas com as da bromelina. O curativo final tem potencial uso para auxiliar os processos de cicatrização.”
Ataide, por sua vez, conta que há alguns anos a bromelina tem sido objeto de pesquisa na Unicamp. “Passamos da extração dessa biomolécula a partir de resíduos do abacaxi para o estudo de sua aplicação em produtos farmacêuticos e cosméticos para via tópica”, explica.
“Nesse cenário, surgiu a ideia de inseri-la na nanocelulose bacteriana, que se mostrou como o sistema mais promissor para sua veiculação. Hoje, temos pesquisado o aumento da estabilidade da proteína com o uso de nanopartículas de quitosana (substância encontrada no exoesqueleto de crustáceos, que tem propriedades cicatrizantes).”
Os primeiros testes em laboratório foram feitos para verificar se a bromelina criava de fato uma barreira antimicrobiana. “Ferimentos não cuidados são uma porta aberta para micro-organismos, o que pode levar a infecções graves”, diz Jozala. “Por isso, necessitam de um bom curativo, que ajude na cicatrização e evite contaminação. Além disso, deve ser capaz ainda de propiciar atividade antioxidante, para diminuir o processo inflamatório de células mortas e pus”.
A proteína do abacaxi se mostrou capaz de preencher esses requisitos.
Fase de testes
Para realizar os testes, as membranas de nanocelulose bacteriana foram mergulhadas por 24 horas em uma solução de bromelina. Os pesquisadores observaram que, 30 minutos após ela ser incorporada à celulose, houve maior liberação e aumento de nove vezes na atividade antimicrobiana da membrana.
“Ou seja, foi criada uma barreira seletiva, que potencializou a atividade proteica e outras ações importantes para a cicatrização, como o aumento de antioxidantes e da vascularização”, conta Jozala.
De acordo com ela, o novo curativo já passou a pela primeira fase de desenvolvimento de um medicamento, que é feito em laboratório, para verificar se tem o efeito desejado e não é tóxico.
Agora, virá a fase dois, que são os testes com animais. Os trabalhos estão sendo feitos no novo laboratório da Uniso. Além do curativo, as novas instalações servirão para testes, produção e purificação de biomoléculas de interesse em diversos segmentos industriais (biotecnológico, ambiental, alimentício, farmacêutico).
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