por Patricia Peck* 21/03/2011 Em artigo, especialista em direito digital aborda chegada do paciente bem informado aos consultórios e a reação dos médicos a esse processo Em tempos de aumento do acesso à internet e da explosão do uso das redes sociais, cresce, nos consultórios médicos, o número de pacientes que, de alguma maneira, chegam para a consulta com algum conhecimento, correto ou não, quanto a um possível resultado de exame, enfermidade ou com um pré-diagnóstico baseado em sintomas. Isso acontece graças aos sites de buscas. As pessoas vêm utilizando tais agregadores de notícias e informações como um verdadeiro prontuário eletrônico. Mas, até que ponto isso é benéfico na relação médico - paciente? O advento da internet e a adesão crescente às redes sociais, claro, atingiram os profissionais da saúde. Além de redes destinadas ao público geral, como o Facebook, Orkut, LinkedIn e Twitter, tem havido um considerável desenvolvimento das redes sociais criadas especificamente para a classe médica, como o Planeta Médico (http://www.planetamedico.com.br/), o MySpine (www.mycommunity.com.br/myspine), e o Meu Prontuário (http://www.meuprontuario.net/). Há também o Sermo (http://www.sermo.com/), uma rede originária dos Estados Unidos que conta com mais de 115 mil membros, segundo informações do próprio site. Os médicos podem sim fazer parte dessas comunidades, porém, é importante frisar que as redes exclusivamente médicas se destinam à discussão científica e os demais sites de relacionamento dizem respeito à vida pessoal. Nesse sentido, vale lembrar que no Brasil os médicos devem seguir o Código de Ética Médica, que em decorrência do dever de sigilo profissional, veda fazer referência a casos clínicos identificáveis, exibir pacientes ou seus retratos em anúncios profissionais, divulgação de assuntos médicos em meios de comunicação em geral, mesmo com autorização do paciente (Art. 75). É vedado, ainda, ao médico, divulgar, fora do meio científico, processo de tratamento ou descoberta cujo valor ainda não esteja expressamente reconhecido cientificamente por órgão competente (Art. 113). Essa adaptação dos profissionais às novas tecnologias gera impactos importantes para a sociedade em geral. A saúde tem evoluído muito no âmbito de diagnóstico por imagem. O médico online, que usa a internet e as redes sociais, se permite um melhor acesso às informações e à troca de experiências não apenas com outros integrantes da comunidade em que está inserido, mas com a comunidade científica do mundo inteiro. Há a oportunidade, por exemplo, de contato com histórias de casos de pacientes - o que é super importante até no mapeamento de doenças mais raras, ainda não bem tratadas -, observância de efeitos adversos, estudo de similaridades, entre outros pontos importantes da missão contínua de pesquisa e atualização que todo profissional da área médica tem. Além disso, é importante que o médico saiba o que está na internet, pois há uma verdadeira avalanche de informações erradas, "mitos" e até recomendações equivocadas quanto aos tratamentos e diagnósticos. Frente a essa realidade, o médico recebe também a missão de alertar ao paciente sempre que o mesmo mencionar durante uma consulta que viu algo na internet, auxiliá-lo no entendimento do que é verídico ou não no caso de um boato, por exemplo. Ressalto que a despeito de todos os pontos positivos citados, o médico não pode se esquecer do sigilo profissional. Cabe a ele respeitar a privacidade de seus pacientes sem revelar, a qualquer tempo ou situação, informações relacionadas aos casos tratados, de seu conhecimento, em virtude do exercício de sua profissão, salvo nas hipóteses autorizadas no Código de Ética Médica ou em Lei. Além da atualização constante, manter um perfil em redes sociais também auxilia na humanização da relação com o paciente, já que muitos deles preferem este contato mais interativo e em tempo real, ao invés do tradicional "ligar no consultório". Esse comportamento é observado especialmente no caso do médico que atende ao público já da Geração Y ou Z (nascidos de 1980 para cá). A presença na web, em contrapartida, também apresenta suas desvantagens. Um exemplo de extrema importância é o caso do vazamento de informações confidenciais de pacientes ou a superexposição da vida de um profissional cujas condutas devem ser guiadas pelo Código de Ética Médica e, ainda, o assédio de pacientes nas redes sociais pessoais. É difícil separar, nas redes sociais, o que é pessoal do que é profissional. Existe uma certa confusão entre a imagem corporativa e a imagem do indivíduo. Por isso, se o médico tem um blog, por exemplo, e deseja que o conteúdo publicado seja somente pessoal, ele não deve, em hipótese alguma, comentar assuntos de seu trabalho. No momento em que ele próprio promove uma mistura entre as esferas particular e profissional, inicia-se a confusão. Isso ainda pode ser intensificado se o profissional emite, na sequência, uma opinião pessoal sobre qualquer tema. Quem participa desse ambiente de interação não consegue mais distinguir se aquilo que o médico blogueiro diz é pessoal ou profissional. É de suma importância que fique absolutamente claro o propósito do ambiente, seja um Blog ou um perfil em Facebook. A postura do profissional precisa estar alinhada a isso uma vez que a maior parte dos erros ocorre devido à confusão destes elementos de propósito e postura. Recomenda-se, ainda, que ao optar por uma rede social pessoal, o médico não adicione pacientes aos seus contatos, ou mesmo os curiosos em atendimentos online. Também é importante que as configurações de privacidade oferecidas pelas redes sejam ativadas a fim de preservar o conteúdo ali postado. Segundo um estudo desenvolvido pelo Hospital Lariboisièreque, na França, realizado com 400 médicos em formação na Universidade Hospital Rouen, a "interação entre paciente e médico resulta em uma situação eticamente problemática, porque não está relacionada à assistência direta ao paciente", defenderam os autores do estudo no Journal of Medical Ethics. "Além disso, a disponibilidade pública de informações sobre a vida privada de um médico pode ameaçar a confiança mútua entre ele e seu paciente. Comentários e fotos postados on-line podem ser mal interpretados fora do seu contexto original e podem não refletir com precisão as suas opiniões e comportamentos da vida real".[i] O Código de Ética Médica prevê regras para o comportamento dos profissionais da Medicina nos meios de comunicação em massa, como a internet, tais como a vedação de divulgar informação sobre assunto médico de forma sensacionalista, promocional ou de conteúdo inverídico ou, ainda, de consultar, diagnosticar ou prescrever por qualquer meio de comunicação do gênero. Se o médico cometer qualquer falta grave, como o desrespeito às vedações apresentadas acima, poderá ter o exercício profissional suspenso mediante procedimento administrativo específico. Diante disso, o médico deve seguir, principalmente na internet e em seus perfis nas redes sociais, as mesmas regras de conduta de sigilo que segue nos demais espaços em que está presente. Lembrando que é vedado ao médico fazer referência a casos clínicos identificáveis, exibir pacientes em anúncios profissionais ou na divulgação de assuntos médicos, em meios de comunicação em geral, mesmo com autorização do paciente, além de não poder divulgar qualquer fato sobre o qual tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão. Justamente por ter a classe médica um dever de sigilo profissional e um Código de Ética Médica, que procura preservar a privacidade do paciente, cada vez mais se discute no âmbito da saúde sobre segurança da informação (disponibilidade, integridade, e principalmente, confidencialidade). De acordo com a Resolução 097/2001 do CREMESP, que dispõe sobre idealização, criação, manutenção e atuação profissional em domínios, sites, páginas ou portais sobre medicina e saúde na Internet, os usuários da Internet têm o direito à privacidade sobre dados pessoais e de saúde. Logo, os sites devem deixar claros os mecanismos de armazenamento e segurança para evitar o uso indevido de dados através de códigos, contra-senhas, software e certificados digitais de segurança apropriados para todas as transações que envolvam informações médicas ou financeiras pessoais do usuário. Devem ter acesso ao arquivo de dados pessoais para fins de cancelamento ou atualização dos registros. Em 2007, por exemplo, a Agência Nacional de Saúde (ANS) estabeleceu o padrão de Troca de Informações em Saúde Suplementar (TISS) para determinar os requisitos mínimos a serem atendidos no registro e intercâmbio de dados entre as operadoras de planos privados de assistência à saúde e os prestadores de serviços de saúde. Ainda em 2007, o Conselho Federal de Medicina aprovou, por meio da Resolução CFM N.º 1.821, as normas técnicas concernentes à digitalização e uso dos sistemas informatizados para a guarda e manuseio dos documentos dos prontuários dos pacientes, autorizando a eliminação do papel e a troca de informação identificada em saúde. A Organização Internacional para a Padronização (ou International Organization for Standardization, ISO), publicou, em setembro de 2008, a Norma ISO 27799:2008 - um roteiro prático para a Gestão de Segurança da Informação na área de Saúde através do uso da Norma ISO/IEC 27002. Sendo assim, tanto médicos e hospitais, quanto empresas relacionadas ao sistema de saúde, devem ficar atentas a adoção de mecanismos eficientes e à correta orientação de seus funcionários para garantir o adequado tratamento às informações dos pacientes. *Patricia Peck Pinheiro, advogada especialista em Direito Digital, sócia fundadora da Patricia Peck Pinheiro Advogados, autora do livro "Direito Digital", do áudio-livro e do pocket book "Tudo o que você precisa ouvir sobre Direito Digital", e do áudio-livro "Eleições Digitais". http://www.saudebusinessweb.com.br/noticias/index.asp?cod=76756
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