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domingo, 3 de novembro de 2013

Telemarkenting do SAMU atrasa envio de ambulâncias em São Paulo

Romildo de Jesus
Triagem de pacientes deve ser feita por enfermeiros,
diz resolução do Cofen
Terceirização na linha de frente do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência prejudica a agilidade dos despachos, dizem especialistas e funcionários do SAMU
 
Foi com xingamentos e empurra-empurra que uma ambulância do Serviço Móvel de Urgência (SAMU) foi recebida ao estacionar em frente a uma casa no centro de São Paulo no dia 25 de outubro. Os vizinhos culpavam o motorista e os auxiliares de enfermagem pela demora de cinco horas para atender a ocorrência de uma mulher com sangramento uterino.
 
Somente naquele dia, pelo menos outros dois pacientes viram o tempo entre sua ligação e a chegada da ambulância ultrapassar em muito os 15 minutos recomendados pelo Ministério da Saúde.
 
Consultados pelo iG, especialistas e funcionários do próprio SAMU apontam a terceirização do atendimento 192, responsável pela avaliação dos casos e priorização dos atendimentos, como a principal razão para tanta demora.
 
Wanderley Preite Sobrinho/iG
Ficha de atendimento de Márcia, vítima de hemorragia uterina:
 cinco horas de espera
“Fiz a primeira ligação para o SAMU ao meio-dia”, recorda-se o mecânico Vicente de Paulo Monteiro (31), marido de Márcia Vasconcelos, que, “empapada em sangue”, desmaiou nos braços da enfermeira quando a ambulância chegou, às 17h.

A vendedora de 28 anos só descobriu que estava grávida de três semanas quando soube que perdeu o bebê ao chegar na Santa Casa.
 
“O único profissional capacitado para fazer triagem, além do médico, é o enfermeiro. É o que diz uma resolução do Conselho Federal de Enfermagem [Cofen]”, garante o secretário-geral do Sindicato dos Enfermeiros no Estado de São Paulo, Péricles Flores.

Ele se refere à Resolução 375/2011, que obriga a presença de enfermeiro no atendimento pré-hospitalar. “Pedimos à prefeitura para repensar o modelo ao pressionar o Conselho Municipal de Saúde.”
 
Reprodução
Lista de 27 enfermeiros demitidos após "reformulação da
Central de Operações": no lugar, uma associação que presta
 serviço de telemarketing
Até setembro de 2009, somente esses profissionais cuidavam da triagem pelo 192. Naquele ano, “a reformulação da Central de Operações” justificou a demissão dos 27 enfermeiros e a contratação da Avape, uma associação sem fins lucrativos que presta serviço de telemarketing oferecendo mão de obra a deficientes físicos.
 
“A medida traz economia aos cofres públicos, mas a eficiência cai com a terceirização de serviços como esses”, avalia Guaracy Mingardi, sociólogo crítico do novo modelo, que também deve ser implantado no 190, da Polícia Militar. “O problema é que, com o tempo, as pessoas se acostumam com o mau atendimento.”
 
Alvo da população, os auxiliares de enfermagem costumam protocolar na administração do SAMU a insatisfação com os atendentes do 192, que errariam diagnóstico, prioridades de atendimento e até nome de rua.

No dia 15 de outubro, por exemplo, uma ambulância só chegou ao acidente de moto com 40 minutos de atraso depois de visitar três diferentes endereços repassados pela central.
           
Sem conhecimento acadêmico, os operadores são treinados pelo SAMU, que entrega a cada atendente um manual de procedimentos médicos com centenas de páginas.

A assessoria de imprensa do serviço nega que médicos e enfermeiros estejam excluídos da triagem ao explicar o que acontece entre a ligação do paciente e o acionamento da ambulância.
 
Reprodução
R.A.F. esperou uma hora e 18 minutos para receber atendimento
O procedimento padrão é que, depois de receber a chamada, o atendente passe o caso para os “despachadores”, outro grupo de profissionais sem diploma que repassa o caso a um dos médicos plantonistas, que aciona a ambulância e orienta os auxiliares de enfermagem de acordo com a necessidade relatada pelo operador de telemarketing.

Segundo funcionários do SAMU, apenas três em cada dez ocorrências chegam aos médicos. A comunicação com a ambulância seria feita na maior parte das vezes pelos despachadores.
 
No mesmo dia em que Márcia perdeu o bebê, a paciente R.A.F, de 42 anos, esperou uma hora e 18 minutos para receber atendimento. Também grávida, ela ligou às 18h29 relatando fortes dores abdominais, secreção de um “líquido preto” e o histórico de um aborto.

Reprodução
Apesar da ocorrência ter sido registrada às 21h42,
a ambulância só foi acionada às 22h30
“Esse líquido decorre de uma doença chamada pré-eclâmpsia, quando a gestante desenvolve hipertensão, o que é muito arriscado para o bebê”, diz um enfermeiro do SAMU que prefere manter seu nome em segredo. “Um atendente sem experiência clínica dificilmente saberia disso.” A ambulância só foi encaminhada para a ocorrência às 19h47.
 
Duas horas depois, e foi a vez do paciente H.A.S sofrer convulsões na Praça da República. A ocorrência foi registrada às 21h42, mas a ambulância, que chegou em seis minutos, só foi despachada às 22h30.
 
Outro lado
A assessoria do SAMU diz que a unidade paulistana recebeu o prêmio de “Centro de Despacho de Emergências Médicas de Excelência. O título foi concedido em abril/2012 pela Academia Internacional de Despacho de Emergência Médica.”
 
O Serviço também enviou ao iG as razões para a demora nos casos relatados pela reportagem:
 
“Quanto ao Ar. H.A.S., o chamado entrou às 21h42 como prioridade 2 (Urgência de prioridade moderada, quando o atendimento médico pode ser feito dentro de poucas horas). Na ocasião, as ambulâncias estavam empenhadas em ocorrências de urgência e emergência com prioridade absoluta.”
 
Em relação a Sra. R.A.F., “o chamado entrou às 18h29 como prioridade 2. O funcionário não conseguiu contato com o solicitante, porque o telefone informado apresentava uma mensagem de telefone inexistente ou sinal de ocupado de forma constante. Foram feitas várias tentativas, mas sem sucesso.”
 
Já o prontuário da Márcia, que perdeu o bebê, “não foi localizado no sistema no período informado.”
 
iG

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